O edifício onde durante mais de 80 anos funcionou o mercado de peixe de Vila Franca do Campo, em São Miguel, e que há mais de três décadas estava ao abandono é agora um espaço moderno, cheio de vida, onde se cruzam os aromas das cozinhas de quatro chefs com visões diferentes. Quem vai ao recém inaugurado Mercado da Vila pode deliciar-se com pratos orientais, italianos, açorianos e de autor, num conceito inovador que junta os chefs Paulo Morais, Roberto Mezzapelle, Donária Pacheco e Rui Paula..Um espaço pensado à semelhança de outros mercados que se veem pela Europa fora, daqueles que juntam vários conceitos e ofertas gastronómicas, mas com uma diferença. "O nosso tem serviço de mesa", aponta Rúben Pacheco Correia, o promotor do Mercado da Vila e que durante 20 anos tem a concessão deste espaço reabilitado pela autarquia. Ao chegar, o cliente recebe o menu onde constam os pratos dos quatro chefs. "Pode provar de uma cozinha só ou de todas", realça o empresário, explicando que cada tipo de gastronomia tem a sua cozinha e equipa próprias. "A única equipa comum é a equipa de sala", diz..Donária Pacheco, mãe de Rúben, é dos quatro chefs envolvidos no projeto aquele que mais tempo passa no Mercado da Vila. "Este é certamente o maior desafio da minha vida até hoje", assume, apesar de ser a responsável pela cozinha do Botequim Açoriano - que detém com o filho - e de já ter passado por vários cozinhas de São Miguel, entre as quais as dos restaurantes Campo de Golfe, do Hotel Holiday Inn e do The Lince Hotel. "O fogão tem sido o meu maior professor nestes já 25 anos de cozinha", diz, apesar das muitas formações feitas, "desde a cozinha molecular à cozinha de raiz tipicamente portuguesa". Nos últimos meses tem convivido de perto com os outros três chefs do projeto, dois deles com estrelas Michelin no currículo.."Sinto-me envergonhada, confesso. Sou muito tímida. Eu vivo na cozinha, sempre vivi. Isto de se ver os nomes dos chefs expostos e do chef vir à sala e estar com as pessoas para mim tem sido uma descoberta", diz. Mas "estar entre estes nomes de chefes que sempre admirei é uma honra e uma grande responsabilidade, porque o cliente que nos procura vem com as expectativas todas em cima", acrescenta, referindo que o Mercado da Vila tem permitido a partilha de histórias, receitas e formas diferentes de se interpretar a cozinha..Mulher dedicada à cozinha dos Açores, pega em receitas e produtos locais e dá-lhes um "toque". "A alcatra à moda da Terceira é um destes exemplos: o produto mãe - a alcatra - é feito como sempre se fez, a receita original, o processo das várias horas no forno em pote de barro, etc. Mas depois o empratamento e a forma como se apresenta já traz a alcatra secular ao presente", explica Donária Pacheco..Esse é o prato de cozinha açoriana que o filho recomenda a quem quer estrear-se no Mercado da Vila. Já da cozinha oriental de Paulo Morais - que este ano conseguiu a primeira estrela Michelin para o seu Kanazawa, em Lisboa - sugere o Tataki de atum. "Não conheço ninguém que trabalhe o peixe como ele, tudo o que toca transforma em ouro. É brilhante", elogia Donária..Já de Rui Paula - cuja Casa de Chá da Boa Nova, em Leça da Palmeira, tem duas estrelas Michelin - a chef destaca, além da capacidade de transformar "receitas da avó" em "obras de arte", o crème brulée de chocolate branco e maracujá. "É qualquer coisa!", comenta, enquanto Rúben aponta o Milhos com Polvo..Finalmente, da cozinha italiana de Roberto Mezzapelle - que se mudou para Lisboa em 2017 para abrir com Chakall o Refeitório Senhor Abel - o empresário destaca a massa carvão vegetal que o cliente pode escolher para a sua pizza em alternativa à massa clássica..Com capacidade para 100 lugares sentados, o restaurante é um espaço amplo, ainda que haja apontamentos decorativos alusivos aos quatro géneros de cozinha, e "bastante democrático", assegura Rúben Pacheco Correia. Tanto porque agrada a vários tipos de palato, como se adequa a todas as bolsas..Aberto há pouco mais de um mês, ainda que se esteja em plena época baixa nos Açores, o Mercado da Vila "está a bombar", assegura o responsável. "Este projeto vem marcar a agenda gastronómica das nossas ilhas e acredito que o caminho que tem pela frente ainda será mais profícuo", diz Donária, que mesmo assim continua a sonhar. "Gostava de no futuro criar um projeto nos Açores, um restaurante mais pequeno, com poucos lugares, onde pudesse, com os produtos dos Açores, dedicar-me à criação de pratos diferentes. No futuro". Assim seja.