Menos SMS, mais WhatsApp. Qual o futuro das chamadas de voz?

Os portugueses passam cada vez mais tempo a falar ao telemóvel devido aos planos de chamadas "a zero cêntimos" para todas as redes. Mas, para os adolescentes e para alguns adultos, o telefonema tradicional parece ser uma coisa do passado. Há pessoas que ficam em ansiedade e stresse quando recebem chamadas de voz.
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Quando trabalhava em consultoria, Mónica Andrezo Pinheiro, 42 anos, passava 75% do tempo ao telefone. "Ganhei aversão a essa forma de contacto. Associo o toque a uma fonte de stresse: mais temas ou problemas para resolver", conta a diretora de recursos humanos. Aos poucos, foi deixando de ter vontade de falar ao telefone, de tal forma que, quando ouve o toque das chamadas de voz, fica irritada e stressada. "Tenho sempre o telemóvel [pessoal] sem som. Sempre. E frequentemente em casa está em modo de voo". Prefere "o face to face", ou a comunicação por SMS e WhatsApp.

Como passa muito tempo a interagir com diferentes interlocutores ao longo do dia, e muitas vezes por telefone, Mónica não deixa que as chamadas interfiram no tempo que tem para si. "Torna-se desgastante e prefiro desligar ao máximo de chamadas telefónicas". Quando o faz a título pessoal, quase sempre dispersa e acaba por sair da conversa. Mas, reconhece, "há pessoas que só querem falar". "E quando ligam duas e três vezes e depois não é crise nenhuma nem nada de grave por aí além?"

Em Portugal, as chamadas de voz feitas a partir de telemóveis têm vindo a crescer desde 2013. De acordo com o relatório "O setor das comunicações 2017", da ANACOM - Autoridade Nacional de Comunicações, o tráfego de voz móvel apresentou uma tendência crescente até 2010, estabilizou no período até 2013 - graças à "a conjuntura económica, à diminuição da taxa de crescimento dos assinantes e ao aparecimento de alternativas", como as redes sociais -, e tem vindo a crescer desde então, devido a planos integrados com serviços fixos (televisão, internet e telemóveis) e comunicações "a zero cêntimos" para todas as redes.

Em termos de minutos, o tráfego de voz móvel atingiu, em 2017, o valor mais elevado contabilizado até ao momento, tendo crescido 3,5% em termos de minutos. Já o número de chamadas cresceu 2% em relação a 2016 - realizaram-se 10,2 mil milhões de chamadas - mas a subida ficou aquém da registada nos últimos cinco anos (3,3%). Quanto à banda larga móvel, o tráfego mensal por utilizador ativo foi de 2,46 GB (+49,5%), enquanto o tráfego de voz fixa diminuiu 11,5% e o número de SMS desceu 10,8% - ​​​​​​​mantendo a tendência dos últimos anos.

No Reino Unido, o número de chamadas de voz feitas a partir de telemóveis diminuiu, pela primeira vez, em 2017. De acordo com um relatório da Ofcom, a entidade reguladora de telecomunicações, a quebra foi de 1,7% em relação ao ano anterior, apesar de uma diminuição nos custos das chamadas, o que poderá estar relacionado com uma maior utilização de ferramentas como o WhatsApp e o Messenger.

Por cá, é expectável que, no futuro, também haja uma quebra nas chamadas de voz. "A comunicação vai sempre existir, mas vai alterar-se. Os mais novos estão mais habituados a comunicar de forma escrita, pelo que poderá haver uma inversão entre as chamadas de voz e as mensagens. É uma comunicação muito mais rápida", diz Luís Correia, docente no Instituto Superior Técnico e coordenador de um estudo do INOV-INESC sobre a utilização de telemóveis em adolescentes, conduzido entre 2010 e 2016. Para o investigador, o aumento no tráfego de voz poderá estar relacionado com a "retoma económica" que se verificou no país, que conduz, naturalmente, a um aumento do volume e duração das chamadas.

De acordo com a investigação do INOV-INESC, os jovens portugueses estão a usar cada vez menos o smartphone para o tradicional telefonar e enviar SMS, mas "começam a usar outras maneiras de comunicar como o WhatsApp e o Messenger".

Tânia Santos, de 24 anos, praticamente só recorre às chamadas de voz "se for para telefonar para o pai e para a mãe ou em situações de urgência". De resto, conta ao DN, usa mais mensagens de texto, numa proporção de "55% Messenger e 45% SMS e WhatsApp". "Nunca fui de passar muito tempo ao telefone. Isto tem a ver com a minha geração. Sou da era das mensagens grátis", reforça.

É "caricato", prossegue Luís Correia, porque o SMS é hoje usado pelos mais velhos, que inicialmente não o usavam, enquanto os mais novos preferem outros meios."Não diria, no entanto, que o SMS está condenado à morte, mas perdeu o exclusivo. A tecnologia existe, mas hoje temos uma diversidade de meios para comunicar que não existia há 15 anos. Hoje em dia, só o falar normalmente pode ser por chamada de voz, Skype, WhatsApp, Facetime. E o mesmo se passa com as mensagens", diz o docente universitário.

Famílias comunicam nos grupos do WhatsApp

Para muitas famílias, o WhatsApp veio permitir uma nova forma de comunicar. "Temos um grupo muito dinâmico. Enviamos várias mensagens uns aos outros durante o dia. É como se fosse um depósito de informação sobre o que cada um está a fazer, com fotos", conta ao DN Ana Margarida Almeida, de 32 anos, responsável de comunicação das Aldeias de Portugal. Criaram o grupo há cerca de quatro anos, quando a irmã foi para o Brasil. "Somos muito pegados uns aos outros. Esta é uma forma de estarmos sempre em contacto".

Neste caso, o WhatsApp não substitui os tradicionais telefonemas. "É mais um complemento e é mais imediato. Não esperamos pelo final do dia para falar", sublinha. Ana Margarida tem a perceção que "hoje se fala um pouco menos ao telefone, até porque as redes sociais dão a ilusão de que sabemos sempre o que se está a passar na vida da outra pessoa". Mas, no seu caso, não abdica das chamadas telefónicas.

Quem também não prescinde de falar ao telefone é Joana Andrade, 36 anos, engenheira eletrotécnica. "Vivi muitos anos sozinha, e o telefone era a minha companhia. Telefono imenso na mesma. Gosto muito de falar ao telefone", conta ao DN. Vê as novas formas de contacto como um complemento às chamadas de voz. "Tenho um grupo de WhastApp com os meus pais, irmãos e cunhada. Serve para comunicarmos e partilharmos informações, mas falamos igualmente ao telefone quando temos de falar". É nesse grupo que mostra as fotos das obras em casa, por exemplo, ou que fica a saber que a sobrinha tem umas botas novas. "Tanto podemos passar uma semana a usar o grupo diariamente, como ficar uma semana sem ir lá", adianta.

Joana Andrade confessa que está rendida "aos áudios", que representam quase um retrocesso às mensagens de voz dos anos 80 e 90. "Se telefonar, vou demorar mais tempo. Ao enviar um áudio, dizes o que queres e não tens que dar feedback no momento. É uma coisa muito prática, além de permitir que nos expressemos melhor do que por escrito", explica.

Quando o toque do telefone gera ansiedade

À exceção das chamadas para a família, há quem se tenha desabituado por completo de fazer os tradicionais telefonemas. É o caso de Filipe Maia, de 41 anos, responsável de logística de uma multinacional: "Ainda me recordo de passar horas ao telefone nos tempos da juventude. Hoje, se o telefone toca fora do horário laboral, fico ansioso. Associo logo a algo que correu mal, que deixei por fazer. Não sei bem explicar, mas deixa-me desconfortável".

Esta não é uma situação rara, seja porque a chamada é associada a algo negativo, ou porque é geradora de stresse. Luís Correia explica que "comunicar com voz implica uma interação imediata com o comunicador, o que não acontece por mensagens. A ansiedade está muitas vezes relacionada com o imediatismo da comunicação".

No final do primeiro semestre deste ano, 95,7% dos residentes em Portugal eram clientes do Serviço Telefónico Móvel, e registavam-se 7,2 milhões de utilizadores efetivos do serviço móvel de acesso à internet, o que corresponde a uma penetração de cerca de 70 por 100 habitantes.

Por esta altura, é difícil antever o panorama das telecomunicações daqui a dez anos. "Pode haver algo que venha a transformar tudo, como a realidade virtual e aumentada. Quando chegar aos telefones de forma banal, pode alterar muito a forma como as pessoas comunicam", conclui Luís Correia.

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