Menos regras, taxa de vacinação baixa, clima e fenómeno migratório explicam onda na Europa

Numa semana, o número de novos casos voltou a disparar em alguns países da União Europeia. É o caso da Alemanha, da Holanda, da França, da Itália, da Áustria, da Grécia e até de Portugal. Mas fora dos 27, o Reino Unido e a Suíça também são exemplo. Estará a Europa a criar uma nova onda epidémica? É normal? Chegará a todos os países? O que a poderá atenuar? O imunologista e professor da Faculdade de Medicina de Coimbra, Manuel Santos Rosa, explica ao DN e acredita que, em Portugal, a vacinação vai ajudar-nos em futuras ondas epidémicas.
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Na semana de 7 a 14 de março, a Alemanha registou 1 364 312 novos casos de covid-19.A Holanda diagnosticou 460 732 novos casos, a França 434 706, a Itália 347 095, a Áustria 291 27 e a Grécia 127 142. Portugal, cujo R(t) tem vindo a subir nas últimas três semanas, teve 80 813, a Dinamarca 86 542 e a Espanha 73 912. Mas o aumento de casos também foi sentido a Leste, na Polónia 76 636 novos casos, na Roménia 23 733, na República Checa 53 731 ou na Eslováquia 63 573.

No grupo de países da União da Europeia, a pressão está agora centrada nos países mais a Norte, sendo Malta o país com menos casos 959, embora o Luxemburgo, a Suécia e a Hungria também estejam no grupo dos menos atingidos, com 4023, 7536 e 8464, respetivamente. Fora da UE destacam-se o Reino Unido com 294 904 novos casos e a Suíça com 114 376.

Os dados são revelados pela própria Organização Mundial da Saúde, e atualizados a 14 de março, mas o que está fazer aumentar, de novo, as infeções por SARS- CoV-2 na Europa, quando muitos dos países como Portugal e Espanha que já têm uma taxa de cobertura vacinal elevada? Pode já falar-se numa nova onda? Há especialistas internacionais que já alertaram para esse facto.

O imunologista e professor na Faculdade de Medicina de Coimbra, Manuel Santos Rosa, defende ao DN que "ainda é difícil uma explicação fundamentada em factos reais e científicos, mas, provavelmente, o que está a acontecer resulta de um conjunto de situações".

Uma delas, refere, "é, evidentemente, o facto de a população em geral estar cansada da pandemia. Os próprios governantes também e todos tentam aliviar medidas de proteção, numa tentativa de regressar a uma vida normal". Portanto, este aumento de casos que agora se começa a registar na Europa, embora com dimensões ainda muito diferentes, tem a ver com o alívio das restrições na esmagadora maioria dos países, mas também com o facto de, alguns destes países, sobretudo os da Europa do Norte e do Leste, terem ainda uma cobertura vacinal baixa.

Mas não só. O especialista defende ainda que este aumento de casos ou já uma possível onda epidémica podem estar associados a outros fatores: "O clima, temperaturas abaixo dos zero graus, e os movimentos migratórios provocados pela guerra na Ucrânia." Na opinião de Manuel Santos Rosa, estes fatores todos juntos "criam maior probabilidade de o vírus se difundir e de se formarem novas ondas, mas o perigo não é a formação de ondas menores ou maiores na Europa, o perigo é o vírus fazer uma mutação mais gravosa do que as que temos agora e isso é possível à medida que se propaga numa população não vacinada e vacinada, como se tem estado a verificar com a variante Ómicron".

Destaquedestaque"O perigo não é a formação de ondas menores ou maiores na Europa, o perigo é o vírus fazer uma mutação mais gravosa do que as que temos agora, o que é possível à medida que se propaga numa população não vacinada e vacinada".

O professor de Coimbra faz uma retrospetiva e recorda que o aumento de casos começou a sentir-se sobretudo em países que "aliviaram as medidas de proteção mais precocemente do que Portugal ou Espanha, por exemplo. E quanto mais aliviarmos as medidas de bloqueio de transmissão mais vamos ter a possibilidade de ondas epidémicas. É o resultado lógico, porque há menos distanciamento, menos proteção e mais socialização. Ora isto é explosivo, mesmo nesta fase da pandemia. Não se sente é tanto impacto a nível da gravidade da doença, devido à vacinação".

Por isso, sublinha, ser este um dos fatores importantes na contenção das infeções. E exemplifica: "Muitos dos países que estão agora com maior número de casos, como Alemanha, Holanda e França, são dos que ainda têm uma cobertura vacinal da ordem dos 70%. Nesta altura, já sabemos que países com taxas de cobertura maior têm maior proteção e, supostamente, picos menores e com subidas mais lentas das ondas epidémicas". Ou seja, "o facto de haver mais pessoas protegidas - não digo imunizadas, porque penso que este conceito em relação a esta doença não se aplica, não há pessoas imunizadas, há pessoas protegidas - amortece a propagação do vírus", argumentando: "Por isto é que se observa sempre que há mais pressão no aumento de casos maior pressão para a vacinação".

Foi isso que alguns países fizeram - é o caso da Áustria que instaurou a lei da obrigatoriedade da vacinação em vigor até há dias -, mas sem conseguirem obter grandes resultados, porque a taxa de cobertura, mesmo assim, não aumentou muito. "Em Portugal, por exemplo, será muito difícil aumentar a cobertura vacinal, porque já está acima dos 90%, e é muito difícil pressionar neste sentido", comenta o imunologista.

Portanto, é natural que esta situação associada aos outros fatores, menos regras de proteção, frio e movimentos migratórios, desencadeiem novas ondas e um agravamento da pandemia, mas "é uma situação que resulta de outra bem mais grave, que é a guerra".

O professor destaca que, o facto de os países da Europa Central, onde o aumento de casos começou a ser sentido em primeiro lugar, terem "uma geografia e clima muito diferentes do nosso - por exemplo, este ano, temos tido um inverno quase primavera, enquanto nos países mais no centro e norte da Europa se está com temperaturas muito baixas, negativas - estão muito mais expostos às condições propícias para a propagação do vírus".

Como se não bastasse, há outro fator que não é alheio a este aumento, que é o fenómeno migratório provocado pela guerra, já com três milhões de refugiados, o que também facilita a propagação do vírus. "As pessoas estão mais expostas, estão a viver um quotidiano tão dramático que não pensam sequer em medidas de proteção, como o uso de máscara, e sabemos também que que a única coisa que faz diminuir de forma muito notória o número de casos são as medidas de proteção individual, porque se as pessoas se protegessem na totalidade não se infetavam e não transmitiam o vírus. Mas isto, numa situação de guerra, é impossível".

Mas a onda que se evidencia agora em países da Europa chegará a todos? Para isto, também não há uma resposta com certezas. Em relação a Portugal, Santos Rosa acredita que "a elevada taxa de vacinação nos será favorável em próximas ondas", embora, neste momento, "os nossos indicadores não sejam muito favoráveis. Temos o R(t) a subir e, comparativamente com a Espanha, temos uma incidência superior".

DestaquedestaqueNo mundo há 458 479 635 pessoas que foram infetadas com covid-19 e 6 047 653 óbitos diretors da doença. Na Europa, há 189 034 810 infetados e 1 907 808 de mortes.

Quando perguntamos se há uma explicação para a inversão da tendência em Portugal em tão pouco tempo - já que as estimativas em fevereiro apontavam para a estabilizar do número de casos, entre os cinco mil e os dez mil -, o médico repete: "Houve o alívio de mais medidas restritivas". Por isso, defende, que, nesta altura, se deve avaliar muito bem se a última das regras de proteção, o uso de máscara, deve ser retirada já em ou não, porque "se entrarmos numa loja e todas as pessoas estiverem sem máscara a perceção de risco diminui, é como se a pandemia tivesse acabado. Se houver pessoas com máscara a perceção de risco mantém-se".

Embora, diga, que "ao fim de tanto tempo de pandemia já deveríamos estar numa fase em que não deveríamos precisar de medidas obrigatórias, mas de medidas de responsabilização individual, mas isso depende muito dos povos e, neste momento, temos uma guerra que ainda agrava mais a situação. A responsabilização funcionaria se vivêssemos um dia a dia normal".

Quanto às análises que se fazem sobre se vamos viver mais ondas, Santos Rosa é categórico. "Podemos vir a viver mais ondas, os casos podem aumentar, mas é muito difícil perceber o que vai acontecer".

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