Menos consumo de antibióticos e de resistência das bactérias, mais infeções hospitalares em 2020

No primeiro ano da pandemia, o uso de antibióticos na comunidade reduziu em 23%, mas nos hospitais, o estado grave dos doentes fez aumentar este consumo ligeiramente. O mesmo aconteceu em relação à incidência das infeções hospitalares, que vinham a reduzir desde 2015. Contudo, o balanço dos últimos anos, e segundo referiu ao DN o coordenador do Programa de Prevenção e Controlo de Infeções e Resistências aos Antimicrobianos (PPCIRA), cujo último relatório, já com os dados de 2020, é hoje divulgado, "é muito positivo", porque há 10 anos Portugal era dos piores da UE nestas áreas.
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Hoje é o Dia Mundial da Higiene das Mãos. Ou seja, é o dia em que assinala um procedimento basilar através do qual se previne as infeções hospitalares e, por consequência, o consumo de antibióticos e a resistência às bactérias. E neste dia, precisamente, ficamos a saber que Portugal conseguiu mudar uma das realidades que envergonhavam o país na área da Saúde. Como recorda o coordenador do Programa de Prevenção e Controlo de Infeções e de Resistências aos Antimicrobianos (PPCIRA), da Direção Geral da Saúde, o médico José Artur Paiva, "em 2009 éramos dos países da União Europeia com uma das taxas mais altas de infeção hospitalar e de consumo de antibióticos; hoje, podemos dizer que o percurso que fizemos foi muito positivo, pois conseguimos reduzir significativamente as infeções, o consumo de antibióticos e até as resistências a cinco bactérias".

A prová-lo estão os dados recolhidos e analisados no Relatório Anual, com dados até 31 de dezembro de 2020, que hoje é divulgado. "Houve uma franca descida de consumo de antibióticos à escala europeia a nível de ambulatório ou da comunidade, através da compra nas farmácias, mas a descida registada em Portugal ainda foi mais significativa. Só no de 2020, em relação a 2019, foi de 23 %", referiu ao DN o coordenador do PPCIRA, sublinhando mesmo que a redução alcançada no consumo de um dos antibióticos mais associado à resistência das bactérias, e ao qual a monitorização do programa presta mais atenção, as quinolonas, foi da ordem dos 69%, entre 2014 e 2020. "É um resultado espetacular. Há 10 anos, Portugal era dos países que mais consumia quinolonas, agora já não e, a nível geral, no que toca ao consumo de antibióticos na comunidade está abaixo da média europeia", destacou.

Segundo os dados que constam neste relatório , o consumo de antibióticos no meio hospitalar também seguiu a mesma tendência de descida entre 2011 e 2019, mantendo-se estável e abaixo da média europeia durante estes anos. "O que é uma boa notícia", comenta José Artur Paiva, mas registou um revés em 2020.

"Por razões óbvias", argumenta ao DN. "Portugal reduziu, entre 2011 e 2019, o consumo de antibiótico nos hospitais da classe mais potente, os carbapenémicos, a chamada classe de largo espetro, mas a covid-19 veio provocar um ligeiro aumento no uso deste tipo de antibiótico. Porquê? Porque os doentes internados estavam em estado muito crítico, grave, e tiveram de ser tratados desta forma", explica.

Ou seja, a nível global Portugal conseguiu reduzir o consumo de antibióticos na comunidade, ficando abaixo do consumo médio da UE, entre 2015 e 2020, sendo esta redução, de 2019 para 2020, muito significativa, 23%. A nível hospitalar a descida no consumo de antibióticos também foi significativa entre 2015 e 2019, mas em 2020 registou um ligeiro aumento, precisamente pelo estado dos doentes internados.

Em relação à incidência de infeções em meio hospitalar, esta também diminuiu no período analisado, entre 2015 e 2019, nomeadamente infeções associadas a prótese do joelho, à cirurgia colorretal e da vesícula biliar, bem como pneumonias adquiridas em unidades de cuidados intensivos de adultos e neonatais.

No entanto, e segundo explica ao DN José Artur Paiva, a pandemia e o tratamento dos doentes em estado grave levou igualmente a um aumento "ligeiro" deste tipo de infeção nem 2020. Isto apesar de, neste ano, ter sido registado a maior adesão por parte dos profissionais às regras básicas de higienização e de prevenção de infeções no meio hospitalar.

Segundo o médico, "o ano de 2020, e muito devido à covid-19, foi o ano de maior adesão aos procedimentos de prevenção das infeções. Por exemplo, em relação à higienização das mãos, que é a pedra basilar das precauções do controlo da infeção, assistiu-se a uma subida progressiva no seu cumprimento: pela primeira vez tivemos uma taxa de higienização das mãos superior a 80%, foi de 83%, em relação ao ano anterior. No entanto, os doentes internados nos hospitais estavam em estado mais grave, tivemos mais doentes em cuidados intensivos, e isto fez com que as infeções hospitalares também aumentassem ligeiramente".

O coordenador do PPCIRA assume que a incidência das infeções hospitalares começou a reduzir desde que o programa fez uma série de recomendações de boas práticas. Em cinco anos, o país conseguiu mudar a realidade que o marcava, mas no primeiro ano de pandemia esta tendência foi cortada. O desafio agora é conseguir melhorar o que a covid-19 veio alterar.

No que toca à resistência das bactérias aos antibióticos, o relatório do PPCIRA também demonstra ter havido uma tendência decrescente, até desde 2013. "Monitorizámos a resistência a antibióticos de seis bactérias diferentes e de forma permanente. E, em cinco das seis, houve uma redução significativa da taxa de resistência. Só uma delas registou um aumento na resistência e este vai ser o grande desafio dos próximos anos", explica o coordenador José Artur Paiva, dando ainda como exemplo uma das bactérias muito conhecidas em Portugal: "Entre 2012 e 2020, a resistência do Estafilococos Áureos aos antibióticos, que era um problema grave no nosso país, passou de 54% para 30%". Outro exemplo, a bactéria Acinetobacter, reduziu a sua resistência de 79% para 17%, entre 2012 e 2020. E como estas, outras três bactérias fizeram o mesmo caminho".

Há só uma bactéria que está a fazer o caminho inverso, estando a revelar-se cada vez mais com um nível crescente de resistência, o que jás e tornou um problema à escala mundial. "É a Klebsiella, que, em Portugal, tem-se feito sentir de forma significativa. Está a ficar mais resistente aos antibióticos de uso hospitalar, de largo espetro, tendo a sua resistência aumentado de 2% para 12 %, entre 2012 2020".

Os resultados constantes do relatório anual do PPCIRA até ao ano de 2020 são positivos. Agora, e como diz o coordenador do programa nacional, "é preciso focarmo-nos no que estamos menos bem e no que deve ser melhorado, nomeadamente nos problemas que a covid-19 nos trouxe, como o aumento do consumo de antibióticos de largo espetro nos hospitais". Por isto mesmo, uma das primeiras preocupações "será a de reforçar o programa de apoio à prescrição de antibióticos em meio hospitalar, mas sem se descurar os cuidados de saúde primários".

A segunda preocupação será combater a resistência da Klebsiella; a terceira é fazer com que as boas práticas definidas no programa passem também a ser seguidas nas unidades de cuidados integrados, de forma a proteger os seus residentes, que, por norma, são pessoas mais debilitadas e mais frágeis. "Se conseguirmos reduzir as infeções nestas unidades também reduzimos o consumo de antibióticos", sublinha o médico.

Por último, e para um futuro diferente, há que apostar na "literacia do cidadão", há que apostar em ações de sensibilização e formas de fazer passar a mensagem, mesmo através dos mais novos. O PPCIRA, em parceria com a Direcção-Geral da Educação (DGE), começou a desenvolver um estudo sobre os hábitos de higiene das mãos dos alunos do 2.º e 3.º ciclos, e o que se verificou é que os inquiridos higienizavam as mãos ao chegar a casa. Ora se assim é, as crianças poderão ser o exemplo, junto de outras gerações, para que a mensagem da higienização das mãos seja interiorizada, permitindo reduzir ainda mais a incidência de infeções e do consumo de antibióticos, tanto a nóvel hospitalar como na comunidade.

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