Há alguns anos, Mahmud Darwish desabafou, numa entrevista ao New York Times: "Quando escrevo um poema sobre a minha mãe, os palestinianos pensam que a minha mãe é um símbolo da Palestina. Mas eu escrevo enquanto poeta e a minha mãe é a minha mãe, não é nenhum símbolo." Darwish foi a enterrar esta quarta-feira em Ramallah e os filhos da Palestina choraram-no como aquilo que, na realidade, ele é, para sempre independente da sua vontade: o poeta nacional de uma Pátria por haver..Quando morreu, há uma semana, o mundo mal o conhecia, apesar de o nome dele constar, nos últimos anos, como recorrente candidato ao Nobel da Literatura. Para os palestinianos, hoje desavindos, era, há muito, um símbolo do destino da sua nação: primeiro, em Israel (de onde os pais tinham sido expulsos); depois, no exílio (Cairo, Tunes, Beirute, Paris, Moscovo); enfim, em Ramallah, para onde voltou em 1995, pouco depois de Arafat, com quem se incompatibilizara por causa dos acordos de Oslo. No regresso, leu os seus poemas para multidões entusiasmadas.."A minha pátria é uma mala de viagem", escreveu num poema, retratando a vida errante a que as circunstâncias o tinham forçado. Poucos sabem que foi ele o autor do famoso discurso de Arafat na Assembleia Geral da ONU, em Novembro de 1974, aquele em que o líder palestiniano disse: "Vim com um ramo de oliveira e a arma de um combatente pela liberdade. Não deixem que o ramo de oliveira me caia da mão." Como foi ele que escreveu a Declaração de Independência, aprovada pela OLP em 1988..Nada disto era contraditório com a sua poesia. Em 1964, com 23 anos, escrevera Bilhete de Identidade, um dos poemas que o tornaram um símbolo, pelas boas e más razões. Expressava raiva e dor e muitos viram aí uma declaração de ódio a Israel , o que ele levou a vida inteira a desmentir, sem abdicar de uma única das razões para lutar. "Vivemos num país de palavras", escreveu num desses poemas em que evocava o paraíso perdido da infância (o "jardim adormecido", título do seu único livro publicado em Portugal, pela Campo das Letras), narrava a dureza do presente, mas também se interrogava: "O que faremos nós sem o exílio?".Era um grande poeta, para lá de todos os símbolos. No "país de pedras" que ele foi descrevendo do exílio, os seus versos são agora mais necessários do que nunca.