Medo da covid-19 e da crise. Um dia, estala-se os dedos. Fim

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Vamos ver como conseguimos gerir esta crise até à Páscoa. Nesse momento vai provavelmente gerar-se o maior confronto na sociedade: morrer de coronavírus ou morrer economicamente.

O mundo abanará com a divisão entre quem tem rendimento garantido pelo Estado e quererá manter o confinamento, e quem depende do trabalho de todos os dias e pretende retomar a sua vida, seja qual for o preço - porque supõe-se que 95% da população escapa à covid-19.

Esse confronto anunciado vai ser terrível. Sobretudo quando nos lembrarmos da forma fraterna como isto começou.

Só há uma alternativa para a sociedade não romper: os Estados despejarem dinheiro por todo o lado, alterando todos os critérios económicos que vigoraram até hoje. Com isso vão então pulverizar-se os velhos tetos de dívida pública, défice, inflação/deflação, valor dos juros, avaliações de ativos, etc..

Uma multidão gigantesca de desempregados surgirá no horizonte. Não será provavelmente por sacanice da maioria dos patrões: é porque não haverá dinheiro. Nenhum. Não sobrará nada. Eles próprios, "patrões" (micro ou médios), hipotecados e desempregados.

De repente, o valor das coisas mudará: uma casa ou um carro usado vai passar, em meses, a valer metade do que valia porque milhões de pessoas estarão exauridas e sem crédito - à exceção de quem enriqueceu com a crise a vender máscaras e outras coisas que tais. (E a riqueza concentrar-se-á ainda mais na banca, nos especuladores e nas poucas centenas de multimilionários dos negócios que sobreviverem a isto).

Lembram-se quando na década de 30, após a Primeira Guerra Mundial, o banco central alemão imprimiu notas atrás de notas numa economia sem capacidade de gerar riqueza? Os preços subiram alucinadamente. Sacos e sacos de dinheiro eram necessários para comprar simples alimentação. A disrupção era total. Surgiu Hitler. Nós já temos Trump. Mas as coisas podem sempre piorar em todo o lado.

Os estados de emergência pedirão, obviamente, cada vez mais força policial em cada país, porque as pessoas, com o tempo, terão a "tampa" a saltar-lhes. Contra a loucura de ir à praia ou ao jardim, ainda que sozinhas. Prendam-se!, gritarão nas televisões os denunciantes, como já fazem hoje.

Saudade dos tempos dos ditadores? Sejam bem-vindos. A China estancou o coronavírus à bruta. Quem pode achar mal? Vence, portanto, a ideia do Estado repressor. Mais: se os chineses inventarem a vacina (ou Trump salvar os norte-americanos com a sua vacina exclusiva) esqueçam as democracias.

Sim, o Apocalipse não é afinal um meteoro vindo do céu. É um microscópico invasor que tomou conta do mundo - já para não falar dos gafanhotos em África ou do recente fogo australiano.

O filósofo José Gil lembrou esta semana no Público que a covid-19 é um desastre ambiental. Trata-se de um ponto essencial nesta história. O coronavírus surgiu no mercado de animais selvagens de Wuhan, na China, onde répteis, morcegos, pangolins, etc., vivem em jaulas sobrepostas. Os vírus transferem-se entre espécies e chegam aos humanos que dormem nos próprios mercados. Assim surgiu o coronavírus.

Esta falta de sentido ético na relação com a Natureza não se corrigirá nunca. Já foi em Wuhan que surgiu a gripe das aves em 2002. Ora, o Estado chinês decidiu finalmente fechar aquele mercado para todo o sempre? Claro que não. Está suspenso para já, como tudo em Wuhan.

O ser humano continua sem saber qual o seu papel no planeta. Conseguiremos evitar a resposta da Natureza quanto ao excesso de emissões de carbono, devastação de florestas e destruição dos lençóis freáticos que nos dão a beber água pura? Claro que não.

Sabemos apenas gerir o mundo por objetivos políticos e económicos. Por exemplo, confinar pessoas com 70 anos ao domicílio indefinidamente, contra sua vontade, será uma condenação brutal. Para já, com todos nós por perto, muito bem. Mas, e depois? Haverá pessoas dessa idade a não quererem ficar para todo o sempre entre quatro paredes. Terão direito a escolher?

Defendi aqui, na semana passada, a paragem organizada da Europa até à Páscoa. Mas hoje é já o mundo que começa a ficar suspenso. Como mostra a The Economist desta semana na capa, o globo terrestre tem dependurada a placa "Closed". Vamos então a isso. Mas segurem-se. Um mundo em prisão domiciliária por demasiado tempo só pode dar mau resultado. A corrida às armas na América não é uma excentricidade de rodapé nas notícias.

Obviamente, mais tarde ou mais cedo a ciência vencerá. Mas será antes disso que um dia, com um estalar de dedos, o confinamento termina, numa espécie de loucura de libertação coletiva. Nessa altura centenas de milhões estarão saudáveis, sem corona. Mas já sem vida económica.

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