Medina prevê despesa de 300 milhões com restos de bancos falidos, mais do que pede o Novo Banco
A nova proposta de Orçamento do Estado para 2022 (OE2022) contempla cerca de 300 milhões de euros em despesa pública relativa a restos de bancos privados falidos pelos quais o Estado (as Finanças) assumiu responsabilidade. São os quase eternos veículos que restam do antigo Banif e do BPN.
É mais do que os 209 milhões que o Novo Banco (NB) quer pedir ao Fundo de Resolução e que, por esta via, poderia agravar mais as contas públicas. O ministro das Finanças, Fernando Medina, garantiu já que o seu OE não contempla tal verba.
Ou, por exemplo, bem mais do que os 210 milhões de euros previstos para o alívio do IRS (despesa fiscal) que aparece no novo plano orçamental para este ano do governo de maioria absoluta PS.
Já sobre o valor orçamentado em causa para os tais "restos" de outros bancos privados que faliram há anos, as Finanças dizem que isso está integralmente coberto por "receitas próprias" dos respetivos veículos financeiros (entidades que carregam créditos difíceis de cobrar, imobiliário e outros ativos que continuam por vender, etc.).
Ou seja, é uma forma de fazer com que a referida despesa não gere défice, teoricamente falando.
Tem sido assim nos últimos anos. As receitas propostas cobrem sempre as despesas no desenho formal do OE.
Mas, como provam os sucessivos pareceres do Tribunal de Contas (TdC), no final de cada ano, acaba por haver sempre prejuízo efetivo para os contribuintes. As receitas previstas nunca cobrem as respetivas despesas públicas.
Volvidos seis meses sobre a primeira tentativa de OE2022, o governo mexeu apenas milimetricamente na previsão de despesa com estas entidades.
Na proposta de outubro, chumbada por toda a oposição, as Finanças previam gastos de 295 milhões de euros com sete sociedades financeiras. Quatro ligadas ao Banif, três ao BPN.
Na nova versão orçamental, apresentada na passada quarta-feira, o valor passa a 294 milhões de euros porque um dos veículos, o Banif SA (despesa de um milhão de euros), deixa de constar, indicam dados oficiais dos mapas sobre desenvolvimentos orçamentais disponibilizados pela Direção-Geral do Orçamento (DGO), tutelada pelo ministro Fernando Medina.
Seja como for, é mais do que o novo apoio pedido pelo Novo Banco ao Fundo de Resolução (FdR) este ano. Fernando Medina garantiu que tal verba não está prevista no novo OE.
"Não, não está prevista nenhuma transferência para o Novo Banco", afirmou o ministro na conferência de imprensa de apresentação do OE2022.
"Tomámos boa nota daquilo que o Fundo de Resolução transmitiu sobre o assunto", assim como das "palavras do governador do Banco de Portugal".
"Ficamos naturalmente satisfeitos por não irmos fazer nenhum novo pagamento relativamente ao dossiê do Novo Banco", garantiu Medina.
O Novo Banco anunciou no início de março de que tenciona pedir mais uma injeção de capital no valor de 209 milhões de euros relativa às contas de 2021.
Argumentou que a necessidade decorre do "impacto do novo regime de contabilidade e, sobretudo, de uma contingência relacionada com tributação dos seus imóveis".
Apesar de o Estado não emprestar diretamente o dinheiro ao Fundo de Resolução (são os bancos que emprestam, CGD incluída), esta entidade está incluída no perímetro da consolidação orçamental.
Se, por hipótese, ocorrer mais algum pagamento ao Novo Banco, seja em que moldes for, ele agrava o défice ou a dívida. Ou ambos. São assim as regras do Instituto Nacional de Estatística e do Eurostat. Mesmo que o Estado não liberte dinheiro para tal.
Despesa com bancos falidos: uma reedição
O grosso da despesa com todos os restantes veículos financeiros do BPN e do Banif é novamente reeditado, agora, em abril.
Neste caso, esses gastos são um risco direto para o défice se as receitas próprias previstas não se concretizarem.
No universo Banif, os contribuintes ainda são chamados a despender um total de 177 milhões de euros em 2022.
A Oitante beneficia de uma autorização de despesa de 146,6 milhões de euros, a maior de todos os seis veículos ainda ativos. Para a Banif Imobiliária estão dedicados 28,7 milhões de euros. Para a WIL - Projetos Turísticos ainda sobram 1,7 milhões de euros.
No caso do defunto BPN, o OE continua a acomodar as conhecidas três sociedades "par".
A Parparticipadas está acautelada com 33 milhões de euros na despesa pública. A Parvalorem lidera com 67,5 milhões no OE. A Parups conta com 16,4 milhões de euros.
Prejuízos sempre
Ano após ano, os bancos privados vão carregando no erário público. No começo da grande crise financeira, o apoio do Estado avançou em nome da estabilidade financeira. Anos depois, até agora, o amparo público é a resposta ao legado dos antigos bancos que ninguém quis comprar.
Apenas o Tribunal de Contas faz a conta ao prejuízo. No último parecer à Conta Geral do Estado, o balanço contém cifras impressionantes. O balanço oficial é feito entre 2008 e 2020. É o mais recente possível.
O BES/Novo Banco, que era uma instituição bancária de grande relevância, lidera. Custou cerca de 7,9 mil milhões de euros ao Orçamento do Estado nestes 13 anos analisados.
Muito mais pequeno do que o BES, o BPN é o mais destrutivo, em proporção, para as contas públicas: até agora, já consumiu 6,3 mil milhões de euros.
Logo a seguir, o Banif. O prejuízo acumulado do banco sediado na Madeira já vai em 3 mil milhões de euros.
Como despesa inscrita no OE, as contas dos universos BPN e Banif continuam por encerrar.
NB: fora do OE, dentro da História orçamental
Os apoios ao NB podem não estar no Orçamento atual, mas estão no histórico do erário público em grande peso.
Até 2020, o Estado emprestava dinheiro diretamente ao Fundo de Resolução acautelando no OE "despesa em transferências de capital (despesa efetiva)" para o efeito.
Como referido, até ao final de 2020, tudo somado, o BES/Novo Banco custou quase oito mil milhões de euros aos contribuintes, segundo o Tribunal de Contas.
Ora, esse tempo das transferências diretas iria acabar em 2021. A oposição de esquerda ameaçou chumbar o OE2021 (debatido no final de 2020) se isso voltasse a acontecer.
O PS tentou até ao fim meter no OE2021 uma dotação financeira de 429 milhões de euros para transferir tendo como destino final o Novo Banco, mas o Parlamento vetou essa medida. O PSD também votou contra na altura. O PS não teve votos suficientes para contrariar a pretensão do então ministro das Finanças, João Leão, e do governo de António Costa.
Como referido, no final de 2020, o Orçamento de 2021 ficou preso por um fio, mostrando que a geringonça de esquerda estava mesmo a acabar, desta feita devido ao problema do Novo Banco.
Na altura, uma maioria parlamentar (BE, PSD, PCP e PAN) bloqueou a dotação de despesa para poder injetar mais dinheiro banco (via Fundo de Resolução).
Quando isso aconteceu, o ministro João Leão avisou logo: o Estado é uma "pessoa de bem" e vai cumprir o contrato que assinou, dê lá por onde der.
E assim foi. Mesmo chumbado pelo Parlamento, em junho de 2021, o Novo Banco recebeu a primeira parte da ajuda (317 milhões de euros) e na reta final desse ano, o resto que estava em dúvida e em análise, mais 112 milhões de euros. Total: os 429 milhões previamente acordados.
O dinheiro foi angariado com recurso a um sindicato bancário (empréstimo dos outros bancos no mercado, CGD incluída), mas depois foi vertido no Fundo de Resolução (uma entidade pública, logo que conta para a despesa) que depois passou os milhões para o Novo Banco.
Para contornar a lei do Orçamento (que não tinha o dinheiro previsto), a Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO), que é coordenada por Rui Nuno Baleiras e trabalha junto da Assembleia da República (AR), explica que foi encontrado um esquema contabilístico "alternativo" que as Finanças usaram para superar o bloqueio que o Parlamento impôs em novembro de 2020.
"O Ministério das Finanças procedeu à reclassificação contabilística" das despesas relativas ao Novo Banco, "passando de despesa em ativos financeiros (despesa não efetiva) para despesa em transferências de capital (despesa efetiva), dando sequência à recomendação do Tribunal de Contas", descreve a UTAO.
"Para consumar a capitalização, registou-se a despesa como transferência de capital, sendo a dotação total do Fundo em despesa efetiva reforçada no montante necessário para a acomodar, através da realização de alterações orçamentais da competência do governo (basicamente, compensando a elevação desse teto reduzindo o de outras entidades colocadas no mesmo programa orçamental (o das Finanças)", acrescenta a UTAO.
"Desta forma, o governo respeitou a recomendação do Tribunal de Contas e encontrou um processo contabilístico alternativo ao reprovado pelo Parlamento para efetuar a capitalização pública do banco", refere a entidade coordenada por Rui Baleiras.
O mesmo expediente terá sido usado com os 112 milhões de euros remanescentes que o NB reclamava ao Fundo de Resolução no final do ano passado.
Uma vez mais, o Parlamento não seria tido, nem achado. Aliás, foi feito sem ser necessário haver um Parlamento para estes milhões acontecerem. A Assembleia já estava dissolvida na altura.
jornalista do Dinheiro Vivo