Médicos de família passam dia a explicar que baixa e alta já não são precisas

As regras de isolamento e de vigilância mudaram no início do mês. Os médicos de família deixaram de fazer o Trace Covid-19, a plataforma de registo diário de doentes e o seu acompanhamento, e estão mais libertos. Mesmo assim, ainda há profissionais que passam o dia a responder a dúvidas de utentes e patrões.
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Há muito que os médicos de família pediam ao Ministério da Saúde que definisse estratégias e que aplicasse medidas que os libertasse de funções que não fossem clínicas. O argumento era o de que os procedimentos burocráticos no acompanhamento e vigilância diária de doentes com covid-19 lhes tomava tempo que poderia ser dirigido para a assistência aos doentes sem covid. No início de janeiro, e já com o país a atingir mais de 20 mil casos diários, essa reivindicação foi atendida e a Norma 15/2020, emitida pela Direção-Geral da Saúde (DGS), sobre isolamento, acompanhamento da doença e perfil de contactos de risco, atualizada.

As novas regras emitidas vieram assim libertar os médicos de família de algumas tarefas, nomeadamente do Trace Covid, plataforma de registo e de acompanhamento diário de todos os doentes, quer assintomáticos, com sintomas ligeiros ou graves. Mas, quase duas semanas depois de as novas regras terem entrado em vigor, no dia 7 de janeiro, o presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar (APMGF) diz ao DN que "as dúvidas dos utentes e das entidades patronais continuam a ser muitas, portanto muitos colegas ainda passam o dia a ter de responder e a explicar o que está em vigor e o que devem fazer".

Muitos utentes, sobretudo os que testam positivo à covid-19 e que estão assintomáticas ou com sintomas ligeiros, ainda estranham que, de acordo com as novas regras, não necessitem de vigilância médica e que sejam eles próprios a terem que realizar a automonitorização dos sintomas durante sete dias. Estranham ainda mais quando lhes é indicado não ser necessário um teste negativo para o regresso ao trabalho ou à escola. Mas, agora, é esta a forma de lidar com a doença, não só em Portugal mas já em muitos países e de maneira a aliviar os profissionais de saúde tendo em conta o número de novos casos que estão a ser registados, devido à nova variante Ómicron.

Nuno Jacinto, da APMGF, justifica: "As pessoas estavam habituadas há quase dois anos a ficarem todas em vigilância e a terem de entregar às entidades patronais declarações de isolamento, baixa médica para esses dias e a ter de receber ordem de alta. E isso já não é necessário".

Só que ainda "há muitos utentes que não sabem o que fazer e andam de um lado para o outro à procura de informação para conseguir esses documentos e entidades patronais que continuam a exigir declarações de baixa e de alta para a pessoa regressar ao trabalho". Portanto, argumenta, "ainda há uma mensagem importante a passar à população sobre as novas regras".

Ou seja, as mudanças aprovadas no início do mês vieram tornar o processo mais automatizado e a declaração que a pessoa infetada recebe por SMS, depois de testar positivo e de o resultado ter sido registado no sistema informático da saúde, é a que tem valor legal para tudo.

Como explica o médico, "a última atualização da norma da DGS trouxe várias alterações importantes nas tarefas que ocupavam ao máximo as funções de um médico de família". "Desde logo, a de ter colocado de lado a obrigatoriedade de se ter de acompanhar diariamente os doentes assintomáticos ou com sintomas ligeiros. A esmagadora maioria destes doentes tinha quadros clínicos limitados, que passavam ao fim de poucos dias sem ser preciso qualquer acompanhamento de um profissional de saúde. O que estas pessoas precisavam era de procedimentos administrativos e burocráticos, os quais, e sempre o dissemos, não tinham de ser passados pelo médico de família", sublinha.

Na verdade, desde o início da pandemia que era pedido a cada infetado uma declaração de isolamento e baixa médica para esses dias, e ainda, no final, um teste negativo e a declaração de alta da saúde para poder regressar ao trabalho, à escola, etc.

Nuno Jacinto acrescenta: "Estes documentos eram necessários não só para as pessoas que testavam positivo, mas também para as que tinham sintomas e ficavam isoladas à espera do resultado do teste PCR. Portanto, para quem testava positivo tínhamos de passar baixa desde o dia do primeiro sintoma ou do diagnóstico e a alta só era emitida depois de receberem um telefonema de um profissional de saúde a dizer que podiam sair de isolamento."

Agora, estes documentos já não são necessários, precisamente porque a esmagadora maioria dos doentes deixou de estar em vigilância médica, porque não tem sintomas ou se os tem são ligeiros. Agora, sublinha, "em vez da declaração de isolamento profilático passou a existir uma declaração de isolamento, que é emitida automaticamente pela Linha SNS24, após a notificação de um resultado positivo, quer através de um teste de antigénio, feito nas farmácias ou em laboratórios, ou PCR".

Segundo refere o médico, após a notificação do caso, a pessoa infetada deve receber um SMS nas 24 ou 48 horas seguintes com informação vária e com a declaração de isolamento que justificará as faltas ao trabalho ou à escola e que deve ser entregue à entidade patronal, para que esta, depois, comunique à Segurança Social os dias de isolamento do trabalhador para lhes sejam pagos.

Até agora, sublinha, muitos utentes e entidades patronais ainda não perceberam esta alteração. "Acredito que as entidades patronais não tenham sido avisadas em tempo útil, porque não faz sentido continuarem a exigir declarações de baixas e altas".

As novas regras impõem: "Se à pessoa infetada for dada a indicação de que vai ficar em autocuidados no domicílio, e se não tiver agravamento dos sintomas, fica em isolamento sete dias, a contar do dia 1, que pode ser o dia do teste positivo ou aquele em que começou a ter sintomas. Ao oitavo dia, vai trabalhar, sem necessidade de alta ou de teste negativo, porque ainda há grande probabilidade de dar positivo, embora a pessoa já não esteja em fase de contagiar", esclarece Nuno Jacinto.

Ao fim de duas semanas as dúvidas e preocupações de quem testa positivo continuam a marcar as tarefas diárias em algumas unidades de saúde, mas Nuno Jacinto admite: "É inegável que o volume de trabalho com a covid-19 é menor". E dá um exemplo: "Até há uma semana, a nossa tarefa era seguir todos os doentes positivos independentemente de terem ou não sintomas, seguir todos os doentes suspeitos com sintomas, fossem ou não contactos de alto risco e estivessem à espera de realização do teste de confirmação. Havia médicos que tinham 30, 40, 50 e até mais telefonemas para fazer por dia, o que era incomportável".

Esta era a rotina numa unidade em que a maioria dos doentes tinha médico de família atribuído. Já nas unidades com muitos utentes sem médico de família, "as equipas ainda tinham de se organizar para que, de forma rotativa, telefonassem a todos. Em muitos dias isto era impossível".

O Trace Covid era uma sobrecarga de trabalho gigantesca e "não se conseguia chegar a toda a gente", mas, hoje, apesar das dúvidas, a realidade começa a ser diferente em muitas unidades, sobretudo nas que não têm tantos casos de infeção. "Temos muito menos doentes em vigilância. Há uma semana, havia colegas com 40 doentes e mais em vigilância, hoje têm zero. É exatamente o contrário".

Mais uns tempos, e diz, "esperamos poder fazer o que sempre dissemos que deveríamos estar a fazer, que era a observar também os doentes sem covid". Por agora, sublinha, há mais uma dificuldade a ultrapassar: "Ainda há muitos profissionais dos cuidados primários espalhados pelos centros de vacinação e pelas ADR (Áreas Dedicadas a doentes Respiratórios) que são necessários nas suas unidades. As novas regras são positivas, a sua aplicação é que ainda não está perfeita".

1 - Autoteste

Quem testa positivo por autoteste tem de confirmar esse resultado com um teste profissional de antigénio, em farmácias e em laboratórios, ou PCR. É a forma de o resultado ser seguro e de o doente entrar automaticamente no sistema de registo da saúde. O resultado positivo será notificado pela entidade que o fez.

2 - Declarações

A partir do momento que o resultado positivo entra no sistema, o doente receberá um SMS em 24 ou 48 horas com o formulário de apoio ao inquérito epidemiológico, informação relativa à declaração de isolamento e o folheto de recomendações e medidas a observar. A declaração de isolamento é agora o único documento com valor legal para justificar faltas ao trabalho ou à escola e para a alta, findo esse período. No caso de o infetado ser trabalhador por conta de outrem é esta declaração que a entidade patronal tem de entregar à Segurança Social para que esses dias sejam pagos.

3 - Sintomas

As pessoas positivas, mas assintomáticas, sem sintomas, ou com sintomas ligeiros, ficam em isolamento sete dias e a fazer automonitorização dos sintomas. Só serão encaminhadas para vigilância e avaliação clínica presencial nas áreas dedicadas nos cuidados de saúde primários, as pessoas que têm sintomas moderados, febre persistente, pieira ou tosse persistente, com obesidade ou doença crónica compensada. Por outro lado, as pessoas com sintomas suspeitos de SARS-CoV-2 mas com teste negativo de antigénio ou PCR negativo, deixam de estar em isolamento, exceto se forem contacto de alto risco de um infetado. Os doentes que registem alterações nos sintomas, falta de ar, dor no peito ou febre, devem reportar à Linha SNS24 ou médico de família.

No atual contexto, é o infetado que tem de declarar no formulário que lhe é enviado, quem são os contactos de risco, sendo que deve ser dada prioridade aos que com ele coabitam. Os contactos de alto risco ficam em isolamento sete dias e devem fazer teste ao 3.º e ao 7.º dia. Este último tem como objetivo o fim do isolamento profilático. Já os restantes contactos são aconselhados a fazer apenas um teste o mais cedo possível, idealmente até ao 3.º dia.

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