Medicamento provocou malformações em mais de 4000 crianças
O valproato, também conhecido como ácido valpróico, usado como estabilizador de humor e anticonvulsionante para tratar casos de epilepsia, foi responsável por malformações graves em milhares de crianças em França desde que começou a ser comercializado, em 1967. Segundo a autoridade para o medicamento francesa, deverão ter sido afetados entre 2150 a 4100 recém-nascidos.
Mulheres grávidas que tomem este fármaco têm quatro vezes mais probabilidades de terem filhos com malformações congénitas, concluiu um estudo conjunto da agência nacional francesa para a segurança dos medicamentos e da gabinete nacional dos seguros de saúde.
O valproato é vendido em França pela farmacêutica Sanofi, com o nome Depakine, mas o genérico também está disponível. Também pode ser usado no tratamento de transtornos bipolares e, nesse caso, chama-se Depakote e Depamide.
Em Portugal, o valproato está presente em medicamentos como o Depakine Chrono - para a perturbação bipolar -, no Diplexil - para o tratamento da epilepsia - e em vários genéricos.
O Infarmed esclareceu ao DN que estes medicamentos nunca foram retirados pois "continuam a ter benefícios que superam os riscos, não se colocando questões de segurança adicionais, desde que sejam tomados de acordo com as indicações aprovadas e segundo prescrição médica".
Já em 2016, a Agência Portuguesa do Medicamento (Infarmed), alertava para a possibilidade de o Valproato causar malformações congénitas.
Aliás, no resumo das caraterísticas do medicamento consta o seguinte alerta: "Atenção - Valproato pode causar malformações congénitas e alterações no desenvolvimento precoce da criança se for tomado durante a gravidez. Se é uma mulher em idade fértil deve usar um método contracetivo eficaz durante o seu tratamento. Informe imediatamente o seu médico se ficar grávida ou pensa que pode estar grávida".
"O estudo confirma a alta natureza teratogénica [ou seja, capaz de causar malformações congénitas] "do valproato", afirmou Mahmoud Zureik, diretor científico do organismo francês que controla a segurança dos medicamentos e coautor do estudo.
Zureik afirmou numa entrevista à AFP que o número de malformações graves provocadas por este medicamento "é muito elevado" e incluem espinha bífida - quando a espinal medula não se forma corretamente -, problemas cardíacos e nos órgãos genitais.
Há ainda o risco de os fetos expostos a estes medicamentos poderem vir a ter autismo e problemas de desenvolvimento, mas esta questão será abordada apenas no próximo estudo sobre o valproato sódico.
O estudo agora divulgado explica que, entre 1967 e 2016, ocorreram entre 64,100 e 100,000 gravidezes na França e delas resultaram entre 41,200 e 75,300 nascimentos. A maioria das crianças que nasceu com defeitos congénitos era de mães que estavam em tratamentos para a epilepsia.
A partir de 1970, o valproato começou a ser receitado também a pessoas que sofriam de transtorno bipolar. As mulheres bipolares que tomavam este medicamento passaram então a ter o dobro da probabilidade de ter filhos com malformações à nascença.
Zureik explicou que as mulheres bipolares tinham menos probabilidades de ter filhos com malformações do que as mulheres com epilepsia porque os médicos paravam de receitar valproato às doentes bipolares logo no início da gravidez. "O risco de malformação severa está limitado aos primeiros dois trimestres de gravidez", explicou Alain Weil, investigador do gabinete nacional dos seguros de saúde e coautor do estudo.
O risco de malformações associado ao medicamento é conhecido desde os anos 1980, especialmente nos casos de espinha bífida. Este defeito congénito é 20 vezes mais frequente em crianças expostas ao valproato.
O medicamento ainda pode ser receitado a mulheres grávidas em tratamento para a epilepsia, quando os outros medicamentos não surtirem efeito.
Pais e familiares das crianças afetadas já agiram judicialmente contra a Sanofi, alegando que não foram avisados dos riscos do medicamento. Acusam ainda o Estado francês por não agir, quando se sabe que o valproato é prejudicial desde 1980.
Em Portugal, o valproato continua a ser vendido para o tratamento da epilepsia e transtorno bipolar, sendo recomendada maior atenção com a ingestão do medicamento durante a gravidez e idade fértil das mulheres, confirmou o Infarmed.
[Notícia atualizada às 10 horas de 21 de abril: acrescentada a resposta do Infarmed]