McCain: o primeiro a mostrar-nos Trump

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Ele era um herói americano. Daqueles que um episódio define, ou ilustra, ou redime. Um episódio. Um, definitivo. Sim, porque uma vida conta-se em romance russo, longo e contraditório - em Um Herói do Nosso Tempo, de Mikhail Lermontov, o oficial Petchorin é cínico, niilista e melancólico; em Crime e Castigo, de Dostoiévski, o jovem Raskólnikov é por ideais que mata gratuitamente uma velha; e em Anna Karenina, de Tolstói, a heroína é insegura, apaixonada e arrependida. Os romances russos precisam de muitas páginas porque mesmo em Um Dia na Vida de Ivan Denissovitch, de Soljenítsin, a história de um prisioneiro e um pão, ou falta dele, é a história dos homens.

Mas John McCain era um herói americano. Tinha na sua vida um daqueles episódios de que Hollywood precisa para à saída do filme se dizer: ele foi aquele que. Que: aquele episódio. Enquadro-o em meio parágrafo. Na Guerra do Vietname, o jato de McCain foi abatido sobre Hanói, ele foi preso e torturado. Os norte-vietnamitas souberam que ele era filho de um almirante e quiseram soltá-lo para fazerem uma operação de propaganda.

E o episódio, propriamente dito, conto-o em três palavras: ele disse não.

John McCain estava, claro, ansioso por ser libertado. Tinha sido agredido pelos populares quando o avião caiu e torturado nas prisões. Mas quando lhe anunciaram a liberdade perguntou se era o preso mais antigo. Não era. "Então não, espero a minha vez", disse. Só foi libertado cinco anos depois, já nos finais da guerra, cheio de mazelas no corpo.

Bom, do oficial Petchorin, de Raskólnikov, Anna Karenina e Ivan Denissovitch podemos saber muito, termos muitas opiniões e divergentes. Mas o episódio de John McCain só pode levar à admiração. Admiração, ponto. Pois essa unanimidade leva-nos a um segundo episódio que envolve McCain, mas em que ele é mero pretexto.

Ainda antes das primárias republicanas para as eleições de 2016, o candidato novato Donald Trump disse do velho senador John McCain que ele era um cobarde. E justificou: "Não gosto dos que se deixam capturar." De facto, o piloto depois do jato cair foi capturado... O que nunca poderia ter acontecido a Trump, filho de milionário que pretextou uma falsa doença numa perna para se livrar de ser convocado para a tropa.

Que nos sirva para memória passada: foi dizendo uma mentira evidente, flagrante e inequívoca sobre um episódio luminoso que Donald Trump se nos apresentou tal como ele é, um canalha. Aqui se lembra, no dia em que morreu um herói americano.

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