A ideia consolidou-se em 1992 e foi uma espécie de "segredo" entre Marques Mendes e Cavaco Silva. A RTP Internacional nasceu sem ir a Conselho de Ministros e em 1995 já era o décimo canal internacional de televisão no mundo inteiro com cobertura universal. O antigo ministro adjunto, que foi o "pai" da RTPi, conta toda a história no livro Afirmar Portugal no Mundo, que lançará no dia 12 de dezembro. O antigo líder do PSD desafia agora RTP, SIC e TVI para que se unam e criem uma TV Portugal..Na obra, que tem prefácio de Marcelo Rebelo de Sousa e posfácio de outros dois ex-presidentes da República, Cavaco Silva e Jorge Sampaio, Marques Mendes conta como, em 1992, apresentou a ideia ao primeiro-ministro de então, Cavaco Silva, de uma televisão que servisse as comunidades portuguesas, cumprisse a lusofonia e difundisse a língua portuguesa.."Cavaco reagiu como sempre foi seu hábito. Ouvindo com grande atenção, fazendo várias perguntas, mostrando-se serenamente interessado, escrutinando de forma particular as questões financeiras", escreve o atual comentador político e conselheiro de Estado. E eis que para "choque" de Marques Mendes, o líder do governo decide avançar mas sem levar o projeto a Conselho de Ministros. E porquê? Porque Cavaco suspeitava que o então ministro das Finanças colocasse entraves financeiros à sua concretização. "E pensando, esta foi, provavelmente, a chave do sucesso.".E a RTPi começou mesmo a emitir a 10 de junho de 1992. Foi em Macau que Marques Mendes assistiu à primeira emissão na residência do então governador Rocha Vieira. "Foi uma emoção forte, um nó na garganta, uma lágrima mal contida, uma alegria imensa. Todos em volta daquele ecrã, sentiam um grande orgulho: o orgulho de quem ouve o hino nacional a milhares de quilómetros de distância da pátria-mãe.".As emissões chegaram, por esta ordem aos PALOP, a Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Angola, Moçambique, Guiné-Bissau e Timor. Marques Mendes sublinha que de todas as coisas que defendeu na sua vida política, a RTPi foi a única que não gerou polémica. "Neste caso o consenso político foi fácil, foi genuíno e foi duradouro.".É talvez por isso, mas não só por isso, que lança agora o desafio de um novo salto para a RTPi. O antigo líder do PSD propõe a sua transformação numa "espécie de TV Portugal", um canal de televisão único, em vez dos três canais de internacionais atualmente existentes, liderados por uma "empresa nova e autónoma" com a participação dos três operadores generalista de televisão - a RTP, a SIC e a TVI. O que, na sua opinião, a dotaria de "meios mais avultados para investir em produção própria de grande qualidade"..Consensos e a qualidade na política.Marques Mendes realça na introdução do seu livro que uma das marcas fundadoras da RTPi foi precisamente o consenso político que se gerou em torno do projeto. E desta ideia faz um breve retrato do que é o país hoje em termos políticos e o que precisa evoluir.."Portugal é, nos últimos anos, um país politicamente mais crispado. É fácil divergir, é difícil convergir", diz e acrescenta: "Um dirigente político, hoje, acha que firmar um acordo com o seu adversário é exibir um sinal de fraqueza." É isso, afirma ainda, "que desvaloriza a vida política, que desqualifica os responsáveis políticos e inviabiliza os consensos políticos que a democracia pressupõe e que o país precisa"..Mendes rejeita, no entanto, os "blocos centrais", mas defende os "consensos, pelo menos entre quem governa e quem aspira a ser governo". Para chegar aqui, são precisos decisores políticos competentes e de qualidade. "E a verdade é que o nosso sistema eleitoral, por um lado, e o atrofiamento dos partidos, por outro, fizeram que, nos últimos anos, o primado do mérito praticamente desaparecesse dos critérios de seleção dos protagonistas políticos.".Olhar dos presidentes.O antigo líder do PSD conseguiu reunir nesta obra o olhar do atual Presidente da República e de dois antecessores, Cavaco Silva e Jorge Sampaio..No prefácio, Marcelo Rebelo de Sousa elogia a criação de Marques Mendes e o serviço que a RTPi tem prestado às comunidades portuguesas pelo mundo, mas sublinha também que é "tarefa urgente" reformular o que nasceu em tempos diversos e que já mereceu adaptação de percurso. A que Jorge Sampaio, o antigo presidente socialista, acrescenta que a RTPi não pode ignorar as tendências emergentes da televisão interativa e personalizada..Cavaco Silva, no posfácio, aproveita para dar alguns recados sobre as reformas que entende necessárias ao país. Entre elas a de uma administração pública moderna, desburocratizada, transparente e independentemente dos partidos políticos; reforçar a imagem de Portugal no mundo erguendo o português como língua oficial das Nações Unidas e aproveitando o facto do atual secretário-geral ser António Guterres..O ex-chefe do Estado afirma ainda que talvez o mais relevante seja "dotar" o país de um "sistema fiscal equitativo, simples e transparente, competitivo e estável, substituindo a situação caótica e a falta de coerência que caracteriza o sistema fiscal português". Deve também, diz Cavaco, "ser posto fim à prática de introduzir modificações no sistema fiscal em cada orçamento, o que cria instabilidade nas regras fiscais e é nocivo ao desenvolvimento. É preciso igualmente, na sua perspetiva, que os governos mudem a sua atitude de hostilidade em relação às grandes empresas.