Marinha testa drones para ter rede de internet no alto-mar sem satélites

Portugal acolhe esta semana a primeira conferência da NATO sobre interoperabilidade no emprego de sistemas militares não tripulados.
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A Marinha e a NATO estão a testar um sistema de comunicações militares para ter acesso à internet no alto-mar, sem recurso a satélites e a uma fração do custo de utilização destes aparelhos em órbita.

Esse é um dos objetivos do exercício de experimentação aeronaval REP18, coorganizado também pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP), que tem vindo a decorrer em Sesimbra e em Santa Cruz e que, nesta terça-feira, tem várias demonstrações na região de Peniche, explicou o comandante António Mourinha ao DN.

António Mourinha e o presidente da UAVISION, Nuno Simões, disseram estar a "testar em cenário real" um sistema de comunicações "que permite ligar navios e drones" a partir de sensores colocados nos faróis existentes ao longo da costa portuguesa, criando uma rede digital que dispensa o recurso - e os grandes custos - aos satélites.

O REP18 pertence a uma série de exercícios com drones iniciada em 2010 com a FEUP e a que, em 2014, se juntou o Centro de Pesquisa e Experimentação Marítima (CMRE) da NATO - organização que nesta semana organiza, pela primeira vez e em Portugal, uma conferência dedicada à interoperabilidade dos sistemas marítimos não tripulados (MUS, sigla em inglês).

O REP18 serviu ainda de pretexto para a Marinha e o CMRE terem assinado na sexta-feira, em Cascais, um memorando de entendimento sobre cooperação no desenvolvimento e experimentação de veículos não tripulados

O exercício deste ano envolve, pela primeira vez, as componentes de superfície e aérea. Para isso conta com a participação do Instituto de Engenharia de Sistemas e Computação, Tecnologia e Ciência (INESC TEC), da Força Aérea e UAVISION - a que se juntam as Marinhas dos EUA e da Polónia, o centro de excelência da NATO na guerra de minas, a Polícia Marítima e a Autoridade Marítima, académicos envolvidos no desenvolvimento dos MUS e outras tecnológicas portuguesas (TEKEVER, OceanScan) e estrangeiras (como a OceanServer).

Para António Sérgio Ferreira, do Laboratório de Sistemas e Tecnologia Subaquática da FEUP, trata-se de concretizar "a operacionalização destas tecnologias entre o académico e o operacional". Exemplo disso, revelou, é "a plataforma Web [digital] para monitorizar e operar diferentes equipamentos num mesmo local".

"O foco é o software", que neste caso permite juntar diferentes operadores numa operação militar ou humanitária - leia-se vários países da NATO, por exemplo - mesmo que os respetivos sistemas "sejam incompatíveis", explicou o engenheiro da FEUP.

Já os militares, concluiu António Mourinha a sorrir, "querem é um botão para atuar".

Soluções económicas e eficazes

No caso dos drones de superfície, um catamarã não tripulado e equipado com computadores, baterias, câmaras, radares e sonares tem estado a usar uma tecnologia nova com sensores passivos para detetar submarinos, explicou o responsável do INEC TEC pelo projeto, engenheiro Hugo Ferreira. "Temos o conhecimento, [os militares] têm navios e problemas", sintetizou o investigador.

Um desses problemas reside nas restrições financeiras, que atrasam ou impedem os militares de comprar determinados sistemas de armas. "Por metro cúbico, o navio mais caro do mundo é o caça-minas" e, quando se caminha para "a robotização da guerra", é prioritário desenvolver uma capacidade militar que permita detetar explosivos subaquáticos com drones de baixo custo, observou ao DN o comandante naval da Marinha.

O vice-almirante Gouveia e Melo, que falava ao DN em Sesimbra e à margem da apresentação de drones submarinos feita por académicos e responsáveis das empresas envolvidos no REP19, destacou ainda o "incremento da capacidade de comando e controlo no mar" português, cuja dimensão da sua zona económica exclusiva - 1,6 milhões de quilómetros quadrados - deverá aumentar para os 3,8 milhões com o alargamento da sua plataforma continental.

Acresce que os veículos não tripulados permitem "ter maior eficiência" e oferecem "maior diversificação operacional", permitindo utilizar drones com diferentes sensores em função dos objetivos a atingir, salientou Gouveia e Melo.

Outra novidade do exercício deste ano é a inclusão de meios fixos em terra com dois objetivos: além de criar o referido sistema de comunicações com um alcance da ordem das 50 milhas náuticas (80,5 km), que um navio a essa distância pode prolongar para o dobro, o REP18 está a testar a passagem do controlo de um drone aéreo entre transmissores colocados em diferentes locais.

Esta experiência, realizada a partir do cabo Espichel e para controlar um drone controlado à descolagem no aeródromo de Santa Cruz, tinha a dificuldade adicional de ter de passar a baixa altitude ao largo de Lisboa por causa do tráfego aéreo comercial.

Mas o problema, que fez o aparelho voltar para trás na zona da capital, surgiu com a antena colocada no topo do farol: a sua cúpula metálica refletia o sinal vindo do drone - equipado com um sistema para detetar variações no campo magnético produzidas por submarinos - para direções que impediam essa estação de assumir o controlo do aparelho, explicou ao DN o presidente da UAVISION, Nuno Simões.

Segundo o brigadeiro-general José Morgado, da Força Aérea, outro dos testes realizados envolveu a medição dos níveis de poluição produzida pelos navios - importante para um país ao largo do qual passam diariamente 350 a 400 barcos de grande dimensão.

José Morgado, um dos principais responsáveis pelo programa de drones desenvolvido até 2015 pela Academia da Força Aérea, realçou que "estes meios não tripulados podem ser um complemento útil às aeronaves" de vigilância marítima - e a um custo incomparavelmente menor.

"Tiram as matrículas dos navios, permitem ver detalhes do que está a bordo, se estão a fazer lavagem ilegal de tanques...", precisou o oficial general, observando que "no norte da Europa já há zonas segregadas para a passagem de navios poluentes".

Criação de capacidade

Ainda muito longe de ter uma verdadeira capacidade operacional na área dos drones, o certo é que as Forças Armadas têm vindo a construir alguns dos oito pilares que a sustentam: doutrina, organização, treino e formação, material, liderança, pessoal, infraestruturas e interoperabilidade.

Ao nível da Força Aérea, explicou o general José Morgado, já foi possível "desenvolver conhecimento sobre a operação" dos drones, fazer "a integração dos sistemas" e também "formar dez operadores" desses aparelhos não tripulados.

Note-se ainda que, em termos de Força Aérea, a importância dos drones tenderá a aumentar no curto prazo em matéria de vigilância das áreas e fogos florestais - pelo que estes exercícios têm servido também para teste das transmissões de dados e imagens dos aparelhos para o Comando Aéreo (ou, no caso das missões de busca e salvamento, também para o Comando Naval) e para a Proteção Civil.

A Marinha, por seu turno, já "deu um salto qualitativo e tecnológico grande" nesse domínio. Mesmo a nível operacional, pois "em 2010 não estávamos capacitados para operar drones submarinos", assinalou o comandante António Mourinha.

Essa experiência já lhes permite mesmo ensinar algumas coisas sobre doutrina e emprego desses drones à Marinha polaca, a qual tem, por sua vez, software de alta qualidade, referiu ao DN o primeiro-tenente Violante da Luz, chefe do departamento de guerra de minas da Marinha.

O trabalho conjunto entre os militares da Marinha portuguesa e da polaca, adiantou o oficial, centrou-se na simulação de campos minados e para detetar explosivos num cenário em que 90% do que está no fundo do mar "é lixo" e só 10% tem de ser identificado e neutralizado.

"Queremos o que não há. Então vamos fazê-lo", até por ser numa área que vai desenvolver-se nos próximos anos com a rapidez com que evoluíram os telemóveis, observou o comandante Mourinha. Daí a importância destes exercícios de experimentação, diferentes dos de demonstração como o desta terça-feira em Peniche e em Santa Cruz - onde "nada pode falhar" - ou do que se realizou em 2014 na base naval do Alfeite (e redundou num fiasco, com a queda do drone na água).

"Perdemos quase dois anos no desenvolvimento" dessa componente por causa desse incidente, lamentou António Mourinha. Mas agora, adiantou, "já temos militares a pensar" nesse domínio e "em novos conceitos de emprego" dos drones, envolvidos "na avaliação do desempenho dos sistemas" não tripulados ou a "verificar se correspondem às exigências operacionais".

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