Marinésio. O serial killer que está a deixar Brasília em choque
Enquanto as queimadas na Amazónia ocupavam o noticiário brasileiro e até internacional, em Brasília viviam-se dias de desespero por causa das buscas por Letícia Melo, advogada de 26 anos, vista pela última vez, às 07.00 do dia 23 de agosto, à espera de autocarro num bairro da capital federal do país. Três dias depois, já após a polícia ter descoberto com o apoio de câmaras de vigilância que ela tinha entrado num carro comercial prateado enquanto aguardava na paragem, o corpo foi finalmente encontrado.
O dono do carro, o cozinheiro Marinésio dos Santos Olinto, 41 anos, confessou ter enforcado Letícia, casada, mãe de um filho de três anos e empregada no Ministério da Educação, depois de ela se ter recusado a manter relações sexuais com ele no caminho.
De então para cá, a polícia chegou à conclusão de que Marinésio é responsável pelo menos por mais uma morte e três casos de abusos sexual. Mas os crimes do "maníaco em série", como o classificaram os agentes, podem chegar, pelo menos, a 20, porque a cada dia são reabertos casos até agora sem solução em Brasília e imediações. "A inteligência da polícia reabriu inquéritos de 2014 e 2015 que estavam para ser arquivados por falta de indícios de suspeitos", afirmou Veluziano Castro, o delegado que investiga o caso.
"Perfil desviado, comportamento de maníaco em série, sabe perfeitamente tudo o que faz", continuou Castro, dias ainda antes de a polícia determinar silêncio absoluto no caso por que a cobertura da imprensa estava a atrapalhar a resolução de outros - muitos outros - crimes de Marinésio.
Além de acusado pelo assassínio da advogada, o cozinheiro confessou o homicídio de Genir Pereira de Souza, cujo corpo foi encontrado no dia 12 de junho, 10 dias após o seu desaparecimento. Genir, empregada doméstica numa pizzaria, também esperava autocarro quando foi abordada pelo cozinheiro ao volante da tal comercial prata.
Duas irmãs de 18 e 21 anos e uma mulher de 23, após a divulgação das imagens de Marinésio e da sua viatura, foram logo a seguir à polícia relatar ter sido vítimas de abuso sexual do "maníaco em série". As duas primeiras contaram que se livraram do criminoso defendendo-se com uma panela de ferro, depois de ele as ter apanhado à saída de uma festa num sábado à noite, e a terceira afirma ter pulado do carro em movimento.
De acordo com o delegado, o modo de atuação usado pelo agressor, a semelhança entre os carros usados nos crimes, a causa das mortes das vítimas - sempre por asfixia - e o local onde foram encontradas, nos bairros de Planaltina e Paranoá, apontam para a possível participação de Marinésio.
Uma das raras vítimas que não se importou de ver revelado o seu nome, Janaína Lopes relatou ao Jornal de Brasília um episódio semelhante, com a única diferença de não ter sido usado o mesmo carro na abordagem.
Janaína conta que, há quatro anos, ao voltar de uma aula, esperava um autocarro na paragem perto do Hospital Regional de Planaltina, por volta das 22h00. "Eu estava voltando da escola para casa quando vi um carro branco se aproximando de mim. Na hora, eu só pensei em sair dali", recorda a hoje caixa de supermercado.
"Ele saiu do carro e abordou-me por trás com uma faca (...) e foi descendo comigo e me levando para o mato a pé. Eu pedi a ele que não me machucasse".
Ao entrar no matagal, na escuridão, o cozinheiro atirou a vítima ao chão e começou a beijá-la. Na tentativa de não ser violada, ela se debateu e gastou toda a energia. "Ele colocou os joelhos nos meus pulsos e tentava subir a minha saia. Disse que era para deixa-lo fazer o que queria se não me mataria. Quando ele percebeu que eu estava perdendo as minhas forças, começou a tentar enforcar-me. Veio-me uma luz, tive a ideia de me fingir de morta."
"Mas não sei se eu mexi os olhos ou algo parecido, ele viu que eu ainda estava viva, e começou a beijar-me de novo", quando, de repente, os dois ouviram um ruído de uma moto da polícia.
"Ele assustou-se e soltou-me. Foi aí que eu dei um chuto nele e saí correndo atrás do guarda. Ele correu para o outro lado".
A salvo, o oficial levou-a para casa, onde a família já a aguardava, apreensiva.
Janaína diz que o pavor daquela noite voltou ao ver na televisão Marinésio a ser preso pelo assassinato de Letícia. "Senti-me muito mal. Vivi novamente aquela noite. Lembrei-me de cada detalhe", desabafou.
Outra vítima que não quis ser identificada contou que foi abordada no dia 14 de abril. "Era véspera do meu aniversário. Eu estava numa paragem de autocarro em frente à Feira de Confecções do Setor de Educação de Planaltina, ele passou, ofereceu "carona" e eu disse que iria para o Arapoanga. Aí, entrei no carro", contou a empregada doméstica.
Ainda de acordo com a mulher, ela só escapou porque fingiu ser uma criminosa. "Ele estava guiando e eu, concentrada, olhando para a direita. Foi quando percebi que ele estava indo para uma área de matagal em Planaltina. Então, perguntei: "O que você está fazendo aqui?"", narrou ao jornal brasiliense Metrópoles.
Para se livrar do cozinheiro, a vítima mentiu: afirmou que era ex-presidiária e que já tinha cometido homicídio. "Eu disse: "Você sabia que eu acabei de sair da Colmeia [como é conhecida a Penitenciária Feminina]? Saí de lá porque matei um homem"", contou.
Morador do bairro Vale do Amanhecer, o cozinheiro esteve desempregado desde junho de 2018, quando deixou a empresa onde trabalhava, até há cerca de um mês, quando encontrou trabalho num restaurante na região conhecida como Asa Norte. Sem antecedentes ou processos judiciais, Marinésio é casado e pai de uma adolescente de 16 anos, que deixou no colégio antes de dar a boleia fatal a Letícia. Entre o momento em que deixou a filha no colégio e o assassinato, o assassino esteve na casa da irmã.
À polícia, negou fazer transporte clandestino na comercial prateada que usou no crime, embora se apresentasse como tal na hora de abordar as vítimas. Na viatura, os agentes encontraram o telemóvel da advogada atrás de um banco e, no porta-luvas, relógio e material de estudo da vítima.
Letícia Melo, como muitas mulheres (e homens) de Brasília, têm jornadas de trabalho longas, numa cidade que se estende por vasto território. Os autocarros, como em muitas outras metrópoles, por vezes demoram meia hora ou mais a chegar. Espaço para uma atividade informal vingar: carros desaceleram junto às paragens e propõem, pelo mesmo preço do transporte público, fazer o caminho até ao destino de forma muito mais rápida e confortável. Mas não tão segura.
"Geralmente, passam primeiro que o autocarro, por isso eu pegava, mas também só se o carro estivesse cheio. Depois desses casos, eu não pego mais", disse ao Metrópoles a empregada doméstica Ozima Rodrigues, cuja filha trabalhava com Letícia no ministério da educação.
"Já antes do caso do Marinésio eu tinha medo, agora, se um carro passa mais devagar na minha frente eu já entro em pânico", acrescenta Rose Teixeira.
A secretária de transportes do governo do Distrito Federal comunicou que está a tentar renovar a frota de autocarros para diminuir os atrasos e que alerta os passageiros para os perigos do "transporte pirata". Por sua vez, a secretaria de segurança, apesar de no primeiro semestre deste ano terem sido detetadas mais de 1000 infrações relacionadas a esse tipo de transporte, afirma não ter nenhum estudo que relacione a prática aos crimes.
Enquanto o "maníaco em série" está detido, a família dele vem sofrendo ameaças. A mulher, casada com Marinésio há 17 anos, e a filha fugiram da casa onde moravam com o marido e pai por temer represálias. "Nós estamos sem sair, ficamos escondidas. Desde que tudo aconteceu, ameaçaram atear fogo à casa onde morávamos e tentaram rebentar o portão", disse a mulher do suspeito, sob anonimato, em entrevista ao Correio Brasiliense.
"Está muito difícil. Estamos surpreendidas até agora. Para mim, ele era a mesma pessoa até hoje, desde que eu o conheci no Paranoá, em 2002. Marinésio nunca me espancou, nunca bateu na filha dele, nunca levantou a mão para a gente. Era um bom pai, um bom marido. Todo o mundo que o conhecia diz que a ficha ainda não caiu. Eu não vou falar que ele era ruim para mim só porque fez isso, porque não era".