Foi com surpresa que, algures em 2017, os fãs de blues e de jazz assistiram, admirados, ao improvável casamento entre Maria João e os Budda Power Blues, materializado no muito elogiado disco The Blues Experience, mas também e especialmente em palco. Foi aliás ao vivo que esta junção entre dois estilos com tanto em comum mas quase sempre de costas voltadas, melhor provou ser uma relação para durar. Afinal, foram mais de três anos na estrada, o local onde, na música, se tira a verdadeira prova dos nove no que à cumplicidade, empatia e dinâmica entre executantes diz respeito. E o resultado está à vista neste novo The Blues Experience II, o novo disco de Budda Power Blues & Maria João, que segundo os próprios é precisamente resultado dessa intensa experiência ao vivo. "Tudo o que foi feito para este disco foi pensado e criado com base nesses três anos na estrada", afirma Budda Guedes, o principal compositor da banda, que quando convidou pela primeira vez Maria João nunca pensou chegar até aqui.."Depois de termos editado o nosso quinto disco, estávamos com vontade de fazer algo mais além do blues e convidámos a Maria João não só por ser uma grande referência para todos nós, mas também porque pretendíamos alguém com capacidade de adaptação, que ao mesmo tempo nos trouxesse algo novo para fazermos uns blues do século XXI", conta o também vocalista e guitarrista..O objetivo era fazer um único concerto, que depressa se multiplicou por mais uns quantos. E o repertório seria apenas composto por versões, mas logo no segundo espetáculo, na Casa da Música, Maria João foi surpreendida com um tema inédito, composto por Budda Guedes já a pensar na sua voz e que funcionou como "rastilho" para o surgimento dessa vontade em fazerem música juntos..Inicialmente, Maria João até torceu o nariz quando recebeu o telefonema de um tal Budda, a convidá-la para um concerto. "A minha primeira reação foi recusar porque nem gostava assim tanto de blues", recorda, divertida, a cantora, que se deixou convencer "pelo repertório menos convencional". Mal sabia então que "estava a abrir uma verdadeira caixa de Pandora", como diz ao DN: "Nunca tinha feito nada assim e agora só quero fazer cada vez mais rock e blues, estou a adorar"..Também por isso, este segundo volume de The Blues Experience já não é tanto uma experiência, como aconteceu com o primeiro registo. "Na altura o espírito foi um pouco o vamos lá ver no que isto dá, enquanto este álbum já foi pensado de modo a dar uma nova vida ao projeto", explica o músico, dando como exemplo o tema Nothing"s To High, um dos mais rock, "escrito de propósito para a Maria João", no qual a cantora se revela uma autêntica rocker, tal como aliás acontecia em palco, quando a cantora interpretava uma versão dos Led Zeppelin que era sempre um dos momentos altos do espetáculo. "No primeiro disco houve um encontro a meio caminho, mas neste já existe um caminho conjunto, que nos permitiu casar as vozes fazendo brilhar esse contraste entre a bela e o monstro", salienta Budda, com a concordância de Maria João: "Ao início achei que esse contraste iria soar ridículo, porque ele tem um vozeirão e eu uma vozinha, mas afinal é giro e funcionou muito bem nestas canções. E apesar de usarmos instrumentos diferentes, temos o mesmo feeling em relação à música, o que também é muito importante"..A exemplo do primeiro volume, o processo de composição e gravação de The Blues Experience II também foi bastante rápido, ficando praticamente pronto entre janeiro e março do ano passado, mesmo antes da pandemia. "Apesar de todos participarmos, quando começamos o Budda já tem tudo alinhavado e só temos de ir por ali afora", recorda Maria João. Desde então não se juntaram mais, a não ser para ensaiar uma única vez, na véspera do concerto online de apresentação do disco, na semana passada. Nada a que não estejam habituados, como ambos fazem questão de frisar. "Só costumamos ensaiar na véspera dos concertos, portanto estamos a manter essa tradição", atira o músico. Já para Maria João, "a música, especialmente este tipo de música, vive dessa frescura do improviso. Foram três anos sem nunca ensaiar e a recriar tudo em palco, o que é uma maneira maravilhosa de fazer música". "As músicas têm uma estrutura, mas depois temos total liberdade para as interpretar e é muito bonito manter esse diálogo sempre aberto", sustenta Budda. Nem poderia ser de outra forma, como defende Maria João: "Adoro improvisar, é algo que me faz sentir livre. Morria se me obrigassem a fazer sempre a mesma coisa em palco (risos). Cada concerto é sempre diferente e essa é a grande graça deste projeto. Vale mesmo a pena ver a surpresa nos nossos rostos, quando estamos em palco, porque nunca sabemos o que vai acontecer"..dnot@dn.pt