Numa escola nova e moderna ainda a cheirar a tinta fresca há um recanto que destoa. São duas salas (deliberadamente?) deixadas ao abandono, por onde só se entra através de uma porta metálica que seguramente não será aberta muitas vezes nos próximos anos..Foi aberta ontem para satisfazer a curiosidade do primeiro-ministro, António Costa, na visita que se seguiu à inauguração oficial da Escola Básica Maria Barroso, no Largo da Boa-Hora. Como recorda uma placa deixada à entrada da segunda daquelas salas, a que era dedicada às audiências, ali funcionou "o tribunal plenário onde entre 1945 e 1974 - período da ditadura - foram condenados inúmeros adversários do regime"..Há uma fina ironia na decisão da Câmara Municipal de Lisboa de abrir uma escola - onde em breve serão acolhidas 150 crianças, 50 do jardim-de-infância e uma centena do 1.º ciclo - num local onde no passado se castraram sonhos e tentou negar o futuro a quem pensava diferente do Estado Novo..E essa ironia, essa ideia de libertação, esteve presente em todos os discursos e em todos os momentos da cerimónia, desde o pequeno concerto de violino que terminou com o Somewhere Over the Rainbow, de O Feiticeiro de Oz, ao poema Pensar em Ti, de António Gedeão, lido por uma neta de Maria Barroso..Em dia de homenagem à figura que faria 92 anos, com as rosas amarelas que se tornaram um símbolo particular da família Barroso-Soares espalhadas pela assistência, os dois filhos estavam de acordo: não poderia ter havido "mais bonita e mais importante homenagem", disse João Soares, para quem, na síntese emocionada de Isabel Soares, era "um ser luminoso" que, "apesar da personalidade transbordante do meu pai, nunca deixou de se impor"..Fernando Medina, presidente da Câmara de Lisboa, descreveu a inauguração como um momento especial a vários níveis. Desde logo por representar um sinal de rejuvenescimento numa zona de Lisboa que viveu momentos de alguma degradação, antes do recente impulso do turismo, mas à qual continua a ser preciso devolver moradores..A nova escola, garantiu ao DN o diretor da Secundária Passos Manuel, João Paulo Leonardo, em cujo agrupamento esta será integrada, "não terá dificuldades" em preencher todas as vagas. "Não só entre os residentes mas também através de muita gente que trabalha na área. É uma escola muito apelativa, perto do metropolitano, numa zona onde não é muito difícil estacionar"..Mas ontem a importância evidente do equipamento, que irá servir uma faixa etária para a qual Lisboa ainda tem carências na rede, acabou por passar para segundo plano no que viria a ser sobretudo uma ocasião de evocar as várias facetas de Maria Barroso..Desde logo a de pedagoga. No plano profissional, tendo dirigido o Colégio Moderno, fundado pela família Soares, mesmo tendo sido proibida de lecionar em permanência pelo Estado Novo. E no plano das relações humanas: "Era um exemplo de pedagogia viva. Falar com ela era ficar melhor", disse Fernando Medina..Também a atriz, cuja carreira promissora foi igualmente restringida ao máximo pelo Estado Novo. Mas sobretudo, nas palavras de António Costa, a "notável figura do nosso país" que, concordou o primeiro-ministro, sempre foi muito mais do que a mulher de Mário Soares. "Como tive oportunidade de dizer quando festejámos os seus 90 anos, foi preciso um homem da dimensão de Mário Soares para estar ao lado dela", recordou..O ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues, também sublinhou "a importância fulcral de poder transformar um espaço que no passado não foi de liberdade" numa escola. Sobretudo com este nome: "O patrono das nossas escolas funciona para ser um exemplo, um norteador de comportamentos positivos, neste caso de comportamentos democráticos e de liberdade.".No fim da cerimónia, em dia de estreia das provas de aferição de Expressões (artística e Físico-Motora), o ministro garantiu ao DN que em "todas as escolas que as tinham para este primeiro dia tudo correu com serenidade".