Marco Martins muito satisfeito com os prémios do filme "São Jorge" em Macau
"Os prémios são sempre importantes porque, de alguma forma, são o reconhecimento dos nossos pares, de realizadores, de atores... E um primeiro festival como este abre perspetivas para o futuro, e há uma grande expectativa de saber o que será o festival de Macau no futuro", disse Marco Martins, na conferência de imprensa após a cerimónia de entrega dos prémios.
Marco Martins sublinhou que esta foi "uma edição com filmes muito fortes" e "muito bons", em competição, e que "é uma grande honra ser premiado".
"Quando comecei a escrever 'São Jorge' as pessoas diziam-me que não há nada mais perigoso do que fazer um filme sobre o presente, porque não tens perspetiva e as coisas vão parecer diferentes daqui a uns anos (...) E eu tendo a concordar com isto. Mas, para nós, foi um momento decisivo na nossa história recente", disse Marco Martins.
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O realizador recordou o período da 'troika' em Portugal, em que "muita gente estava a perder os seus empregos" e "tudo estava a mudar muito".
"A imprensa e a televisão tendem mais a falar dos políticos e dos números, mas nós não vemos as verdadeiras caras da crise, e penso que foi uma parte da história de Portugal que vai ser perdida para sempre. Foi o que eu pensei, por isso arrisquei", disse.
"Para a nossa geração foi algo novo que se estava a passar: esta coisa de que tínhamos de pagar a nossa dívida à Europa e toda a gente estava a aceitar isto. Por isso, eu comecei a escrever o 'São Jorge' nessa altura", acrescentou.
Além do prémio de melhor realizador, "São Jorge" deu o prémio de melhor ator a Nuno Lopes, que, no filme, é um pugilista desempregado que trabalha em cobranças de dívidas para sobreviver.
Inicialmente tinha sido estipulada a atribuição de apenas um prémio por filme, mas "o júri decidiu quebrar as regras", entre outras razões, porque "às vezes também é muito difícil isolar o [trabalho] do realizador do filme e o ator do realizador", disse o presidente do júri, Shekhar Kapur.
"Quando comecei a ver o filme, olhei e pensei: ele [ator Nuno Lopes] não está a fazer nada. Porque é que ele não está a fazer nada? O que é que se está a passar? E depois, de forma muito gradual, ele agarrou-me e eu vi as pequenas 'nuances', e nessas pequenas 'nuances' ele deu-me uma abertura para a sua mente, ele abriu o seu coração e a sua alma", disse o também realizador indiano.
Shekhar Kapur destacou a "interpretação muito difícil" de Nuno Lopes. "É muito difícil para um ator ficar apenas quieto e nessa quietude mostrar o interior da sua mente e da sua alma e das suas emoções, e, através das suas emoções e da sua alma, expor o mundo", explicou.
Sobre Macro Martins, Shekhar Kapur disse que uma das coisas que notou é que o realizador português "nunca fez julgamentos" ao longo do filme, e que "todas as personagens contaram a história e deixaram-na lá".
"Mesmo algum tempo depois de ver o filme, eu continuava a criar as histórias sobre essas personagens na minha cabeça --, mas o que ele [Marco Martins] estava constantemente a dizer era que estava a falar de sobrevivência: 'não vou permitir-te a ti, a mim, ou ao filme fazer julgamentos morais sobre estas personagens'", afirmou.
"Isso foi notável", sublinhou Shekhar Kapur.
Outro membro do júri, a atriz japonesa Makiko Watanabe, destacou "a forte emoção" transmitida por Nuno Lopes.
"É fácil de perceber o que se está a passar no filme. Eu nunca estive em Portugal (...), mas ainda assim consigo sentir algo da história", disse a atriz.
O desempenho no filme "São Jorge" já dera a Nuno Lopes o Prémio de Melhor Ator, na secção "Orizzonti", do Festival Internacional de Cinema de Veneza, no passado mês de setembro.
Nuno Lopes dedicou então o prémio aos habitantes dos bairros da Bela Vista e da Jamaica, em Lisboa, onde decorreu a rodagem, que considerou "os verdadeiros heróis no filme". "Talvez os políticos comecem a pensar neles não apenas como números, mas como seres humanos", acrescentou.
O prémio de melhor filme, no Festival de Macau, foi atribuído a "The Winter" (Argentina), de Emiliano Torres.
Shekhar Kapur destacou o "minimalismo" deste filme, que deixa o espetador "completamente absorvido pela história", que "tem muito poucos movimentos na narrativa".
"De repente apercebes-te da densidade do que ele [o filme] te está a tentar dizer, e ficas absorvido", sublinhou.