Marcelo. Nova corrida para Belém com afetos suspensos
Quando todo o país, literalmente, precisava de ser acarinhado após tantos meses de pandemia e distanciamento social, Marcelo Rebelo de Sousa vai partir para uma nova campanha eleitoral sem conseguir beijar, abraçar ou até tocar de perto os portugueses a quem vai pedir o voto para mais um mandato de cinco anos em Belém. O atual Presidente da República vai anunciar a recandidatura esta segunda-feira, mas terá de abdicar na campanha da marca mais distintiva do seu mandato e até da sua personalidade, a da proximidade às pessoas, ou os tais "afetos" de que tanto gosta.
Apesar de ter apenas acenado com a recandidatura - "está próximo, está próximo", admitiu - já tem discurso escrito, segundo o Expresso, e a recolha das 7500 assinaturas para formalizar a candidatura também está em marcha. Um grupo restrito de pessoas em que se incluem João Silveira Botelho, administrador da Fundação Champalimaud, e alguns operacionais das estruturas do PSD próximos de José Matos Rosa, antigo secretário-geral social-democrata, estarão a tratar deste processo. "Tenho recebido diversas pressões, de diversa natureza, e nas últimas semanas mesmo quem envie assinaturas, quem recolha assinaturas, envie cartas, mas a decisão é minha", reconheceu Marcelo.
Há cinco anos, quando se candidatou pela primeira vez, em outubro de 2015, fez o seu autorretrato pessoal, profissional e político e disse ao que ia. Duas das suas frases poderiam ser replicadas no novo discurso que fará no tiro de partida para as presidenciais de 24 de janeiro, sob o chapéu das crises que a inesperada pandemia gerou. "Estou consciente de como o estado do mundo e da Europa não deixam antever anos fáceis e de como Portugal tem de sair claramente de um clima de crise financeira, económica e social, pesada e injusta, que já durou tempo de mais", disse em 2015, mas a crise voltou agora a cair com mão pesada não só sobre a Europa e Portugal, mas também sobre o mundo.
A segunda conjuga-se com a primeira e entra igualmente como uma luva no momento atual: "A estabilidade e a governabilidade têm de estar ao serviço do fim maior e o fim maior na política é o combate à pobreza, é a luta contra as desigualdades, é a afirmação da justiça social".
Marcelo Rebelo de Sousa voltará certamente aos temas com roupagem nova, até porque tem no horizonte um segundo mandato em Belém - como apontam todas as sondagens e logo à primeira volta. E apesar de ter à perna pelo menos quatro adversários, entre oito anunciado, que podem dividir bastante o eleitorado. São eles a socialista Ana Gomes, o líder do Chega, André Ventura, e os dois candidatos à esquerda que bisam a entrada na corrida presidencial, o comunista João Ferreira e a bloquista Marisa Matias.
Nestas presidenciais, como sempre, o recandidato leva uma grande vantagem em relação aos restantes. Todos os antecessores de Marcelo cumpriram dois mandatos: Ramalho Eanes, Mário Soares, Jorge Sampaio e Cavaco Silva.
Quando iniciou o mandato em 2016, Marcelo quis imediatamente distinguir-se do austero Cavaco. Tinha a respaldar esse anseio de uma maior proximidade aos portugueses as cicatrizes da saída da brutal crise desencadeada em 2011 e que levou o país ao aperto da ajuda internacional. Marcelo calcorreou o país, procurou no povo o afeto que queria imprimir ao seu mandato. As centenas de selfies que tirou com populares foram uma das marcas dessa presidência que queria descomprimida e capaz de dar ânimo.
Marcelo já não teve de dirimir a crise de uma reviravolta na política nacional, a queda do governo de coligação PSD-CDS e a passagem para o socialista António Costa. Apanhou a geringonça a funcionar com o PCP e o Bloco, o que garantiu alguma estabilidade governativa e sem sobressaltos durante quatro anos. Mas nas legislativas de 2019 confrontou-se com uma nova maioria relativa do PS e sem acordos escritos com os comunistas e bloquistas capazes de garantirem a mesma tranquilidade anterior. Marcelo aceitou - ao contrário de Cavaco que quis assinado o acordo no papel entre os três partidos para viabilizar o governo de 2015 - e teve o primeiro sobressalto com a aprovação do Orçamento do Estado para 2021. E um vislumbre do que poderá ter de gerir no próximo ano, da sua cadeira de Belém, se uma crise política se instalar no país, como muitos profetizam. O mandato será mais exigente no acompanhamento da política pura e dura, a par do que terá de olhar pela saúde de um país muito penalizado pela pandemia.
Um dos momentos mais tensos do mandato e que mostrou que, apesar de todo o apoio que deu ao governo, não prescindia do poder presidencial coincidiu com os incêndios de Pedrógão de junho de 2017, com 66 mortos, e os de outubro do mesmo ano, com mais 50 mortos. Marcelo esteve no terreno, confortou as populações afetadas e deu um murro na mesa, já em outubro, para pedir a cabeça da então ministra da Administração Interna, Constança Urbano de Sousa. A ministra caiu mesmo. Estes acontecimentos dramáticos levaram-no a comprometer um segundo mandato em Belém. Se voltassem a ocorrer incêndios com aquela dimensão, prometeu, não se recandidataria. Não aconteceram.
Foi invulgar também ver um Presidente da República, a primeira figura do Estado, na noite de Lisboa e Porto, abraçado e debruçado sobre os que vivem na rua. Marcelo fez sua a bandeira dos sem-abrigo. Prometeu tudo fazer para trazer mais condições e dignidade a essas pessoas. Mas ainda não foi neste primeiro mandato que conseguiu resolver o problema.
Quando a pandemia de covid-19 chegou cá, Marcelo Rebelo de Sousa também se mostrou um Presidente bastante interventivo. Foi dos primeiros políticos a manter-se em quarentena depois de ter tido contacto com alunos de Felgueiras e foi ele que fez toda a pressão, contra a vontade do primeiro-ministro para que o país entrasse em estado de emergência em março. Que agora renova e renova.