Marcelo em Luanda: "Quem faz história todos os dias são os angolanos e os portugueses"
O Presidente português promete ser ele próprio nestes quatro dias de visita oficial a Angola. Contando com a pontualidade do voo realizado num Falcon da Força Aérea Portuguesa que o levou de Portugal até Angola, com escalas em Cabo Verde e São Tomé e Príncipe, Marcelo Rebelo de Sousa chegou de sorriso rasgado, bem-disposto e de aperto de mão convicto ao ministro das Relações Exteriores, Manuel Augusto, que o recebeu em plena pista do Aeroporto 4 de Fevereiro, na capital angolana, e ao governador da província de Luanda, Sérgio Luther Rescova.
Após o cumprimento das alas militares de cortesia, o ambiente de descontração permaneceu e foi neste registo que Rebelo de Sousa se dirigiu, pela primeira vez, aos jornalistas, numa espécie de declaração de intenções para a sua estada até ao próximo sábado, dia 9, em Angola. "Regresso a Angola com uma confiança baseada nos passos dados", indicou, esclarecendo que nos últimos meses no plano político e diplomático "são muito sólidos, são muito firmes, são muito concretos e que permitem apontar para o futuro com essa confiança".
Apesar desta intenção de apontar o futuro como o ponto fulcral das relações entre Portugal e Angola, o caso provocado pelos incidentes no bairro da Jamaica, no Seixal, no final do mês de janeiro, marcou grande parte das intervenções dos jornalistas, a que Marcelo Rebelo de Sousa respondeu com determinação no sentido da sua desvalorização, chamando-lhe, inclusive, "insignificantes do presente".
"Verdadeiramente, o que neste momento é significativo não são os irritantes do passado nem os insignificantes do presente, são os importantes do futuro", contrapôs. Fazendo questão de estabelecer um critério que gostaria de ver aplicado aos presidentes dos dois Estados: "A diferença entre um político e um estadista é que o político prende-se aos irritantes e aos insignificantes e o estadista olha para os importantes."
E nestes "importantes" o Presidente de Portugal coloca os angolanos e os portugueses no topo das prioridades: "E os importantes do futuro são as questões concretas da vida das angolanas e dos angolanos, das portuguesas e dos portugueses, desse somatório de entre 200 mil a 300 mil que vivem cruzados nos dois territórios e que têm problemas concretos."
Aliás, Rebelo de Sousa, quando instado a concordar sobre o facto de a sua visita a Angola ser histórica, respondeu que "quem faz história todos os dias são os angolanos e os portugueses". E considerou que cabe aos responsáveis dos dois Estados contribuírem para a melhoria de vida dos seus povos.
É nesta linha que, ao longo dos próximos dias, serão estabelecidos e reforçados novos protocolos de cooperação. Serão cerca de 50 acordos que estão em andamento e que têm resultados efetivos em termos financeiros para os empresários portugueses e angolanos, para além de uma cooperação em formação dos professores, em matéria de saúde, em domínios que vão desde administração interna a justiça.
Dias antes, também o presidente de Angola, João Lourenço, em entrevista à RTP, sustentou que "gostaríamos de ver maior presença do empresariado português na agricultura, nas várias indústrias, na indústria transformadora e no turismo".
E para que os novos negócios possam concretizar-se é necessário que a certificação e o pagamento das dívidas de Angola às empresas portuguesas sejam efetivados. Recorde-se que este foi um aspeto que bastante contribuiu para a saída de muitos empresários de solo angolano. Marcelo Rebelo de Sousa logo à chegada garantiu que se está "a trabalhar a todo o vapor" e que recebe "notícias dia a dia, em catadupas", sobre esta matéria.
Interrogado sobre o ponto da situação da certificação e pagamento das dívidas de Angola às empresas portuguesas, o chefe do Estado respondeu: "Vão ver amanhã [quarta-feira] e nos próximos dias como continua a trabalhar-se no sentido de ir o mais longe possível, é um processo que não para." Referindo-se aos embaixadores nos dois países, ali presentes, afirmou: "Eles sabem e eu sei, porque ia recebendo notícias dia a dia, em catadupas, não imaginam, em catadupas - não havia capacidade de leitura que conseguisse abarcar tanta realidade - do esforço que ia sendo feito a todos os níveis, departamentos ministeriais, governos províncias, entidades autónomas, instituições públicas que não o Estado clássico."
Palavras estas que foram ao encontro das do presidente angolano que nesta segunda-feira vincou que "o montante da dívida varia consoante os momentos. Desde a minha visita a Portugal até aos dias de hoje temos vindo, gradualmente, a reduzir esse valor. Nos próximos dias vamos fazer mais um pequeno esforço no sentido reduzir ainda mais esse valor. O importante é que toda a dívida é para ser paga desde que o devedor reconheça que deve e Angola reconhece que deve. Ao nível das equipas ministeriais tem havido um trabalho, quase permanente, no sentido do reconhecimento da dívida".
Assim, as primeiras horas de Marcelo Rebelo de Sousa já levam muito que contar.
Depois destas declarações político-diplomáticas, o Presidente português mostrou o seu lado mais afetuoso para com as pessoas, mas também o mais difícil de gerir para quem está na retaguarda.
Quando saiu do Aeroporto 4 de Fevereiro, Marcelo tinha como objetivo chegar ao hotel para depois seguir para o jantar comemorativo dos 65 anos de João Lourenço. Não foi isso que aconteceu.
Passando perto da Nova Marginal de Luanda, onde decorriam os desfiles de Carnaval, o presidente parou a caravana e, momentos depois, já estava sentado na tribuna oficial junto ao vice-presidente da República, Bornito de Sousa, que ali se encontrava em representação do chefe do Estado angolano, governantes e convidados, e acompanhou o desempenho dos grupos Etu Mudietu e Juventude do Kapalanga.
Hoje, quarta-feira, o Presidente português começa oficialmente a visita que será dividida entre a capital angolana e as províncias de Benguela e Huíla.
O programa de hoje arranca de manhã, com a deposição de uma coroa de flores no Memorial Agostinho Neto e um encontro com João Lourenço no Palácio Presidencial, onde haverá igualmente conversações ministeriais, seguido de uma conferência de imprensa conjunta.