Manuel José diz que Egito é um barril de pólvora
Foi naquela cidade no nordeste do Egito, faz esta sexta-feira um ano, que Manuel José, atual treinador do Persepolis do Irão, viveu aquele que considera o "momento mais dramático" da sua vida.
"É extremamente difícil esquecer aquilo que aconteceu. Tive muita sorte dentro daquela infelicidade toda, senão tinha lá morrido também", disse à agência Lusa o português de 66 anos, ao lembrar o "massacre" que, a 01 de fevereiro de 2012, deixou 74 mortos e centenas de feridos.
Os incidentes no estádio de Port Said começaram logo que o árbitro deu por terminado o jogo em que os anfitriões do Al-Masry impuseram a primeira derrota da temporada ao Al-Ahly, na altura orientado por Manuel José.
Ao arremesso de pedras, tochas e garrafas nas bancadas sucedeu-se uma invasão de campo por parte dos adeptos da equipa vencedora, que rapidamente degenerou em violentos confrontos.
Uma massa em fúria levou tudo à frente, obrigando jogadores, equipas técnicas e adeptos a correrem pelas suas vidas e refugiarem-se nos balneários.
"Vi pessoas com espadas e facas à minha volta. Não consegui chegar ao balneário, onde cerca de 350 pessoas encontraram refúgio, incluindo muitos adeptos feridos. Cinco acabaram por morrer na cabine, foi um dia terrível", lembra Manuel José, que foi agredido com socos e pontapés.
Os incidentes levaram à suspensão do campeonato de futebol egípcio e, um ano mais tarde, continuam a ter graves repercussões na já frágil situação politica e social do Egito.
No passado sábado, 21 dos 73 homens acusado de envolvimento no massacre foram condenados à pena capital por um tribunal egípcio.
A sentença foi conhecida um dia após se ter assinalado o segundo aniversário da revolução que derrubou Hosni Mubarak e numa altura em que os ânimos já se encontravam exaltados nas ruas de várias cidades egípcias.
Enquanto muitos festejavam, centenas de familiares dos condenados e apoiantes do Al-Masry tentaram invadir a prisão de Port Said. Mais de três dezenas de pessoas morreram nos confrontos que se seguiram.
A violência também tomou conta de Suez e Ismailiya, "cidades próximas uma das outras e que têm um antagonismo muito grande ao Cairo e ao Al-Ahly", explica o técnico luso.
Manuel José considera a sentença "dura, mas justa" e lembra que a "maioria das pessoas assassinadas eram miúdos na casa dos 15 aos 25 anos."
Se a sentença tivesse sido "benevolente para com os responsáveis" os confrontos ter-se-iam registado "no Cairo, já que os ultras do Al-Ahly teriam arranjado uma grande confusão". Sem "uma sentença exemplar ia morrer gente, não tenha dúvida nenhuma", apontou.
Manuel José lamenta que o Egito, onde se sentiu "em casa durante oito anos" e para onde um dia espera regressar, esteja novamente transformado num "autêntico barril de pólvora".
O técnico português considera que os próximos anos vão ser "muito difíceis" porque a extrema pobreza e a ignorância do povo egípicio continua a ser "instrumentalizada" pelo poder político e religioso.
Afirma-se "especialmente preocupado" com o crescente peso que os extremistas religiosos estão a ter no país e também no executivo de Mohammed Morsi. "Com um governo islâmico aquilo nunca mais anda para frente", considera.