Mamadou Ba continua a receber ameaças e pede proteção policial
Em foco no meio da agitação social provocada pelos recentes incidentes no Bairro da Jamaica, Mamadou Ba, dirigente do SOS Racismo e assessor parlamentar do Bloco de Esquerda, disse ao DN que vai formalizar pedido de proteção face aos insultos e ameaças que tem recebido.
O ativista, que reagiu aos incidentes entre a polícia e uma família do Jamaica com um texto na rede social Facebook em que se referiu à polícia como "a bosta da bófia", esteve presente na manifestação contra o racismo que decorreu esta sexta-feira, em frente à Câmara Municipal do Seixal, e revelou que vai pedir proteção policial devido ao escalar das ameaças. "É triste, mas é verdade. Continuo permanentemente a receber mensagens a insultar-me e ameaçar-me. Não percebo porquê. Nunca imaginei que isto pudesse ganhar esta dimensão", queixa-se.
"Há figuras públicas que agora me transformaram num saco de boxe. Há até generais na reserva a apelar à minha expulsão do país. Como seu eu não pudesse exercer a minha cidadania", disse, recusando ter contribuído para inflamar as posições nos dias seguintes aos incidentes no Jamaica. "Não me parece. A natureza das imagens [do vídeo da carga policial que foi divulgado] não deixa dúvidas. Não entendo que um vernáculo possa extremar mais as coisas do que uma carga policial".
Para o assessor parlamentar do BE, o motivo desta manifestação é precisamente "denunciar o racismo institucional que existe na sociedade portuguesa".
A atuação das forças policiais foi mesmo o principal "alvo" dos participantes na manif do Seixal, que arrancou com meia hora de atraso em relação ao previsto, já depois das 16 horas, e foi decorrendo de forma tranquila em frente ao edifício da Câmara local.
Cerca de 100 manifestantes marcaram presença, perante um aparato de segurança com perto de quatro dezenas de agentes policiais, com destaque para a presença da Unidade Especial de Polícia. Os acessos à zona da câmara foram fechados e várias barreiras colocadas junto à entrada principal do edifício, para o controlo de uma manifestação que suscitou o interesse internacional, com alguns media estrangeiros presentes.
Entre os manifestantes estiveram vários elementos ligados à associação SOS Racismo, como José Falcão e o assessor do Bloco de Esquerda Mamadou Ba, e puderam ler-se cartazes com frases de ordem como "Queremos a polícia fora das nossas vidas", "Contra o racismo de Estado, punição de crimes", "Racismo mata" ou "Queremos justiça".
De megafone em punho, o primeiro manifestante a tomar a palavra justificou a manif com "a violência policial que nos últimos anos tem afetado os bairros da periferia" e que teve o mais recente episódio no Bairro da Jamaica, no Seixal, com uma família a queixar-se de intervenção policial violenta.
Depois, foi a vez de Vicente, morador no bairro há 23 anos, dar o seu testemunho: "Estão a passar a ideia de que os polícias são sempre bons, o que não é verdade. Os polícias não foram recebidos à pedrada, como têm dito", começou por dizer, queixando-se de que "as intervenções policiais no Bairro da Jamaica nunca são iguais às que são feitas noutros bairros."
A polícia era o foco de revolta dos manifestantes. "Se a polícia chegasse e cumprimentasse as pessoas para as identificar, seria também cumprimentada. Mas não é o caso. Quando chegam lá vão logo para a violência", continuou Vicente, pedindo que "os polícias que agrediram barbaramente aquela família sejam castigados".
No final da intervenção de Vicente, ouviram-se as palavras de ordem desta manifestação: "Racismo nunca mais", "Fascismo e racismo no pasarán [não passarão]", "Nem menos, nem mais, direitos iguais". E o megafone passou de manifestante em manifestante, entre os que se quiseram fazer ouvir.
"Isto não foi um caso isolado. Um polícia que pisa um cidadão no chão é um polícia de bosta", disse um dos intervenientes.
Em declarações ao DN, Sandra Cunha, dirigente do Bloco de Esquerda (o único partido com assento parlamentar que esteve no protesto) aponta a existência de um "racismo institucional em Portugal que afeta os serviços e a administração pública", sublinhando a necessidade de "maior formação nas escolas". E sobre as polícias, lembra um relatório do Conselho Europeu divulgado em outubro passado "que concluía que há racismo nas polícias portuguesas".
A manifestação acabou ao fim de pouco mais de duas horas, sem registo de incidentes. Fez-se um minuto de silêncio pelas vítimas de racismo do mundo inteiro, levantaram-se os punhos ("não nos ajoelharemos") e mostraram-se folhas A4 com todos os nomes das vítimas de brutalidade policial nos últimos anos, para demonstrar que "o Jamaica não foi um caso isolado".
Este foi um protesto marcado por várias associações que quiseram mostrar o descontentamento que dizem existirem em relação à atuação da polícia e ao racismo que garantem sentir. Apesar de surgir na semana da operação policial no Bairro da Jamaica nem a família agredida nem a associação de moradores estiveram envolvidos e presentes no protesto.
A manifestação desta sexta-feira marca o fim de uma semana de protestos e vandalismos na Área Metropolitana de Lisboa que se iniciaram após ser conhecido no domingo (20 de janeiro) um vídeo onde se vê uma operação da PSP no Bairro da Jamaica (Seixal) em que os agentes agridem elementos de uma família.
Os desacatos começaram com uma rixa entre duas mulheres e uma delas chamou a polícia. Na sequência desse incidente um agente da polícia e cinco moradores tiveram de receber assistência médica e um jovem foi detido e acusado de resistência e coação a funcionário, crime que pode ser punido com pena de prisão até cinco anos.
Depois de serem conhecidas as imagens surgiram várias reações - politicas e de associações de defesa de imigrantes - e atos de vandalismo como incendiar caixotes do lixo e um autocarro (em Setúbal) e o arremesso de três cocktail molotov contra a esquadra da PSP do Bairro da Bela Vista.
E logo na segunda-feira uma manifestação de apoio aos moradores do Bairro da Jamaica que começou no Terreiro do Paço terminou com vários incidentes entre um grupo que saiu do protesto e desfilou pela Avenida da Liberdade. Neste final de tarde foram atiradas pedras a carros (da policia e que passavam na avenida) e disparadas balas de borracha, com um dos jovens a ser atingido na cara. A PSP deteve quatro pessoas, tendo três já cadastro e ficha na polícia. Já no caso do fogo posto em caixotes em Setúbal, a polícia identificou três menores.