Mallu Magalhães tem 26 anos e chama-se na verdade Maria Luiza, nome que deu à filha pequena, Luísa, que tem com o também músico Marcelo Camelo. Há cinco anos, os dois mudaram-se para Lisboa, cidade onde ela gravou o seu último disco Vem, que agora leva aos coliseus..Antes de começarmos, de telefone na mão, conta que Marcelo lhe está a perguntar a que horas almoçam. A conversa haveria de manter muitas vezes este tom quotidiano, pois ainda que Mallu Magalhães tenha uma carreira que começou há 11 anos, que a sua música passe nas novelas e tenha milhões de visualizações no YouTube, ou que quase não haja lisboeta (não vale a pena falar dos brasileiros, que a conheceram menina) que não a conheça, a cantautora paulista fala do seu bairro, da rádio que ouve quando viaja aos fins de semana, ou do curso superior em que acaba de se inscrever. Pelo meio, percorre a carreira que começou no MySpace com canções em inglês, os bares a cantar Johnny Cash, a aventura meio portuguesa e rock da Banda do Mar, ou o seu processo de composição "em fogo baixo" desde que foi mãe..Neste sábado Mallu Magalhães estará no Coliseu dos Recreios, em Lisboa, e no sábado seguinte no Coliseu do Porto..Li que tem feito música no computador para não acordar a sua filha pequena..É verdade, mas a minha produção no computador está meio falida. Eu me divirto e acho que fica bom. De noite, parece ótimo. Aí quando vou ouvir de dia, não sei... É uma relação amor ódio com essas produções experimentais. Fico fazendo uma voz em cima da outra, loops de linha melódica, loop de voz, um em cima do outro. Fico brincando de lego na canção. Eu me divirto imenso, adoro. Aí quando componho uma canção clássica no violão, com começo meio e fim, aquela canção com a letra inteira, eu gosto também. Acho que ia ficar um disco meio doido. Estou na dúvida..Mas começou por fazê-lo por razões apenas práticas?.Totalmente. Porque dá para fazer em qualquer lugar, em qualquer. Quando a Luísa era muito pequenininha, o bebé recém-nascido dorme muito [e acordava com o violão]. Mesmo agora se eu estou em casa e ela ouve violão quer tocar também ou pede para parar para ver televisão. No computador ponho phones e ela nem repara..Esteve recentemente no Brasil. Como foi levar lá a tournée do Vem?.Foi ótimo. Eu vou muito e já tinha ido com este disco. É o meu país e tem sempre essa identificação e essa conexão muito forte. Pude ir a algumas casas noturnas, que dão uma injeção de adrenalina. Gosto muito de fazer show em teatro, é mais delicado, dá para trabalhar as nuances da canção, mas é bom fazer casa noturna no meio. Você se sente meio a fazer uma coisa histórica. No teatro, como as pessoas não se exaltam, às vezes você faz o show e não entende se as pessoas estão gostando ou não..É um público mais contido?.Sim. Às vezes as pessoas vêm falar comigo: Nossa, foi o melhor show da minha vida. E eu fico: Sério? Ao mesmo tempo, se faço muitas casas noturnas seguidas penso: Nossa, eu queria um teatro..Porquê agora os coliseus? Festeja também assim os seus cinco anos em Portugal?.Surgiu essa ideia e eu disse: Vamos lá. Também festeja os cinco anos. Estou um pouco surpresa. Achei legal mas eu só tinha estado lá no [Vodafone] Mexefest [no Coliseu dos Recreios], nunca tinha ido num show. Aí fui ver o Chico Buarque, achei enorme, uma loucura. Quem foi que marcou o show? Esse lugar é gigante. Falei: meu Deus será que vai dar certo? Caramba....A vossa vida mudou muito ao longo destes cinco anos em Lisboa?.Agora já estou safa, já tenho o guarda-sol no carro, já sei quais são as melhores praias, os supermercados que ficam abertos até tarde. Lisboa também mudou muito. Eu lembro que o El Corte Inglés era o sítio onde encontrávamos produtos raros. Agora vários lugares têm produtos do mundo. Senti que deu uma crescida na oferta. Antes, no meu bairro tinha o Pingo Doce e um café. Agora tem mercearia, loja de açaí, tapioca....A relação com os músicos portugueses foi-se intensificando? Começaram com o Fred Ferreira, no trio Banda do Mar..Fomos fazendo mais amigos, ouvindo mais música, porque aqui a gente ouve mais na rádio. A gente vai levar a Luísa na escola ou passear no fim de semana, liga o rádio e escuta música. E além disso é interesse mesmo. Acho que você se relacionar com a música nacional é criar memórias com aquelas canções..Quando vieram, vinham à procura de quê?.Acho que foi primeiro uma curiosidade pessoal de ser um país muito bonito, interessante, muito diferente, ao mesmo tempo muito acolhedor. A gente sentiu que dava para trabalhar aqui, descansar também. Acabámos ficando, mas a gente viaja tanto... Mesmo com a Luísa. Ela não nota como é longe. Ela fala no WhatsApp com os meus pais e fala: Vovó, posso ir na sua casa hoje? Não percebe que há nove horas no meio..Como é que ela entrou na sua música? Há canções mais óbvias nesse sentido, como Casa Pronta..Entrou muito. A música tem muito que ver com a intensidade das experiências vividas. Ela gera essa necessidade de manifestação, de exteriorizar um sentimento e assim nasce a composição. Tudo o que mexe comigo gera uma canção, e a maternidade é uma experiência superintensa e de fases. Agora estou numa de que estou gostando muito mais. Ela é alegre, muito viva, sabe? A gente corre, brinca, a gente leva ela para viajar e passear e ela aproveita as coisas, fala. O bebé tem toda a intensidade daquela coisa pequena que você não sabe o que fazer, e aquele desespero do primeiro filho. E estando noutro país: nossa, será que ela tem frio? A maternidade é um buffet de sentimentos. Para a composição é ótimo. Tem muito menos tempo, mas também sinto que quando sento para compor eu sou muito mais certeira. Sinto que a minha cabeça e o meu coração vão tratando de curar, como se deixasse em fogo baixo, aquilo vai virando um caldo e quando eu sento para compor parece que sai só a essência. Acho que a composição talvez aconteça mesmo quando eu não sei que ela está acontecendo. Está lá viva. É curioso..Que espécie de disco é o Vem?.Curioso. O Vem foi pós-Banda do Mar, que foi um acontecimento muito interessante na minha vida. Eu comecei tocando muita música americana quando tinha 15 anos, então fazia muito bar, casa noturna, e ficava tocando Johnny Cash, a minha banda gostava muito de James Brown. A gente tocava música muito barulhenta e impactante, música mais física, mais rock. E aí teve a Banda do Mar, que era muito banda do rock. Eu vim dessa experiência com todo esse gás. O Vem nasce do meu leque de composição, que é sempre mais delicado, para bem ou mal, mais subtil, mas com essa garra da Banda do Mar. É um disco curioso, meio que um gato bravo..Vai mostrar canções novas nestes concertos?.Sim, duas no mínimo, com certeza. Parece que quando não toco para ninguém [o que compõe] não tem graça. Fico tocando em casa e aí parece que a música já está velha e eu não mostrei para ninguém..Foi assim que começou no MySpace?.Sim, eu queria tocar. Imagina: você faz um quadro todo bonito e vai deixar lá guardado? Dá para alguém pôr na parede..Há quase 11 anos não era tão comum alguém começar numa plataforma da internet..É. Eu me lembro de que fui dos primeiros hippies da internet no Brasil. E era um hippy meio incompreensível, um troço meio fora da curva: uma menina de 15 anos cantando canções em inglês... Depois comecei a construir uma carreira, que também é um jeito desafiador de a construir, porque você chega com história. Isso é a saga do músico, do artista. Não tem jeito, ainda mais com a internet: seu passado está ali..Não a incomoda?.Não, é um desafio. Eu acho que essa ilusão assética de que você pode dizer "agora não sou mais isso" é negar uma coisa natural que é o tempo. Não tenho nenhuma vergonha. Sinto muito orgulho da minha trajetória, das minhas escolhas. Acho que sempre fiz as coisas da melhor maneira que pude na época. Mas claro que tem sempre arrependimentos e coisas que faria diferente..Vi que vai estudar..É verdade. Começo agora no mês que vem. Vou estudar inovação na moda e no design. Ó que louca..Para fazer o quê?.Não sei. Vi o curso na internet e achei ótimo, superinteressante. Saí da escola cedo. Dizia para mim: Nunca estudei, que tristeza; vou fazer um curso superior, me qualificar na vida. O Marcelo disse: você tem de fazer. Fiquei pensando, pensando. Quer saber? Vou fazer. Tenho duas pessoas que me ajudam muito em casa, a D. Paula e a Joana, e elas ficaram tão felizes que eu falei: Vou lá obter informações. Fiz uma reunião com a coordenadora. Ela falou, falou, e eu falei, falei. No final, ela disse: Muito bem, você está elegível. Saí pensando naquilo: eu estou elegível. Fiquei tão emocionada com aquela classificação que me inscrevi. E agora vou fazer o curso. O destino foi-me empurrando e eu falei: Está bom destino, você venceu.