Mais uma morte de Trotsky
Uma picareta para escaladas em montanhas cobertas de gelo foi a arma que Ramon Mercader usou para matar Trotsky no exílio mexicano. O agente secreto de Estaline, um comunista espanhol que também se identificava como sendo o belga Jacques Monard ou o canadiano Frank Jackson, ganhou a confiança do revolucionário russo através de uma secretária americana deste, da qual se tornara amante. E num momento em que estava a sós com Trotsky no escritório da casa na Cidade do México enfiou-lhe a picareta no crânio.
Esteban Volkov Bronstein, neto de Trotsky, tinha 14 anos e estava lá naquele 20 de agosto de 1940. Tentaram que não visse a picareta enfiada na cabeça do avô, que não só continuava vivo como pediu aos seus guardas que não matassem Mercader, antes o entregassem à polícia mexicana para ser interrogado. No dia seguinte, 21 de agosto, Trotsky sucumbiu aos ferimentos.
Esteban, cujo nome russo original era Vsevolod, e também era conhecido como Sieva pelos próximos, morreu na sexta-feira, na Cidade do México, onde a casa do avô ainda existe e é um museu dedicado ao pensamento de Trotsky. Tinha 97 anos e uma vida trágica. Nascido em Ialta, andou de país em país até chegar ao México, que mais tarde lhe deu a nacionalidade. Viu o avô ser morto por um agente soviético, mas já antes outros familiares tinham sofrido a violência estalinista, com o pai a ser executado e a mãe, filha mais velha de Trotsky, a suicidar-se. O tio com quem chegou a viver depois da morte da mãe morreu provavelmente envenenado.
Fiel à memória do avô, que amava e admirava, com Esteban acaba de certa forma uma época. O trotskismo ainda existe como ideal, basta ver as publicações mundo fora que noticiaram a morte do neto do revolucionário russo, e a personagem continua a originar documentários, séries televisivas, até filmes com mais ou menor rigor histórico, e livros. Muito se pode igualmente debater como teria sido a União Soviética se Estaline não se tivesse imposto sobre Trotsky, que foi muito mais importante no triunfo da Revolução de Outubro. Também, já agora, é tentador especular sobre como teria sido o século XX a nível mundial se o preferido de Lenine tivesse sido o sucessor. Mas o mais importante, e que fica como lição, é como um homem que poderia ter sido tudo, e chegou a exercer um poder imenso, se tornou um fugitivo em vida, e depois da morte um farol que nunca alumiou mais do que umas minorias mundo fora, por muito intelectuais e bem-intencionados que sejam na defesa de um comunismo historicamente diferente, de uma democracia socialista.
Com a morte de Esteban Volkov Bronstein (não esquecer que Trotsky era um nome de guerra), morre mais uma vez Trotsky. Falei há pouco de filmes e livros. Há muitas biografias de valor sobre a némesis de Estaline, mas recomendo para os não-iniciados, e para os outros também, um romance extraordinário do cubano Leonardo Padura: O homem que gostava de cães.