É uma espécie de ciclo da história a fechar-se e um ajuste de contas com raízes profundas que sobreviveram. 45 209 descendentes de judeus sefarditas expulsos pela Inquisição há cinco séculos pediram a nacionalidade portuguesa, desde que, a 1 de março de 2015, entrou em vigor a lei que lhes dá esse direito de retorno..De acordo com os últimos dados do Instituto de Registos e Notariado (IRN), a que o DN teve acesso, só neste ano entraram 18 604 processos - o maior número de todos os anos anteriores, só contabilizando ainda nove meses..Este aumento pode ainda ser maior, uma vez que Espanha, que tinha uma legislação semelhante, fechou essa abertura no passado mês de outubro. As autoridades espanholas optaram por limitar a três anos, prolongáveis para cinco, a possibilidade de descendentes de judeus expulsos do país poderem restaurar a nacionalidade espanhola. Em Portugal não há limite de tempo..Do total dos 45 209 requerimentos, o Ministério da Justiça já autorizou a nacionalidade portuguesa a 9321 pessoas, negou a 29 e está a analisar ainda 35 859. Segundo o DN conseguiu apurar junto de fontes da Comunidade Israelita de Lisboa (CIL) - que não quis prestar declarações -, a maior parte das pessoas não querem, para já, residir em Portugal..No primeiro ano de entrada em vigor da legislação, aprovada pelo governo PSD-CDS de Pedro Passos Coelho e promulgada pelo Presidente da República Aníbal Cavaco Silva, o IRN recebeu 466 processos. A "corrida" começou a aumentar nos anos seguintes: 5100 em 2016, 7044 em 2017, 13 872 em 2018, e até final de setembro deste ano já foram registados mais 18 604..Séculos de história recuperados.A palavra sefardita tem origem em sefarad, que quer dizer Península Ibérica, e os judeus sefarditas estavam estabelecidos nesta região geográfica. Expulsos primeiro de Espanha (Édito de Alhambra de 1492), e depois de Portugal, pelo rei D. Manuel, a partir de 1496, fugiram e estabeleceram-se em vários países como a Holanda, o Reino Unido, a Turquia e países do norte de África. Mais tarde, várias comunidades instalaram-se também, entre outros, nos EUA, Brasil, Argentina e México..Muitas destas comunidades foram mantendo ao longo dos séculos as tradições portuguesas do culto judaico, passando as suas histórias aos descendentes - quer oralmente quer muitas vezes através de documentos escritos..A maioria dos descendentes que querem reencontrar as suas raízes e ter um passaporte português, com acesso à União Europeia, residem em Israel, Turquia e Brasil. Mas também há da Argentina, Estados Unidos ou Reino Unido. Uma diáspora, como frisa ao DN a historiadora Esther Mucznik, "cheia de histórias de uma enorme resiliência"..Mucznik esteve envolvida na preparação do diploma e sublinha que "o que interessa é a origem judaica sefardita das pessoas, não a sua situação atual", revelando que "há também casos, embora uma minoria, de cristãos e muçulmanos a pedirem a nacionalidade através deste processo"..Trata-se de descendentes de judeus sefarditas expulsos que, por perseguição ou porque fugiram para países onde não lhes era permitido o culto judaico, acabaram por se converter à religião dominante do país de destino - apesar de, em muitos casos conhecidos (na Turquia, por exemplo, os donmeh, com uma comunidade que pode atingir os cem mil), manterem em segredo a tradição e a transmitirem de geração em geração. "A história não se apaga e, como se vê, a assimilação forçada está destinada ao fracasso", sublinha Esther Muczik..Passado certificado pelas comunidades israelitas.A elevadíssima taxa de deferimento deve-se em boa parte ao facto de, quando chegam ao IRN, os processos conterem já uma validação da Comunidade Israelita do Porto ou de Lisboa - que verificam e atestam toda a história passada das famílias que pedem a nacionalidade..Há uma equipa de historiadoras a trabalhar com as comunidades. São analisados e verificados árvores genealógicas, livros, documentos e ouvidas as histórias que foram passadas oralmente pelas famílias..A legislação indica algumas pistas, entre as quais os apelidos que podem ser considerados como de origem judaica. Por exemplo, na diáspora da Holanda e do Reino Unido ainda existem apelidos de matriz portuguesa, como Abrantes, Aguilar, Brito, Bueno, Henriques, Prado, Mesquita, Pinheiro, Rosa, Sarmento, Silva ou Teixeira..Da América Latina, ainda persistem apelidos como Bravo, Carvajal, Guerreiro, Leão, Leiria, Lousada, Osório, Pimentel, Querido, Rei ou Viana. Noutras regiões do mundo, existem igualmente descendentes de judeus sefarditas de origem portuguesa que conservam também outros nomes como Cáceres, Caetano, Elias, Estrela, Gaiola, Machado, Mascarenhas, Mota, Moucada, Paiva, Vaz ou Vargas..Quais as exigências?.As regras e os documentos necessários para levar o pedido ao IRN estão no site da Comunidade Israelita de Lisboa (CIL). Por cada pedido são cobrados 250 euros. A CIL sistematizou o processo em quatro etapas:.ETAPA I - Requerer a certificação na CIL.O "ónus da prova" recai sobre o requerente, que deve reunir dados de todos os tipos, "que demonstrem a linhagem direta ou colateral de um parente comum, provando a tradição familiar de pertença a uma comunidade sefardita de origem portuguesa"..De facto, como um grande número de judeus espanhóis migrou para Portugal quando foram expulsos de Espanha (cerca de 60 mil), os candidatos que provarem a ascendência sefardita de famílias conhecidas como tendo vivido em Portugal também poderão ser aceites, mesmo sendo descendentes de judeus expulsos de Espanha..Para fazer esta avaliação a CIL tem à sua disposição:.Uma comissão administrativa - para responder a todas as perguntas, receber e realizar uma análise prévia da documentação. Pode encontrar os contactos mais abaixo..Uma comissão de análise - formada por especialistas em genealogia sefardita e percursos migratórios históricos da diáspora judaica ibérica - para analisar e avaliar os meios de prova apresentados..Uma comissão de certificação - para emitir e enviar os certificados aos respetivos candidatos ou representantes legais..Os meios de prova podem ser:.Pessoais - nome de família, registos e documentos (incluindo fotografias, vídeos e ficheiros áudio) de cerimónias da família, casamentos, funerais, registos em comunidades judaicas, certidões de nascimento, registos de propriedade, bibliografia e citações de livros, documentos do arquivo inquisitorial e semelhantes..Genealógicos - Ao pedido da certificação da tradição de pertença judaica sefardita para a obtenção da nacionalidade portuguesa tem de ser anexada a dita árvore genealógica com indicação das datas e locais de nascimento, óbito e casamento dos ascendentes..ETAPA II - Requerer a nacionalidade portuguesa do Ministério da Justiça.O requerimento deve ser apresentado nos serviços na Conservatória dos Registos Centrais em Lisboa.Entregar a cópia integral do passaporte do requerente; certificado de residência; certificado de nascimento emitido nos últimos seis meses; registos criminais dos países em que o requerente nasceu e residiu durante mais de um ano, emitidos dentro de um prazo de nove meses..Qualquer pena com crime punível em Portugal, com três anos ou mais de prisão efetiva, anula a legitimidade do requerente no exercício do exposto decreto-lei..ETAPA III - Adquirir o Cartão de Cidadão/passaporte.Com a concessão da nacionalidade, a Conservatória dos Registos Centrais irá emitir e remeter para o endereço do requerente o assento de nascimento. O Cartão de Cidadão, bem como o passaporte português, deve ser solicitado e emitido no consulado português mais próximo.