Maioria dos estádios falha na proteção contra incêndio e oferece "risco direto para os espetadores"
O resultado das auditorias aos estádios dos clubes da I Liga, indica que "todos os recintos visitados", 10 dos 18 que vão integrar o campeonato 2020-21, revelaram "situações de incumprimento" regulamentar. Ao todo são mais de "três centenas" de falhas. A falta de realização de inspeções regulares, no âmbito do Regime Jurídico da Segurança Contra Incêndios em Edifícios é a mais crítica: Há "situações que necessitam de ser resolvidas com a maior urgência, na medida em são suscetíveis de constituir risco direto para os espetadores", segundo o documento publicado a 20 de julho. Apesar de nenhum estádio ter sido chumbado., todos foram já notificados para corrigir "desconformidades".
O documento do grupo de trabalho criado, após despacho conjunto do Ministro da Administração Interna e do Ministro da Educação, para avaliação da violência associada ao desporto em Portugal, com representantes da Autoridade de Prevenção e Combate à Violência no Desporto (APCVD), GNR, PSP, ANEPC e Ponto Nacional de Informações sobre o Desporto (PNID), não especifica os problemas de cada estádio, remetendo mais explicações para relatório técnico. No entanto o DN sabe que entre as infrações frequentes estão a falta de medidas preventivas e planos de emergência internos, além da existência de materiais inflamáveis e a ausência de sistema de comunicações ou vias horizontais e verticais de evacuação, bem como a débil localização de acesso à água (bocas de incêndio) e a ausência de simulacros.
Segundo o relatório, o cenário de pandemia obrigou a interromper este tipo de inspeções. Assim há dez recintos já inspecionados, sete estão aprovados para a próxima época, dois estavam com inspeções em curso e um já notificado para proceder a alterações (Rio Ave). Entre os recintos já vistoriados e com parecer favorável estão o Estádio da Luz, o Estádio do Dragão, o Estádio Municipal de Famalicão, o Estádio Cidade de Barcelos, o Parque Desportivo Comendador Joaquim Almeida Freitas, o Estádio D. Afonso Henriques e o Estádio João Cardoso. O Estádio José Alvalade e o Municipal de Braga estavam com inspeções em curso à data da finalização do relatório.
Depois há mais dez estádios com inspeção em falta (Portimão Estádio, Estádio Nacional, Complexo Desportivo do Desp. Aves (desceu de divisão), Estádio do Bessa, Estádio Capital do Móvel, Estádio do Bonfim (desceu de divisão) e Estádio do Sporting Clube Farense) e os recintos da Madeira (Marítimo e Nacional) e Açores, que serão supervisionados pelas autoridades regionais. Há ainda uma inspeção agendada para o Estádio do Algarve, para o caso do São Luís chumbar e o Farense, que subiu de divisão ter de jogar lá.
Entre os problemas reportados estão a ausência do registo de regulamento de segurança ou da obtenção de parecer positivo às medidas de autoproteção, bem como "as deficientes condições de segurança, proteção e serviços que oferecem aos espetadores". O sistema de videovigilância de grande parte dos recintos é deficitário e não permite uma utilização eficaz na identificação dos comportamentos indevidos e na responsabilização dos infratores, medida considerada vital pelo grupo de trabalho.
O relatório recomenda "melhoria das condições de atuação das Forças de Segurança no recinto desportivo, nomeadamente no acompanhamento dos controlos de acesso ao recinto e na "boa coordenação das operações de segurança nos eventos". É ainda recomendado que os clubes "melhorem as condições de hospitalidade aos espetadores", de forma a diminuir possíveis situações de conflito dentro ou fora do estádio. "Entende-se pertinente reforçar a necessidade dos promotores dos espetáculos desportivos e proprietários dos recintos entenderem a melhoria das condições de segurança, proteção e serviços, não como um custo adicional, mas como um investimento que poderá trazer mais espetadores aos recintos desportivos, em função da perceção positiva por parte do público, das condições que lhe são oferecidas", refere o documento.
E perante o quadro de pandemia que se vive, propõem que seja feito um "reforço da segurança e a melhoria das condições higiénicas e sanitárias, nomeadamente no que diz respeito às condições de atuação das Forças de Segurança e à garantia de funcionamento em perfeitas condições, dos sistemas de videovigilância".
"Os proprietários dos recintos" estão a ser informados das situações de incumprimento verificadas, bem como instados a proceder às correções e melhorias necessárias, de forma a estarem prontas para o início da próxima época desportiva (setembro).
O fenómeno da violência associada às manifestações desportivas preocupa as autoridades envolvidas no grupo de trabalho. Em termos comparativos, o número total de autos, reportados pelas forças de segurança, cresceu 20% no período de julho de 2019 a janeiro de 2020, em comparação com o período homologo da época anterior. Apesar de ainda não haver números gerais desta época, em 2018-2019, 87 % das ocorrências estiveram relacionadas com futebol, 54 %, na I Liga. Traduzido em números, regista-se o número total de 1838 incidentes em jogos do principal campeonato -1177 relacionados com a posse e uso de artefactos pirotécnicos, por parte dos adeptos. Esta época, só na primeira volta, registou-se 514 incidentes com tochas, foguetes, petardos e similares, apesar de se verificar uma redução comparativamente a período homólogo da época 2018-2019 (602 incidentes).
Por isso mesmo, o grupo de trabalho propõe "a criminalização da posse e uso de artefactos pirotécnicos" e recomenda a implementação de uma campanha de sensibilização e de prevenção, considerando a sua perigosidade e a sua elevada frequência com enfoque nos riscos e perigos para a saúde.
Destaque ainda para o crescimento dos casos de racismo detetados. Só na primeira volta do campeonato foram 22, contra os 6 da época anterior. O caso mais visível e mediático foi o de Marega, no Estádio D. Afonso Henriques. No dia 17 de fevereiro, o jogador do FC Porto decidiu abandonar o relvado durante o jogo da 21.ª jornada da I Liga devido a insultos racistas vindos das bancadas. Caso ainda está nas instâncias disciplinares desportivas.
No total, no decorrer da presente época desportiva e até ao passado dia 2 de julho, foram comunicadas ao Ponto Nacional de Informações sobre Desporto (PNID) 187 medidas de interdição de acesso a recinto desportivo, das quais 127 são judiciais e 60 são medidas administrativas, aplicadas pelos tribunais e pela APCVD. Um aumento muito significativo do número de medidas de interdição de acesso a recintos desportivos, apesar da suspensão das competições, verificada entre 12 de março e 3 de junho, devido à pandemia, e do campeonato ter sido terminado, no final de julho, sem público nas bancadas. Isto, tendo em conta que em toda a época desportiva 2018-2019 foram comunicadas apenas 20 medidas de interdição.
Até dia 2 de julho, as medidas de interdição ativas - pessoas impedidas de entrar em recintos desportivos - eram 163, o máximo alguma vez registado.