Madrid passa a apoiar Rabat no Sara Ocidental
A Casa Real marroquina tornou pública uma carta enviada pelo primeiro-ministro espanhol ao rei Mohammed VI segundo a qual Pedro Sánchez considera o plano marroquino para o Sara Ocidental "a base mais séria, realista e credível para a resolução do litígio". Este anúncio marca uma viragem histórica no papel do antigo colonizador e abre caminho para a total normalização das relações entre Rabat e Madrid, à custa da Frente Polisário e das resoluções da ONU para a resolução do conflito.
O governo espanhol anunciou, por sua vez, o início de "uma nova etapa" no relacionamento com Marrocos, "baseado no respeito mútuo, cumprimento de acordos, ausência de ações unilaterais e transparência e comunicação permanente", escreveu em comunicado. "Esta nova etapa será desenvolvida (...) num roteiro claro e ambicioso. Tudo isto para garantir a estabilidade, soberania, integridade territorial e prosperidade dos nossos dois países", acrescentou.
Depois de receber a carta de Sánchez, Rabat saudou os "compromissos construtivos" da Espanha com o Sara Ocidental, no centro de uma crise diplomática entre os dois países. As relações diplomáticas estão paralisadas há quase um ano depois de a Espanha ter franqueado a entrada no país ao líder da Frente Polisário, Brahim Ghali, que esteve hospitalizado na Catalunha.
Por sua vez, a Frente Polisário considerou que Pedro Sánchez sucumbiu à "pressão e à chantagem" de Marrocos.
A crise diplomática entre Rabat e Madrid levou a que as autoridades marroquinas permitissem a entrada irregular de milhares de migrantes no enclave espanhol de Ceuta, em maio. Mais recentemente a cidade de Melilla passou a ser uma rota para imigrantes que tentam forçar a entrada em território espanhol. Embora as tensões tenham diminuído, as relações não normalizaram. O embaixador marroquino em Madrid, que foi chamado para consultas em maio, ainda não voltou a Espanha. Uma viagem do chefe da diplomacia espanhola e do primeiro-ministro a Marrocos deverá realizar-se em breve.
A tomada de posição do governo espanhol segue-se ao apoio declarado, dez dias antes, da administração Biden ao plano marroquino. Em visita a Marrocos, a subsecretária de Estado Wendy Sherman disse que a proposta do reino tem o "potencial para satisfazer as aspirações da povoação da região". Havia dúvidas se a Casa Branca iria manter o apoio declarado pela administração Trump. Também a Alemanha e Marrocos, há um mês, comunicaram ter ultrapassado "desentendimentos". A ministra dos Negócios Estrangeiros, Annalena Baerbock, mudou o tom em relação ao governo anterior e disse que a proposta de autonomia para o Sara é um "contributo importante" para um acordo.
A situação no Sara Ocidental, ex-colónia espanhola considerada "território autónomo" pela ONU, opõe Marrocos e a Frente Polisário, apoiada pela Argélia. Marrocos controla mais de dois terços do território e propôs em 2007 um plano de autonomia sob sua soberania. Os separatistas, por sua vez, pedem a realização de um referendo de autodeterminação organizado pelas Nações Unidas, previsto na trégua de 1991, mas nunca concretizado.
Marcha Verde
Sob o impulso de Hassan II, em novembro de 1975, centenas de milhares de marroquinos entram no Sara Ocidental, precipitando a descolonização espanhola. Madrid defende uma posição de neutralidade entre Rabat e a Frente Polisário, que conta com o apoio da Argélia.
Guerra
Em dezembro de 1975, Marrocos envia tropas e estala uma guerra com os sarauís da Frente Polisário. É proclamada a República Árabe Sarauí Democrática, sem reconhecimento internacional. O conflito termina em 1991 com uma trégua e uma resolução da ONU que prevê um referendo.
Iniciativa marroquina
Em abril de 2007, Marrocos apresentou um plano que passa por oferecer autonomia para a região do Sara.
Reconhecimento dos EUA
Em dezembro de 2020, em troca de Rabat retomar relações com Israel, os EUA apoiam a solução marroquina.
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