Macron toma posse ainda sem ter revelado o novo primeiro-ministro
O dia é de Emmanuel Macron, que toma este sábado posse numa cerimónia sóbria no Palácio do Eliseu para o segundo mandato como presidente de França - o primeiro em duas décadas a conseguir a reeleição. Mas a pergunta que muitos se fazem não tem nada a ver com o chefe de Estado, mas com o próximo chefe de governo. Quem irá substituir Jean Castex? E será que voltará a haver uma mulher à frente de Matignon, mais de 30 anos depois de Édith Cresson?
A demissão do primeiro-ministro não era obrigatória. Contudo, foi o próprio Castex que, ainda na campanha para as presidenciais, revelou que iria sair para dar um "novo impulso" ao segundo mandato de Macron. Apesar disso, quase duas semanas depois da segunda volta das eleições, Castex e o seu governo continuam em funções, e o silêncio é total no Palácio do Eliseu. Diante da pressão, o porta-voz do executivo, Gabriel Attal, lembrou na quarta-feira que o mandato de Macron só termina oficialmente na próxima sexta-feira, 13 de maio, e que não haverá remodelação governamental até lá.
Mas o que é que está a atrasar a saída de Castex? A escolha do próximo primeiro-ministro e governo são importantes tendo em vista as eleições legislativas de 12 e 19 de junho, com o presidente a querer manter a maioria na Assembleia Nacional que lhe permita implementar as suas reformas. Terá contudo que mostrar também que ouviu os franceses, que votaram como nunca na extrema-direita. E apresentar um nome capaz de ajudar a travar a esquerda, que fez uma aliança pré-eleitoral para tentar conquistar a maioria e impor o líder d"A França Insubmissa, Jean-Luc Mélenchon, como futuro chefe de governo. Se tal acontecer, será a primeira vez em 20 anos que haverá "coabitação" entre um presidente de uma cor política e um primeiro-ministro de outra.
O escolhido ou a escolhida tem que ser um nome de futuro, mas arrisca ficar menos de dois meses no cargo, com a imprensa francesa a indicar que Macron já terá ouvido algumas rejeições. Desde logo do próprio Castex, que o presidente queria que ficasse no cargo até às legislativas. E também, alegadamente, da ex-chefe de gabinete do ex-primeiro-ministro Manuel Valls, Véronique Bédague, ou da presidente do grupo socialista na Assembleia Nacional, Valérie Rabault (foi a própria que disse ter recusado, mas próximos do Eliseu alegam que não foi convidada).
Macron estará apostado em nomear desta vez uma mulher - Édith Cresson foi a única a ser primeira-ministra, entre 15 de maio de 1991 e 2 de abril de 1992, na presidência de François Mitterrand. Mas dizia-se o mesmo já em 2017 e não se veio a confirmar. "Não vou escolher um primeiro-ministro porque é uma mulher. Escolherei o primeiro-ministro mais competente, o mais capaz possível. Com o desejo e a vontade que seja também uma mulher", disse na altura, acabando por nomear primeiro Édouard Philippe e depois, em 2020, Castex.
Sabendo que ganhou a Marine Le Pen graças ao voto da esquerda, depois de Mélenchon ter falhado a ida à segunda volta por apenas meio milhão de votos, Macron estará apostado em nomear um primeiro-ministro "comprometido com a questão social, ambiental e produtiva". Com este perfil, um nome tem-se destacado: o da ministra do Trabalho, Élisabeth Borne. A ex-chefe de gabinete da socialista Ségolène Royal no Ministério do Ambiente, juntou-se em 2017 ao projeto de Macron, tendo sido ministra dos Transportes e também da Transição Ecológica.
Outro nome de que se fala é o de Christelle Morançais, presidente do conselho regional de Pays-de-la-Loire e membro d"Os Republicanos, ou o de Nathalie Kosciusko-Morizet, ex-ministra da Ecologia de Nicolas Sarkozy e mais tarde candidata à câmara de Paris. Outra hipótese seria Christine Lagarde, atual presidente do Banco Central Europeu. Caso Macron opte por um primeiro-ministro, surge recorrentemente o nome do ministro da Agricultura, Julien Denormandie, apresentado como um dos mais próximos do presidente. Também de fala de Alexis Kohler, atual secretário-geral do Eliseu. Esta semana se conhecerá o escolhido.
A cerimónia de posse, que começa às 11.00 locais (10.00 em Lisboa) no Eliseu, contará com cerca de 450 convidados, entre os quais os ex-presidentes Nicolas Sarkozy e François Hollande. Depois de o presidente do Conselho Constitucional , Laurent Fabius, proclamar os resultados eleitorais, Macron receberá de novo o colar de grão-mestre da Ordem da Legião de Honra e discursará.
Segundo o Eliseu, no discurso irá falar das razões por que foi eleito e o que pretende fazer e "sublinhar quais serão as principais orientações do quinquénio". Durante esta cerimónia, o chefe de Estado fará questão de "fazer parte da história do país e abrir-se ao futuro". A cerimónia inclui ainda uma salva de canhões nos Inválidos e uma revista às tropas, que inclui a pedido do presidente um destacamento do navio Monge, que é usado para "testar e manter a dissuasão nuclear" francesa, numa referência à atual situação de guerra.
Caso Macron perca a maioria na Assembleia, poderá ter que escolher um chefe de governo de outra cor política. Não seria inédito, mas há 20 anos que tal não acontece em França e o presidente de centro poderia ter que lidar com o radical de esquerda Jean-Luc Mélenchon. Como correram as outras experiências?
Mitterrand e Chirac (1986-1988)
Cinco anos depois de o socialista François Mitterrand chegar ao Eliseu (o mandato era de sete), a direita vence as legislativas. Neste cenário inédito, Jacques Chirac é nomeado chefe de governo. "A Constituição, nada mais do que a Constituição, toda a Constituição", diz Mitterrand em 1986 sobre o funcionar das instituições. Se cabe ao governo "determinar e conduzir a política da nação", a palavra final é do presidente - Mitterrand trava, por exemplo, as privatizações. A relação é dificultada por serem adversários nas presidenciais de 1988, sendo Mitterrand reeleito.
Mitterrand e Balladur (1993-1995)
Uma nova vitória da direita nas legislativas obriga Mitterrand a um segundo período de coabitação, nomeando Édouard Balladur para chefe de governo. O presidente já tem experiência, mas está mais fragilizado (a derrota socialista foi maior e tem problemas de saúde). Ainda assim não hesita em demarcar-se do governo quando acredita que as conquistas sociais estão em risco. Na "coabitação de veludo", as tensões são menores, com a exceção para o tema da retoma dos testes nucleares. E não se coloca o facto de serem adversários nas presidenciais.
Chirac e Jospin (1997-2002)
Dois anos depois de ter chegado à presidência, Chirac vê-se do outro lado da coabitação, por causa da vitória surpresa da esquerda nas legislativas que ele antecipou. O socialista Lionel Jospin assume a chefia do governo. A coabitação será de cinco anos: no início é cordial, de compromisso até para revisões constitucionais, mas torna-se de confronto a caminho das presidenciais de 2002. Chirac vence de forma triunfal frente à extrema-direita de Jean-Marie Le Pen - Jospin caiu na primeira volta. Um mês depois, a direita vence as legislativas e põe fim à coabitação.
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