"Macron está convencido de que é o único sol, o único astro luminoso no céu"
Depois da derrota nas presidenciais de há um ano, a pior de sempre para o PS francês, o ex-ministro de François Hollande resolveu formar o seu próprio partido: Génération.s, que quer encarnar a nova esquerda francesa. Benoît Hamon esteve em Lisboa para participar nas celebrações do 44.º aniversário da Revolução do 25 de Abril e falou ao DN da presidência de Emmanuel Macron e dos desafios da esquerda na Europa.
Que análise faz da visita de Macron aos EUA e da sua aproximação a Donald Trump?
Os EUA continuam a ser um dos principais aliados da França e há muitas questões sobre as quais temos de discutir com eles. Mas teria gostado, em primeiro lugar, de ver mais sobriedade e menos beijos da parte do presidente, um pouco menos de cumplicidade com Trump que, na sua campanha, fez declarações racistas, homofóbicas... Ele é o representante da direita muito dura, cujos apoiantes recebem a extrema-direita francesa. Não me reconheci. Fiquei muito desconfortável. Macron exagerou o afeto, a amizade, o entendimento com Trump. Eu gostaria que ele olhasse para o que Trump é, para o que ele representa no plano político, e tivesse uma atitude de sobriedade, de seriedade. Em segundo lugar, e isso é mais grave, há uma falha da diplomacia francesa. Macron pensou que ao se aproximar de Trump obteria dele a correção da sua posição em relação ao Acordo do Clima e do nuclear iraniano. E não conseguiu nada. Trump continua inamovível e o facto de o presidente francês ter aceitado reabrir a negociação sobre o nuclear iraniano significa que tudo o que foi pacientemente construído antes, está prestes a desmoronar-se. E é uma novidade muito má, porque é mais um fator de desordem para esta região e não compreendo porque é que Macron se alinha com Trump nesta linha muito dura, que nem é consensual aos EUA.
Ouviu o discurso no Congresso? Macron enviou recados em relação ao clima, aos nacionalismos...
Não ouvi. Mas tenho a impressão que nos EUA ele diz a uns e outros o que querem ouvir. A realidade é que o balanço dos encontros de terça-feira foi muito mau. Talvez o presidente tenha querido corrigir pelas palavras a má impressão que deixou, porque já perdeu no terreno dos atos. No plano diplomático, Trump ridicularizou a França.
Acha que Macron utiliza as questões internacionais para fazer esquecer os problemas nacionais?
Macron está convencido que é o único sol, o único astro luminoso no céu. E pensa que Putin, Trump, Xi Jinping encarnam as estrelas negras, perigosas. Acho que dá importância aos temas internacionais, e isso não o crítico, mas penso que se comporta de uma maneira que não permite, até agora, qualquer resultado. Putin ou Trump são os atores essenciais da cena internacional. Além disso, na Europa, ele ainda não conseguiu qualquer resultado. Já passou um ano desde que chegou à presidência francesa e nada mudou. O eixo franco-alemão não conseguiu nada, não há nada que tenha melhorado a integração na Europa, nada que reforce a democracia ou a justiça social, nada que deixa pensar que estamos envolvidos na transição ecológica. Considero que no cenário internacional há, incontestavelmente, um poder de sedução de Macron junto das elites ocidentais. Mas para lá desse poder de sedução não há resultados.
E a nível nacional. Acabou a lua-de-mel? Com greves, protestos...
Macron clarificou qual é o seu campo. É possível que continuando com a sua política de desigualdade social, reforce os seus apoios entre as classes altas e as elites franceses. É isso que vemos. Hoje, cada vez mais jovens que votaram na direita ou na extrema-direita dizem apoiar a ação do presidente. E há aí uma espécie de traição. A França acaba de passar leis, nomeadamente sobre imigração e o estado de emergência, que são muito draconianas. Leis que são largamente inspiradas no vocabulário e nas teses antes defendidas pela extrema-direita. Quando Macron estava em campanha, apelou aos franceses para que se unissem à sua volta para impedir Marine Le Pen de chegar ao poder. Há milhares de franceses que sabiam que a política social de Macron era má, que a sua política económica ia tornar o país mais frágil, mas que votaram nele porque queriam que a França continuasse a ser um grande país humanista. E ver, um ano depois, que a lei que foi adotada sobre asilo e imigração é a mais repressiva desde 1945 é um enorme murro do estômago. O beijo da morte foi dado por Trump, que felicitou Macron pela sua lei sobre imigração.
A sua candidatura presidencial por trazer o pior resultado de sempre ao PS francês. Como explicar a crise da esquerda não só em França, mas na Europa?
Quando era candidato, ganhei as primárias com um programa que era a rutura completa com o passado. Tivemos uma bela vitória nas primárias, com mais de dois milhões de eleitores. Nesse momento, os franceses de esquerda disseram que não queriam mais a política de François Hollande ou de Manuel Valls. Mas, depois, vários socialistas decidiram apoiar Macron e sobretudo pareceu-me que, mesmo se muitos franceses diziam que as minhas ideias eram boas, havia um desejo de sancionar a social-democracia. Logo, mesmo sendo uma criança problemática, porque não estava de acordo com a linha seguida até então, era o seu representante. E assumi o falhanço pessoalmente, disse após a derrota que a assumia como minha. Mas o que me parece, fora uma ou duas exceções, uma delas evidentemente a portuguesa, é que assistimos ao afundar da social-democracia.
Porquê?
Por duas razões. Porque ela já não é muito social e é cada vez menos democrática, no sentido em que tem cada vez menos projetos para melhorar a democracia. Em França, como na Alemanha, na Itália ou na maior parte de países europeus, vemos que os eleitores questionam para que serve a social-democracia. Porque muitas vezes a veem em coligação com a direita e mesmo quando não está, faz políticas de direita. Penso que esta família política conheceu momentos de glória muito grandes, mas o seu ciclo está a chegar ao fim e vai aparecer uma nova esquerda, mais ecologista, mais democrática, mais social. É importante que haja uma verdadeira primavera europeia para a esquerda, porque se não veremos o crescimento da alternativa nacionalista.
É representar essa nova esquerda que pretende com o seu novo movimento Génération.s?
Queremos encarnar a nova esquerda em França, o mais rapidamente possível. Temos necessidade de uma esquerda que tenha o poder para transformar a sociedade, com um programa e um projeto político europeu, ecológico, democrático e social.
O primeiro desafio serão as europeias do próximo ano...
Sim, daí a importância da aliança que acabámos de formar, com Varoufakis como uma das grandes figuras, que parte de vários países europeus e com o tempo vai abrir-se a todo o mundo. É importante para nós encarnar a primavera europeia, isto é, homens e mulheres que dizem que a Europa funciona, apesar de não ser muito democrática, nem justa, mas não queremos voltar a fechar-nos nas fronteiras nacionais. Queremos transformá-la com uma maioria progressista. Queremos construir um discurso positivo, otimista.
O que é que pensa da nossa geringonça?
É um bom exemplo, mas a coligação de esquerda em Portugal sozinha, como um oásis no meio do deserto, chegará rapidamente aos seus limites. E precisamos que uma dinâmica europeia pegue no testemunho. Admiro muito a capacidade dos portugueses de se entenderem, quando não o tinham feito antes, e isso dá-nos muita esperança para a esquerda europeia. Mas se continua sozinha, por muito tempo, vai ser muito difícil também para os portugueses. As políticas que existem aqui, com ainda mais amplitude e eficácia, seria bom serem aplicadas a nível europeu.