Macron escolhe Sr. Desconfinamento para chefiar Governo sem lhe fazer sombra no final do mandato

França. A dois anos das presidenciais, Jean Castex, tecnocrata profundamente conhecedor do sector da Saúde e ex-colaborador de Nicolas Sarkozy, sucede ao muito popular Édouard Philippe.
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Fora de Prades, a vila dos Pirenéus para cuja presidência da câmara acaba de ser facilmente reeleito, poucos em França tinham até hoje ouvido falar em Jean Castex. Isto apesar de o homem que o presidente Emmanuel Macron escolheu para suceder a Édouard Philippe na chefia do Governo francês ser desde abril o responsável pela estratégia de desconfinamento da França em plena pandemia de covid-19. Depois do desaire do seu La République en Marche nas municipais da semana passada e perante a crise financeira que já se está a seguir à crise sanitária provocada pela pandemia de covid-19, o muito popular Philippe apresentou mesmo uma já esperada demissão, abrindo a porta a um bastante menos popular Macron para uma mudança de rumo no seu final de mandato

Aos 55 anos, formado, como o seu antecessor e o próprio presidente, na prestigiada École Nationale d"Administration (ENA), Castex é um tecnocrata que nunca ocupou nenhum cargo de ministro, apesar de ter sido secretário-geral adjunto do Eliseu no final do mandato de Nicolas Sarkozy. Membro do partido de direita Os Republicanos, Castex é apresentado pela imprensa francesa como o "Sr. Desconfinamento" ou o "Czar do coronavírus", com jornais como o Le Monde e a própria agência AFP a sublinhar a sua experiência na área, ganha durante os anos em que trabalhou com o ministro da Saúde, Xavier Bertrand.

"É um verdadeiro canivete suíço. Tem contactos em todo o lado, sabe fazer o que é preciso fazer no local certo", disse sobre ele Franck Louvrier, antigo conselheiro de Sarkozy, citado na imprensa francesa.

Longe de ser uma figura política proeminente, o discreto Castex é, no entanto, "um alto funcionário público completo e versátil, que se dedicará em reformar o Estado e conduzir um diálogo pacífico com os territórios", como explicou o Palácio do Eliseu. Até 2022, data das próximas presidenciais francesas, o novo primeiro-ministro deverá fazer cumprir as orientações decididas por um Emmanuel Macron empenhado em se reinventar para garantir a reeleição.

"Politicamente de direita", como o próprio assumia numa entrevista no início dos anos 2000, este pai de quatro filhas apoiou a candidatura de François Fillon em 2017. O candidato d"Os Republicanos (LR, na sigla em francês), visado pelo escândalos dos empregos fictícios da mulher que nesta semana lhe valeram cinco anos de prisão, acabou por não passar da primeira volta.

"O dia seguinte será de direita"

A mudança no gabinete era considerada iminente desde a derrota sofrida pelo partido de Macron nas municipais de domingo, marcadas por um índice de abstenção histórico e pelo avanço dos Verdes em várias cidades importantes do país, de Marselha a Lyon, passando por Bordéus.

Os líderes da oposição criticaram a escolha de Castex, vendo nela a opção de um presidente que deseja ter todas as cartas na mão para seguir a sua política e preparar-se para as presidenciais sem ser prejudicado por um primeiro-ministro que o ofuscaria com a sua popularidade crescente.

"Poderíamos esperar por uma mudança política, mas foi tecnocrática, com alguém chamado para administrar os assuntos correntes", denunciou o presidente do LR, Christian Jacob. Também dentro do seu próprio partido, o deputado Eric Ciotti veio denunciar um exercício "totalmente pessoal e autoritário" do poder por parte de Macron, garantindo no Twitter: "Ao nomear Jean Castex, cuja única legitimidade é tecnocrática, Emmanuel Macron dissolveu Matignon", escreveu, referindo-se à sede do Governo francês.

"Com a nomeação de Jean Castex, "o presidente da República confirma sem surpresa o seu rumo. O dia seguinte será de direita, como o dia anterior", afirmou, por seu lado, o líder do Partido Socialista, Olivier Faure. Seguindo a mesma linha de raciocínio, a eurodeputada de esquerda Manon Aubry foi ela também muito crítica. "Tudo muda para que nada mude! Um homem de direita substitui um homem de direita para seguir as mesmas políticas antissociais e antiecológicas."

Quanto a Julien Bayou, secretário nacional do partido Europa Ecologia - Os Verdes, disse à BFM-TV ter impressão de que "este mandato terminou e que o presidente insiste em fazer um bocado de espuma em vez de lhe dar consistência". E acrescentou: "Não vejo nenhuma mudança de rumo que nos leve a apoiar esta orientação, pelo contrário. A nossa ambição é substituir este presidente da República em 2022."

Formar um novo Governo

Empossado numa sexta-feira, Castex tem agora pela frente um fim de semana de trabalho para preparar a sua nova equipa governamental. A composição do novo executivo francês terá de ser apresentada até ao Conselho de Ministros marcado para quarta-feira.

Numa cerimónia à porta de Matignon, Philippe passou a pasta ao seu sucessor. "Não tenho qualquer dúvida sobre o facto de o senhor ser capaz de tomar boas decisões", afirmou o primeiro-ministro cessante. "Não preciso verdadeiramente de lhe desejar coragem, primeiro porque sei que a tem e, depois, porque se não tivesse não estaria aqui", afirmou, antes de rematar: "Seja bom! E como se diz na minha terra, bons ventos!"

Numa espécie de balanço dos seus três anos de mandato, Philippe afirmou ter tido "a sorte de poder trabalhara em condições de confiança, de fluidez, que fizeram destes três anos excecionais, de uma densidade e de uma riqueza incríveis". Antes de voltar a Le Havre - a cidade para a qual foi agora reeleito presidente da câmara e onde irá "estruturar politicamente a maioria" com vista às presidenciais, tarefa que lhe foi entregue pelo Eliseu -, Philippe agradeceu a "todos os ministros" e "todos os deputados", inclusive os da oposição "que, ao serem exigentes e críticos, nos permitiram sermos melhores".

Dirigindo-se ao sucessor, Philippe desejou ainda "muitas felicidades, muito sucesso. Sucesso para si, claro, mas sobretudo sucesso para o nosso país que ainda não saiu completamente da crise sanitária".

Castex admitiu que o seu estilo não é semelhante ao de Philippe, mas reivindicou com o antecessor "uma comunhão de valores". "Valores democráticos e republicanos segundo os quais o serviço do interesse geral e do Estado tem de prevalecer sobre qualquer outro", afirmou, admitindo tomar posse num contexto "pesado e difícil" da crise sanitária.

Na sua primeira intervenção ao país, numa entrevista no canal de televisão TF1, Castex definiu a sua prioridade como primeiro-ministro: "O plano de retoma da França, a reconstrução com investimento em setores de futuro." Quanto à ecologia, um assunto que ganhou ainda novo fôlego com a vaga verde das municipais, garantiu: "Falar de ecologia através do diálogo social será o método."

Na mira de todas as críticas, acusado pela oposição de escolher um primeiro-ministro que não o ameaça e de querer concentrar todos os poderes, Macron conta agora com um novo aliado em Matignon. Mas os próximos meses prometem ser duros para o presidente, cuja popularidade anda nos 39%, segundo um estudo Odoxa para o Le Point. E ao escolher um homem de direita para suceder a outro homem de direita, Macron mostrou à esquerda, reforçada pela recente vitória ecologista, que não vai ceder terreno nos próximos meses.

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