Luís Neves: "O meu primeiro pensamento quando soube da fuga foi 'temos de o agarrar!'"

"Resiliência e paciência são o que mais têm as mulheres e os homens da PJ" afirmou em entrevista ao DN o diretor nacional da PJ, Luís Neves, sobre a operação que levou à detenção de João Rendeiro neste sábado, três meses depois de ter sido dado o alerta da sua fuga. Este responsável afirma que esta foi uma das chaves para o sucesso da detenção. A outra foi a eficácia da cooperação com a polícia sul-africana.
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Quando soube que João Rendeiro tinha fugido à Justiça, qual foi o seu primeiro pensamento?

Se me lembro? Claro. O meu primeiro pensamento quando soube da fuga foi "temos de o agarrar!".

A partir daí definiu uma estratégia que consistia em que pontos fundamentais?

Recolher o máximo possível de informação, falar com os investigadores que faziam parte da equipa da Unidade Nacional de Combate à Corrupção que investigou os inquéritos de João Rendeiro, que o conheciam bem. Conheciam os seus vícios, hábitos, o seu modus vivendi, as suas manias. Também obter informação de viagens, de gostos - tudo o que nos desse pistas. A informação foi fluindo, foi sendo analisada até começarmos a apertar o cerco cada vez mais e chegar ao momento crucial da detenção. O que as mulheres e os homens da PJ mais têm é capacidade de resiliência, de sofrimento, paciência e nunca desistirem.

Segundo declarações que fez, a PJ sabia há vários meses que João Rendeiro estava na África do Sul. Porque não foi detido há mais tempo?

Primeiro tivemos de o localizar. A África do Sul é um país muito grande. Em segundo lugar preparar um conjunto de procedimentos legais para poder efetivar a detenção e garantir que não seria libertado antes da extradição. Quando a Interpol emite uma "red notice" (alerta vermelho), como fez neste caso, é preciso assegurar os pressupostos e requisitos legais desta detenção. É preciso as autoridades judiciárias formularem pedidos especiais, entre os quais o que fez a Sra. Procuradora-Geral da República ao emitir o mandado de detenção provisório tendo em vista a detenção. Esse documento foi avaliado por um procurador sul-africano que chegou à conclusão de que estavam reunidos os pressupostos para poder concretizar a detenção. Todo este processo só foi concluído há poucos dias. Depois foi uma questão de tempo até o localizar. Não se avançou mais cedo para todos os formalismos estarem concluídos. Não podíamos arriscar.

Até que ponto o facto de João Rendeiro ter muito dinheiro disponível o ajudou a manter-se em fuga tanto tempo?

É uma evidência. Só quem tem [dinheiro] possui essa capacidade de se poder movimentar, de poder aceder a peritos de telecomunicações para não ser descoberto, pagar estadias em bons hotéis. Não está ao alcance do comum dos cidadãos.

Sabe-se que a PJ acompanhou esta operação a partir de Lisboa. Como é que funcionou esta colaboração com uma polícia de um país tão distante ao ponto de haver esta cumplicidade tão próxima?

Desde início de outubro que vínhamos trabalhando diretamente com autoridades bem colocadas na polícia da África do Sul. Fizemos contactos, avaliámos possibilidades, para compreender todo o enquadramento legal que devia ser acautelado, se havia ou não dupla nacionalidade (não havia).

Depois em novembro, entre 20 e 24, na assembleia-geral da Interpol em Istambul, tive a possibilidade de consolidar estes contactos com o comandante nacional da polícia sul-africana, o general Khehla John Sitole, com a dirigente da investigação criminal e com o responsável pela cooperação policial internacional.

Expliquei-lhes que estávamos perante um fugitivo com enorme capacidade financeira, com enorme capacidade de mobilidade e tínhamos fortíssimas suspeitas que se encontrava naquele país. Além disso, frisei que do ponto de vista de imagem interna, e da própria imagem da Justiça, tínhamos em fuga um banqueiro condenado a várias penas de prisão, e isto era mau para todos nós.

Nas duas reuniões de trabalho que tive à margem da assembleia da Interpol, o general Sitole garantiu-me que teria todo o apoio que fosse preciso e que iriam escolher os seus melhores polícias, as melhores equipas e meios para poderem chegar a este objetivo.

Este género de cooperação é habitual com a PJ, que tem décadas de experiência no âmbito da cooperação policial internacional. Por outro lado, este género de encontros permitem contactos pessoais, cara a cara, em que o fator humano de conhecimento e credibilidade é fundamental.

Houve também colegas de outros países africanos da zona que intervieram. Tínhamos contacto com dirigentes policiais que estavam preparados para nos informar caso ele tivesse entrado em algum desses países.

Qual foi para si a chave decisiva para o sucesso desta operação?

A chave foi a concentração da informação e de todos os pormenores que fomos cruzando. Depois o apoio da polícia sul-africana que se selou em Istambul. Só temos de ter uma palavra de gratidão e sublinhar que os nossos colegas terão o mesmo apoio da nossa parte quando necessitarem.

Como é que é possível que uma pessoa procurada consiga passar por várias fronteiras e até terá conseguido uma autorização de residência na África do Sul, apesar de haver um alerta da Interpol?

São factos que apurámos à posteriori. Quando se verifica a saída do Reino Unido, de que só tivemos conhecimento depois, os mandados ainda não estavam emitidos.

Mas Rendeiro depois ainda passou por outros países, designadamente do médio oriente, antes de chegar à África do Sul...

Esse período foi todo muito rápido e ainda não estavam reunidos os pressupostos e requisitos para ser feita a detenção.

E sabem como obteve a autorização de residência apesar de ter o mandado de captura?

Fará parte do mise-en-scéne que montou para argumentar que não era fugitivo. Terá dado uma morada que não era habitada por ele nas últimas semanas. As autoridades sul-africanas conseguem saber que ele está sujeito a um mandado de captura a partir do momento em que cruzámos essas informações, mas pode ter sido entendido emitir essa autorização provisória para não lhe levantar suspeitas e garantir que a detenção só era feita depois de reunidos todos os requisitos legais.

Esta semana anunciou um reforço de mais de 200 inspetores até final de 2022, perfazendo um total de novas admissões superior a 400 nos últimos três anos. Vai fazer uma grande diferença em casos como o de João Rendeiro?

Vão certamente ter impacto em investigações similares. Tudo o que nós queremos com estes meios são duas questões essenciais: celeridade e melhores investigações que sejam fortes em julgamento, estribadas e que permitam aos tribunais fazer justiça.

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