Londres acusa Vladimir Putin de autorizar morte de Litvinenko
A operação dos serviços secretos russos, FSB (ex-KGB), "de que resultou a morte de Alexander Litvinenko foi provavelmente autorizada por Nikolai Patrushev, o então diretor do FSB, e também pelo presidente Putin" - esta é a "conclusão" do juiz Sir Robert Owen, responsável pelo inquérito de 329 páginas, ontem divulgado em Londres.
O primeiro-ministro britânico David Cameron, comentando em Davos as conclusões do relatório, disse que este vem "confirmar aquilo em que sempre acreditámos, e aquilo em que o último governo trabalhista acreditava na altura do terrível assassínio, que foi uma ação autorizada pelo Estado". O chefe do governo do Reino Unido não afastou a possibilidade de serem aplicadas sanções a Moscovo.
Crítico declarado de Vladimir Putin, Litvinenko colaborou com o MI6 depois de ter abandonado o FSB, embora algumas fontes indiquem que terá atuado como agente duplo antes de 2003 (data referida pelos serviços britânicos), uma das razões para ser demitido por Putin em 1998. Litvinenko morreu a 23 de novembro de 2006, aos 43 anos, três semanas depois de ter bebido chá verde a que fora adicionado uma substância radioativa: polónio 210.
Litvinenko ingeriu a mistura fatal num encontro, a 1 de novembro de 2006, com dois ex-agentes dos serviços secretos russos, Andrei Lugovoi e Dmitri Kovtun. Este teve lugar num hotel de Londres (pouco depois de ter obtido cidadania britânica). A investigação confirmou que o espaço do hotel onde decorreu o encontro, assim como o bule utilizado, apresentavam sinais de elevada presença de polónio 210.
O relatório sublinha a existência "de fortes provas circunstanciais evidenciando que o Estado russo foi responsável pela morte" de Litvinenko. E conclui que uma operação desta natureza não podia ser realizada sem o conhecimento e a autorização do líder do Kremlin.
Pouco antes da morte, Litvinenko afirmou à Scotland Yard que Putin ordenara, de forma direta, o seu assassínio, referindo que certas ações dos FSB tinham de ter autorização presidencial, em particular envolvendo a execução de ex-agentes em território estrangeiro. Antes de ficar contaminado, Litvinenko acusara Putin de ter dado luz verde para o assassínio da jornalistaAnna Politovskaya, a 6 de outubro de 2006, em Moscovo. O Kremlin sempre negou envolvimento nas duas mortes e considerou fantasiosas as acusações do antigo agente.
O encontro de um de novembro não foi o único envolvendo os três russos. Um primeiro realizou-se a 16 de outubro, seguido de um segundo no dia seguinte. Os locais onde estes se encontraram acusaram presença de polónio 210. Nova série de encontros, a 25 e 26 de outubro, agora entre Litvinenko e Lugovoi, que viaja de Moscovo para Londres e vice-versa. Os voos utilizados acusam vestígios da substância radioativa. A 28 de outubro, Kovtun viaja de Moscovo para Hamburgo, onde visita a ex-mulher, e segue para Londres. São detetados vestígios de polónio nos locais onde esteve na cidade alemã. A 31 de outubro, Lugovoy está em Londres e no dia seguinte chega Kovtun. É o dia do último encontro. A 4 de novembro, Litvinenko é internado; os órgãos começam a deteriorar-se.
O relatório afirma que os dois ex-agentes do FSB foram determinantes na morte de Litvinenko, que chegou a acusar o presidente russo de ser pedófilo num texto publicado nos medias britânicos e que consta dos anexos. Lê-se no documento ter sido determinado, com "forte probabilidade que Lugovoi, ao envenenar Litvinenko, atuava sob ordens do FSB. É minha conclusão que Kovtun estava também sob direção do FSB", escreve o juiz Robert Owen.
Foram, entretanto, emitidos mandados de captura internacionais para Lugovoi e Kovtun. Até hoje, Moscovo recusou os pedidos de extradição de Lugovoi e Kovtun, que são procurados por homicídio pelas autoridades britânicas.
"Morte nuclear" bate à porta
Do relatório sobressai o facto de Lugovoi, em 2010, ter enviado para um amigo uma T-shirt com a frase "nuclear death is knocking on your door" ("a morte nuclear vai bater-te à porta"), para ser entregue ao milionário Boris Berezovsky. Amigo de Litvinenko, este era aberto crítico de Putin, e acabou por obter asilo no Reino Unido. Apareceu morto em sua casa, no Berkshire, em 2013.
O embaixador russo em Londres, Alexander Yakovenko, foi convocado ao Foreign Office para esclarecimentos, tendo a reunião durado menos de uma hora. À saída, Yakovenko falou de "provocação grosseira" o apontar responsabilidades ao Estado russo no caso de Litvinenko e classificou o relatório como tentativa de camuflar a "incompetência dos serviços secretos britânicos".
A viúva de Litvinenko, Marina, considerou-se "muito satisfeita" com as conclusões da investigação e pediu a expulsão de todos os agentes russos no Reino Unido e a aplicação de sanções a Moscovo.
Na capital russa, o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, afirmou que o relatório só vem contribuir para "envenenar" as relações bilaterais, considerando-o resultado do "sentido de humor britânico, destacando o recurso "abundante de palavras como possivelmente e provavelmente".