"Lisboa, não sejas racista": a nova música de intervenção do Fado Bicha

Adaptação do tema "Lisboa, não sejas francesa" fala do caso Jamaica e da morte de Alcindo Monteiro, entre outros exemplos de racismo. Porque o fado também pode ser de intervenção.
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"Lisboa, não sejas racista/ De visão simplista/ Só te fica mal", canta o duo Fado Bicha no novo tema, cujo videoclipe foi publicado esta semana na sua página oficial. A dupla composta por Lila Fadista (voz) e João Caçador (guitarra) fez uma adaptação da popular canção Lisboa, não sejas francesa, mas agora como um manifesto contra o racismo, a propósito dos acontecimentos recentes no Bairro da Jamaica:

"Senti necessidade de escrever sobre a preocupação e o medo que sinto em relação a uma série de coisas que têm acontecido, como o racismo, a violência policial, a ameaça do fascismo... São temas que me preocupam já há algum tempo e agora foi o momento em que senti que precisava escrever isto", explica ao DN Lila que, além de interpretar, também escreveu a letra. Como diz na publicação do Facebook: "O fado volta a ser de intervenção".

Esta é uma adaptação do tema Lisboa, não sejas francesa, criado em 1952 por Raul Ferrão (música) e José Galhardo (letra) para a opereta A Invasão e que foi gravado por imensos artistas, entre os quais Amália Rodrigues:

Lila Fadista explica que já andava a pensar usar esta música há algum tempo, porque é uma canção de que gosta bastante: "Apesar da mensagem da letra original ser um pouco misógina e até contrária à nossa, gosto do ritmo e daquela ideia pitoresca da cidade".

A canção do Fado Bicha refere acontecimentos mais antigos, como o assassínio de Alcindo Monteiro, em 1995, e outros que ainda são só projetos, como o Museu das Descobertas, também apoia o ativista Mamadou Ba e deixa uma crítica à "corja do dia da raça": "Preocupa-me o racismo estrutural, que existe por exemplo na educação. Preocupa-me a maneira como vivem as mulheres das limpezas que, como digo na letra, não têm o direito a sonhar. E também me preocupa a conivência irresponsável de alguns meios de comunicação com as mensagens racistas, com abordagens simplistas, sensacionalistas", explica Lila.

"Apesar de sermos brancos e de não sermos imigrantes, somos bichas e sabemos bem o que é ser minoria e sentir a discriminação", diz. "Não posso falar de como as pessoas negras sentem o racismo mas posso falar daquilo que vejo à minha volta. E é desse lugar de privilégio de pessoa branca que posso tentar falar para outras pessoas brancas, para lhes chamar a atenção para estes problemas." Esse é o seu objetivo: "Pôr as pessoas pensar. Foi por isso que colocamos a letra no vídeo, para que a mensagem pudesse ser entendida por todos."

A letra faz um apelo à tolerância e ao fim da discriminação, até porque não basta ter muitos turistas para ser uma cidade cosmopolita: "Lisboa, não sejas racista/ Não é só pra turista/ Vir e ocupar/ Lisboa, não sejas racista/ Velha cavaquista/ Não queiras voltar/ Lisboa, não sejas racista/ E crê que esta lista/ Não vai amansar/ Lisboa, não vives não falas/ Tira-me essas palas E aprende a escutar."

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