Limites e enigmas da política cultural
Não deveríamos criticar a falta de investimento do Estado na política de cultura sem antes fazer um exercício de recuo. Qual a natureza e os limites da ação cultural como política pública? Num texto de 1888, Nietzsche pedia aos seus leitores para compararem a situação alemã desse ano com a de um século atrás. Em 1788, a Alemanha, politicamente fragmentada, era uma sombra do poderoso II Império de Bismarck. Contudo, em 1788, a Alemanha era um gigante cultural, face à modéstia germânica de 1888, ofuscada por uma Paris, derrotada pouco antes pela Prússia, mas de novo alcandorada a capital da criatividade cultural europeia. Nietzsche definia, com o seu habitual excesso, um radical antagonismo entre Estado e Cultura: "o que se dá a um lado falta no outro." Em 1871, não tinha já o nosso Antero de Quental encontrado no imenso e esgotante esforço nacional das descobertas e conquistas uma das causas do nosso atraso cultural? Se olharmos para o Império britânico, por exemplo, não é curioso que a hegemonia da língua inglesa tenha servido para dois povos não imperiais, os escoceses e irlandeses, terem produzido um pensamento e uma literatura de craveira universal?
Alguém conhece o segredo de uma grande cultura? Quem poderá explicar o milagre do Renascimento, que ainda hoje resplandece no tecido das cidades desse país-museu que é a pátria de Dante? Quem poderá explicar a explosão de génios musicais e filosóficos na Europa de língua alemã do século XVIII? Em ambos os casos, e mais uma vez, não existia Estado, mas sim uma nebulosa de entidades políticas e religiosas, devoradas pelo acicate da inveja, funcionando num regime de mecenato competitivo. E como explicar a explosão criativa da República de Weimar, derrotada e endividada, mas uma autêntica supernova comparada com o brilho pálido da excedentária Alemanha atual?
Que lições para Portugal em 2017? A melhor política cultural será sempre indireta. É a que cria as condições de possibilidade para que surjam os atores e os públicos, que são a alma e o corpo da cultura. Boas escolas e bibliotecas. Um hardware monumental preservado. Museus cuidados e atrativos. Mercados para os produtos culturais em língua portuguesa (para o livro, o cinema, o teatro...). Uma política fiscal, que em vez de perseguir e humilhar os autores promova o mecenato para os criadores, e não para o próprio Estado. Tudo isso ajudará a criar uma cultura, com espírito, mas também com ossatura económica. Um Estado que queira interferir diretamente na cultura, acabará sempre a fazer má propaganda.