Líder da Frente Polisário negou tortura e tem porta aberta para sair de Espanha
O líder da Frente Polisário, Brahim Ghali, que viajou para Espanha para receber tratamento médico contra a covid-19 e desencadeou uma crise com Marrocos, negou ontem em tribunal as acusações de tortura ou genocídio. O juiz da Audiência Nacional Santiago Pedraz decidiu contra qualquer medida restritiva da liberdade, nem mesmo retirar-lhe o passaporte, considerando que "não há risco de fuga" e o líder saarauí concordou em depor "mesmo com seu estado de saúde".
O governo espanhol assumiu que Ghali, internado num hospital em Logroño (La Rioja), vai deixar o país quando estiver recuperado, depois de a justiça ter decidido que não há razões para ser detido. "Quando recuperar, compreendemos que irá embora", disse a ministra e porta-voz do executivo, María Jesús Montero, depois do Conselho de Ministros semanal.
Ghali tem assim a porta aberta para voltar à Argélia, de onde lidera o governo no exílio da autoproclamada República Árabe Saarauí Democrática. O El Mundo escrevia ontem que já havia um avião privado a caminho de Espanha, mas este terá contudo dado meia volta quando sobrevoava Ibiza por falta de autorização para aterrar.
Numa intervenção por videoconferência a partir do hospital, o líder da Frente Polisário (que luta pela autodeterminação do Saara Ocidental e é considerado um grupo terrorista por Marrocos, que controla 80% do território) negou os crimes de que é acusado em Espanha - que foi a potência colonial até 1975. Há dois processos abertos contra Ghali. Um deles por tortura no campo de refugiados saarauí de Tindoug, na Argélia, apresentado pelo dissidente Fadel Breika (que também tem nacionalidade espanhola). O segundo por genocídio, homicídio, terrorismo, tortura e desaparecimentos feito pela Associação Saarauí de Defesa dos Direitos Humanos, que tem sede em Espanha.
Ghali associou essas acusações a motivos "absolutamente políticos" para "tentar minar a credibilidade do povo saarauí e a sua luta para conseguir a autodeterminação", de acordo com o seu advogado, Manuel Ollé.
A ida de Ghali para Espanha agravou as relações com Marrocos, que fechou os olhos quando dez mil imigrantes entraram ilegalmente no enclave espanhol de Ceuta. Rabat exige que Madrid se pronuncie claramente em relação ao Saara Ocidental, tendo visto a sua posição reforçada quando, no final do mandato de Donald Trump, os EUA reconheceram a soberania marroquina sobre este território. Exercícios militares estão previstos este mês entre os dois países no Saara Ocidental.
Bruxelas reiterou que nada mudou. "A nossa posição é clara, mantém-se sem mudanças e nada vai fazer com que mude", disse o porta-voz do chefe da diplomacia europeia, Josep Borrell. "A União Europeia pede negociações rápidas nas Nações Unidas para procurar soluções política duradouras e justas."
susana.f.salvador@dn.pt