Lições de Fukushima
Visitei Hiroxima e Nagasáqui e sei bem como os japoneses preservam a memória desse terrível agosto de 1945. Visto de lá, as mortes pelas bombas atómicas deixam de ser uma estatística e ganham rostos. Na fábrica da Mazda, em Hiroxima, reerguida, ninguém esquece os operários que naquele 6 de agosto não regressaram a casa e às famílias. Provavelmente, nem casa nem família já teriam depois da bola de fogo que engoliu a cidade. E na catedral de Urakami, em Nagasáqui, reconstruída no local onde estava o edifício atingido pela bomba de 9 de agosto, um padre contou-me como a comunidade católica, fruto da missionação portuguesa, e que sobrevivera a séculos de proibição, quase que desaparecia no momento em que o mundo celebrava o fim da Segunda Guerra Mundial.
O Japão pós-1945, que a partir de uma Constituição imposta construiu uma sólida democracia, fez-se adepto do pacifismo, até por oposição ao militarismo que trouxera a derrota e a ocupação pelos americanos, hoje grandes aliados. Durante décadas, ter forças armadas foi um tabu, com a solução a ser umas eufemísticas Forças de Autodefesa. Porém, em resposta aos mísseis norte-coreanos e ao poderio chinês, o orçamento militar de apenas 1% do PIB começa a ser questionado e há porta-helicópteros transformados em porta-aviões, continua é a ser impensável para o governo ter armas nucleares. É óbvio que o país, terceira economia mundial, possui tecnologia para tal, mas a opinião pública é contra. Não esquece o trauma de Hiroxima e Nagasáqui.
Hoje, dia do décimo aniversário da tragédia de Fukushima, cidade que foi vítima de um terremoto, de um tsunami e de um acidente nuclear, é uma boa oportunidade para homenagear os quase 20 mil mortos (pelo terremoto e pelo tsunami), assim como os mais de cem mil habitantes que tiveram de ser retirados de casa (em parte por causa da radiação).
Sabe-se que a resposta japonesa foi de uma eficiência muito superior à soviética quando em 1986 aconteceu o desastre nuclear em Chernobyl, que a reparação da central de Fukushima é feita sob os mais elevados padrões científicos e que pouco a pouco não só as famílias regressam às suas casas como os agricultores e pescadores da região conseguem vender de novo os produtos. Os dirigentes da AIEA, a agência das Nações Unidas que controla a atividade nuclear, têm visitado Fukushima e não hesitam em dizer que tomaram as refeições sem receio.
A efeméride serve também para notar que o Japão, que tanto abomina o uso militar do nuclear, não abdicou das vantagens da energia criada por esta técnica. Isso tem que ver com as vantagens que traz para a sua economia, tornando-a menos dependente do petróleo. A França, líder do nuclear na União Europeia, seguiu a mesma estratégia e raros foram os países, como a Alemanha, que após Fukushima se decidiram por uma redução da dependência da energia gerada pelas centrais nucleares.
Menos grave do que Chernobyl, mas mesmo assim assustador, dada a lenta recuperação da zona atingida, o acidente de Fukushima tem alimentado o movimento contra a energia nuclear, até entre os japoneses, mas o debate está longe de fechado. Na luta contra o aquecimento global, os defensores da opção nuclear como um mal menor ganham visibilidade.
Mas no final de contas, e olhando para as dificuldades que mesmo uma superpotência tecnológica tem em contrariar a radiação na central de Fukushima, vale mesmo a pena o risco? As energias renováveis não terão de ser a aposta da humanidade? Estaremos dispostos a pensar menos na economia e mais no planeta? Vale a pena seguir o debate sobre estes temas, sobretudo o que é feito nesse Japão que conhece o horror nuclear como nenhum outro país.