Leonardo e Mario, mestres italianos
Muito antes sequer de pensar em visitar o Museu do Louvre, e ver Mona Lisa, já o nome Leonardo Da Vinci era mágico para mim, como creio acontecer com muitas crianças quando veem livros ilustrados com as engenhosas máquinas do génio italiano, seja o leão robô ou um helicóptero. Mas se Leonardo começou por ser aos meus olhos um inventor, não consigo hoje deixar de me emocionar com a beleza das escassas pinturas que nos legou, perto de duas dezenas. Um dia até escrevi aqui no DN a história atribulada de A Dama e o Arminho, que envolve até os nazis, depois de ter tido direito inesperadamente a uns minutos sozinho com ela no Castelo Real de Wawel, em Cracóvia.
Há dias, numa ida a Milão, onde em tempos também fiquei maravilhado com A Última Ceia, voltei a encontrar-me com uma pintura de Leonardo, desta vez Retrato de um Músico. Não sei se voltei a ter sorte (era primavera, enquanto a minha referida ida à Polónia aconteceu num inverno), mas de novo lá pude estar tranquilamente, sem turistas à volta, a admirar na maravilhosa Pinacoteca Ambrosiana o traço do pintor italiano.
Ontem foi Dia Nacional de Itália, a assinalar o referendo pós-Segunda Guerra Mundial em que o voto popular escolheu a república em detrimento da monarquia. A Casa de Saboia fora essencial na reunificação italiana do século XIX, mas tinha perdido muito do apelo popular e o último rei, Humberto II, escolheu Cascais para amenizar o exílio. Desta vez faltei, por estar fora, à cerimónia na embaixada, sempre das mais concorridas, mas a celebração prossegue no fim de semana com todos os lisboetas e não só convidados para celebrar Leonardo e outros grandes artistas italianos, pois algumas das suas obras (e de Miguel Ângelo, Ticiano, Botticelli, Caravaggio, etc, etc) vão ser projetadas nas muralhas do Castelo de São Jorge nas noites de sábado e domingo. O espetáculo de video mapping chama-se "Mestres da Arte Italiana".
Partilhamos com os italianos muito passado, desde a pertença ao Império Romano até ao casamento de D. Maria Pia com o nosso D. Luís, passando por tantos navegadores que nos ajudaram nas Descobertas. Mas temos sobretudo um futuro em comum, pois a Itália é parceira de Portugal tanto na NATO como na UE. Durante a crise do Euro houve quem criasse a sigla PIGS, palavra inglesa para porcos construída a partir das iniciais de Portugal, Itália, Grécia e Espanha. A intenção não foi simpática, mas os quatro países referidos ultrapassaram as dificuldades daquela época e agora ninguém dúvida, numa nova época de desafio para a Europa, de que estão no campo das democracias. E a voz do maior deles, dessa Itália onde o primeiro-ministro é uma grande figura que dá pelo nome de Mario Draghi, tem-se feito ouvir e bem, com a proposta de negociar a paz com Rússia sem deixar de apoiar a Ucrânia.
Vai ser preciso muito génio para evitar que a situação causada pela invasão russa da Ucrânia, e pela inevitável retaliação ocidental via sanções económicas, entre num impasse ou pior ainda, numa espiral perigosa, sem saída. Um compatriota de Leonardo, o homem a quem até já chamaram de "super Mario", talvez tenha, com a ajuda da diplomacia italiana, a pincelada certa para mudar o quadro negro.
Diretor-adjunto do Diário de Notícias