Leituras sobre o grande século XIX português
João Miguel Almeida, autor de D. Manuel II: A biografia do último Rei de Portugal, venceu este ano o Prémio Grémio Literário, que distingue obras relativas ao século XIX. É certo que D. Manuel II reinou já no século XX, mas além de ter nascido em 1889 também o seu curto reinado, a coincidir com o ocaso da Dinastia dos Braganças, enquadra-se perfeitamente numa espécie de grande século XIX português que se prolongou até à Implantação da República, em 1910.
Não é a primeira vez que o nosso último rei é biografado, mas ler agora o historiador João Miguel Almeida, investigador na Nova e na Católica, é uma excelente oportunidade para conhecer esta figura trágica, inesperado rei em 1908, após sobreviver ao atentado que matou D. Carlos e o príncipe herdeiro, D. Luís Filipe. Aliás, também D. Manuel II ficou ferido em consequência dos disparos dos republicanos Manuel Buiça e Alfredo Costa. Exilado após dois anos de reinado, morreu em 1932, em Inglaterra, sem descendência.
Mas além da figura do rei, há no livro a história final da Monarquia Constitucional portuguesa. E é importante compreender o que foi essa Monarquia Constitucional que nasceu da Revolução Liberal do Porto, em 1820, para se entender o que tem sido Portugal nestes dois últimos séculos. É no século XIX que estão as raízes da atual democracia portuguesa, pois apesar do voto censitário e da discriminação das mulheres, havia partidos políticos e eleições competitivas. E há legados dessa época muito interessantes, como a abolição da pena de morte em 1867 (reinava então D. Luís, pai de D. Carlos e avô de D. Manuel II), decisão pioneira na Europa e que nem o Estado Novo rejeitou.
Criado em 1846, ainda com D. Maria II no trono, o Grémio Literário é uma instituição que vem desse período da Monarquia Constitucional. E daí o seu prémio literário dar prioridade natural a essa época. Por coincidência, durante uma entrevista que fiz há uns meses ao poeta e diplomata Luís Filipe Castro Mendes no belo palácio lisboeta que serve de sede ao Grémio, cruzei-me com o atual presidente, o médico António Pinto Marques, e recordo-me agora termos comentado esta biografia do último rei.
Além do livro vencedor de João Miguel Almeida, houve duas menções honrosas a distinguir títulos que igualmente contribuem para a compreensão da Monarquia Constitucional, ambos obras coletivas: A Revolução de 1820: Leituras e Impactos e 1822: Das Américas Portuguesas ao Brasil. Se a biografia de D. Manuel II retrata o tal ocaso dos Braganças, estes dois livros falam do momento, 90 anos antes, em que estes, pressionados pelos acontecimentos, se reinventam, transformando-se de monarcas absolutos em monarcas liberais. É a continuada presença da corte portuguesa no Rio de Janeiro, mesmo com Napoleão derrotado, que leva à Revolução de 1820, e é o regresso de D, João VI a Lisboa que acelera a proclamação da independência do Brasil em 1822. Por entre voltas e reviravoltas políticas, e também a guerra de independência no Brasil e guerra civil em Portugal, a verdade é que os Braganças conseguiram continuar a reinar nos dois lados do Atlântico.
Três recomendações de leitura, pois, com a chancela do Grémio Literário, cujo Conselho Literário é presidido por Guilherme d"Oliveira Martins, administrador da Gulbenkian e grande conhecedor do tal grande século XIX português. Obras todas elas muito políticas e provavelmente, abordando o passado, fornecedoras de pistas para entender um pouco esta nossa vida política portuguesa do século XXI.
Diretor adjunto do Diário de Notícias