Lee Israel: a original história de uma falsificadora literária

<em>Can You Ever Forgive Me? - </em><em>Memórias de Uma Falsificadora Literária </em>chega neste sábado ao pequeno ecrã. Ao longo do mês de setembro, os canais TV Cine exibem quatro filmes que não estrearam nas salas de cinema portuguesas.
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O caso que tornou famosa a autora nova-iorquina Lee Israel (1939-2014) é, no mínimo, insólito: no início da década de 1990, ao longo de três anos, forjou mais de 400 cartas de personalidades como Dorothy Parker, Noël Coward ou Ernest Hemingway, vendendo-as a livreiros na qualidade de autênticas relíquias (ainda que não tenha feito fortuna com elas). É considerada uma das mais bem-sucedidas falsificadoras da história da literatura e as memórias deste episódio da sua vida estão plasmadas no livro Can You Ever Forgive Me?, que deu origem ao filme homónimo realizado por Marielle Heller e protagonizado por Melissa McCarthy. Passa neste sábado à noite no TVCine 1 (às 21.30).

A personagem verídica de Lee Israel é, até à data, uma das interpretações mais exigentes e brilhantes de McCarthy, atriz que nos habituámos a ver no género da comédia (A Melhor Despedida de Solteira, Armadas e Perigosas) e que com esta mudança de registo alcançou a sua segunda nomeação para um Óscar na última edição dos prémios da Academia. Ao seu lado, um não menos notável Richard E. Grant, no papel de Jack Hock - o amigo da escritora que pactuou com o seu ato criminoso -, foi também nomeado, na categoria de melhor ator secundário, e a proeza estendeu-se ainda ao argumento adaptado.

Apesar destes bons indicadores e do entusiasmo geral da crítica americana, Can You Ever Forgive Me? - Memórias de Uma Falsificadora Literária não chegou às salas de cinema portuguesas. Estreia agora no TV Cine (depois de outros canais cabo) e conta as peripécias de uma mulher, à falta de melhor termo, desembaraçada...

Quando o filme começa, deparamo-nos com alguém de feitio amargo e difícil cujo nome não progride no meio literário, precisamente devido à falta de paciência para a autopromoção nos círculos influentes. Por essa altura, com três biografias publicadas - da atriz Tallulah Bankhead, da jornalista Dorothy Kilgallen e da empresária Estée Lauder -, a segunda, na lista de best-sellers do The New York Times, Lee Israel é uma escritora pouco conhecida mas que não cede às estratégias editoriais propostas pela sua agente para ganhar reputação. Porém, tem a renda da casa em atraso e uma gata doente, a precisar de ser observada por um veterinário. E não há dinheiro.

Um dia, estando a pesquisar material para uma biografia da comediante Fanny Brice (que não chegou a avançar), rouba uma carta original datilografada por essa estrela da Broadway e, ao reparar no largo espaço em branco depois da assinatura, acrescentou-lhe, num ímpeto de engenho, um divertido p.s. que valorizou o objeto na hora da venda. Este foi o primeiro dos seus delitos, que rapidamente se estenderam a outras celebridades como a escritora Dorothy Parker ou o dramaturgo Noël Coward, com sumarentas epístolas redigidas numa máquina de escrever vintage e todo um minucioso processo de falsificação, desde o envelhecimento do papel à rubrica.

É isto que se vê em Can You Ever Forgive Me?. O modo como uma mulher inteligente, antissocial e lésbica conseguiu pagar as contas durante uns tempos e levar o animal de estimação - quase o único ser por quem tinha genuíno afeto - ao veterinário. Quando uma das suas "picantes" cartas levanta suspeitas, devido a uma incúria do conteúdo (pôs Coward a revelar-se homossexual num tempo em que seria preso se o fizesse), ela não desiste: tenta inverter o esquema, roubando e vendendo cartas originais dos arquivos, substituindo-as na fonte pelas falsificações. Nesta fase, claro, já não podia fazer tudo sozinha, e foi auxiliada pelo seu amigo dos copos, Jack Hock, bon vivant pelintra com muita lábia, que negociava a venda das missivas com o mesmo circuito de livreiros.

A amizade dos dois revela, de resto, a crónica humana no centro do filme de Heller, o seu olhar mais caloroso sobre uma relação sui generis, quase adolescente, enquadrada pela tremenda solidão de ambos. E desta combinação de talentos nasce uma melancólica narrativa urbana, de cores outonais, com suficiente espirituosidade para garantir um delicado equilíbrio dramático.

Para além de Can You Ever Forgive Me? - Memórias de Uma Falsificadora Literária, os canais TV Cine exibem ainda, ao longo do mês de setembro, Nação Assassina (dia 14), de Sam Levinson, uma fantasia de vendeta anti-sexista; O Herói, o Vilão e a Donzela (dia 16), dos irmãos Zellner, atualização do western com travo feminista, protagonizado por Robert Pattinson e Mia Wasikowska; e Asiáticos Doidos e Ricos (dia 28), a badalada comédia romântica de Jon M. Chu, no rasto do espírito das produções de Nora Ephron. Todos eles filmes inéditos nas nossas salas.

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