Kiev só quer negociar em agosto e Boris quer dar tempo à Ucrânia
Após uma semana de intensa atividade diplomática em Kiev, onde recebeu nada menos do que oito líderes europeus, o presidente Volodymyr Zelensky fez uma rara incursão fora da capital, tendo rumado a sul, onde visitou Mykolaiv e tropas estacionadas na região de Odessa. O seu negociador principal disse que a Ucrânia estará disposta a negociar no final de agosto, uma vez atingidos os objetivos do "contra-ataque". Também Boris Johnson falou da importância do calendário, tendo avisado os aliados para se prepararem para uma "guerra longa"ao mesmo tempo que propôs um plano de apoio em quatro pontos.
Num artigo publicado no Sunday Times, o primeiro-ministro britânico disse que "o tempo é agora o fator vital", enquanto pediu o apoio sustentado a Kiev, caso contrário acontecerá a "a maior vitória para a agressão" desde a Segunda Guerra Mundial. Johnson disse que os parceiros da Ucrânia devem manter a coragem para garantir que o país invadido tenha "a resistência estratégica para sobreviver e acabar por prevalecer".
"Tudo dependerá de a Ucrânia poder reforçar a sua capacidade de defender o seu solo mais rapidamente do que a Rússia pode renovar a sua capacidade de ataque. A nossa tarefa é alistar o tempo a favor da Ucrânia." Para tal, propôs um plano de "financiamento e ajuda técnica constantes", cujos níveis devem ser mantidos por "anos vindouros" e potencialmente aumentados. O chefe do governo britânico já tinha alertado que se está perante um conflito que poderá durar até ao final do próximo ano. De surpresa, Boris Johnson regressou a Kiev na sexta-feira, um dia depois de os líderes da Alemanha, França, Itália e Roménia terem levado a Zelensky uma mensagem de solidariedade e de apoio quanto às perspetivas do país em integrar-se no espaço europeu. Já Johnson levou ao presidente ucraniano a proposta de um programa de treino militar de até 10 mil soldados em cada três meses.
Citaçãocitacao"Precisamos de armas que provem que o Ocidente está comprometido em ajudar-nos de facto a vencer, mais do que não nos deixarem perder.".
Sobre os apelos para uma paz imediata, que no fundo permitiriam ao regime de Moscovo manter a ocupação de parte da Ucrânia, disse que esse cenário não conduziria a um mundo mais pacífico. "Uma tal farsa seria a maior vitória da agressão na Europa desde a Segunda Guerra Mundial", acrescentou.
Já o MNE ucraniano Dmytro Kuleba escreveu na Foreign Affairs a sua receita para o sucesso, que passa pelo alargamento de sanções combinado com a entrega maciça de armamento. "Precisamos de armas que provem que o Ocidente está comprometido em ajudar-nos de facto a vencer, mais do que não nos deixarem perder", disse. "Se avançarmos ao mesmo tempo no sul e no leste podemos forçar Putin a escolher entre abandonar as cidades do sul, incluindo Kherson e Melitopol para se agarrar ao Donbass, ou abandonar os territórios ocupados recentemente em Donetsk e Lugansk para segurar o sul." O chefe da diplomacia da Ucrânia advogou também o fim do acesso russo à indústria do transporte marítimo como forma de aplicar um embargo à energia daquele país, uma vez que Moscovo depende de navios com bandeira de outros países.
Sobre as futuras negociações, o chefe da delegação ucraniana para as conversações de paz com a Rússia, David Arakhamia, disse que Kiev não estava a considerar retomar o diálogo por enquanto, mas que aponta para o final de agosto. Para retomar as negociações, que estão paradas desde finais de março, o negociador fez depender a condição de que as forças ucranianas tivessem conseguido reforçar significativamente o seu controlo sobre o território - tendo expressado esperança de que até lá haveria "operações contraofensivas em alguns locais" - ou que as tropas russas se retirassem "voluntariamente" para as suas posições anteriores a 24 de fevereiro, o dia em que a invasão começou, disse o deputado em declarações à Voice of America.
As autoridades ucranianas têm apelado diariamente aos aliados da NATO para o fornecimento de mais armas e equipamento. Nos últimos dias ora disseram que o Ocidente só entregou 10% do que havia prometido, ora que a desproporção de forças com os russos é de 15 para um. Após a reunião ocorrida em Bruxelas à margem do encontro de ministros da Defesa foram anunciadas mais entregas, mas não se sente alívio em Kiev. "Advertimos os países da UE que não estão a ser suficientemente rápidos. Se chegarem dentro de dois ou três meses pode ser demasiado tarde", disse ao El País o vice-chefe de gabinete de Zelensky, Ihor Zhovkva.
Na frente de combate, segundo Kiev, um avião de combate russo foi abatido na região de Donetsk, enquanto as autoridades pró-russas daquela cidade disseram que um bombardeamento das tropas ucranianas matou cinco pessoas e feriu 12, tendo atingido um cinema e um bar.
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