Justin Timberlake regressa com obra única na pop

'The 20/20 Experience' já está disponível para escuta gratuita do iTunes. Não é um disco que apele aos sete ventos o regresso de Timberlake e isso dá-lhe uma segurança que resulta numa das mais fortes obras pop da atualidade.
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Artista: Justin Timberlake

Álbum: 'The 20/20 Experience'

Editora: Sony Music

Classificação: 5/5

Muita da crítica especializada em música tem caído numa tendência de avaliar os discos que lhes chegam aos ouvidos tendo como única bitola uma suposta e imaginada ideia de arrojo e inovação sonora, esquecendo habilidade interpretativa e de construção de canções (neste caso com apelo pop), cruzamento de ideias estéticas, entre outros parâmetros.

Isto para falar de The 20/20 Experience, primeiro álbum de originais de Justin Timberlake mais de seis anos depois de ter conquistado meio mundo com essa visão do futuro pop que foi na altura FutureSex/LoveSounds (2006). O terceiro álbum do cantor só chega em formato físico na segunda-feira, mas já foi disponibilizado para streaming gratuito no iTunes. E o que ele acaba por demonstrar é não só que Timberlake se encontra no seu pico criativo enquanto intérprete, mas também que não se deixa moldar por uma pressão mediática bacoca que exige deste regresso uma nova invenção da roda que siga os passos dados em FutureSex/LoveSounds.

Nunca assumindo a postura ambiciosa desse álbum de 2006, The 20/20 Experience acaba no final por ser bem mais arrojado. Claro que não é esta característica per se que faz deste disco melhor ou pior que tantos outros. E esse arrojo não vem necessariamente da longa duração do álbum (sensivelmente uma hora e dez minutos, mais quatro que o seu antecessor) ou da média de cada canção andar à volta dos sete minutos. Mas de uma datalhada produção (a cargo de Timbaland em parceria com J-Roc, conseguindo também Timbo neste disco uma regeneração, não entrando no modo piloto automático que o conduziu até há pouco tempo) que torna este num disco de tal forma único nas suas particularidades que acaba por ficar à parte do contexto pop a que poderia ser associado.

The 20/20 Experience não tem nenhum single tão imediato como SexyBack, My Love ou Cry Me A River. E não está preocupado nessa conquista súbita. Nem precisa. Porque hoje, com 32 anos, Justin Timberlake já está longe de ser o miúdo que fez parte dos 'Nysinc e que achava que teria de provar alguma autenticidade valorativa. O álbum não é o resultado de alguém que queira fazer "O" sucessor de FutureSex/LoveSounds, mas apenas uma fortíssima obra pop, ciente de toda a sua história e sem receios de extravasar as suas influências.

Por aqui ouvem-se canções onde a soul mais retro ganha corpo na voz e nas luxuriosas secções de metais e cordas utilizadas, de uma Pusher Love Girl ao single Suit & Tie ou a That Girl. As memórias de Marvin Gaye, Al Green, D'Angelo e Michael Jackson cruzam-se numa manta só possível de ser tecida por Timberlake nos dias de hoje, mesmo que não estejam presas a uma data precisa no calendário. Em Don't Hold the Wall Timbaland volta a provar que é mestre no trabalho de manipulação de cânticos tribais dentro de uma canção r&b. Já em Tunnel Vision tem lugar uma cascata de sintetizadores irrequietos, enquanto Timberlake carrega na voz uma provocação sensual que só ele consegue. Let the Groove Get In é o reflexo de alguém com uma extrema confiança na sua personalidade musical, conseguindo, surpreendentemente, sustentar uma exuberante secção de metais com sabor latino em constante êxtase, sabendo também como integrar na perfeição este momento exuberante num disco caracteristicamente midtempo e pouco dirigido às pistas de dança. Já Mirrors é a épica balada que já conhecíamos. Apesar de constantemente apontada como uma sucessora de Cry Me A River, na verdade Mirrors é mais o resultado de alguém que fez as pazes com os refrães melosos e épicos (elogio) típicos do passado percorrido numa boy band, mas que são integrados com uma segurança que só a idade adulta permite.

The 20/20 Experience não é um álbum que revele todas as suas valências e potencialidades à primeira escuta. Nem à segunda ou à terceira. Devido à sua produção tão meticulosamente trabalhada, repleta de truques e pormenores escondidos em cada esquina, com canções que estão constantemente a transfigurar-se noutras com um egenho único. Essa permanente autotransformação que vai tendo lugar faz com que as estruturas que seguram as canções não sejam aquelas a que estamos habituados, porque comportam em si algumas reviravoltas sonoras que ainda hoje estamos por descobrir. E, no entanto, toda esta opulência não deixa de ter nuances que fazem de The 20/20 Experience um disco apuradamente pop.

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