Lula é ou não ministro? Tribunal revoga primeira suspensão. Mas já há outra

Supremo tem entretanto dez ações populares contra ex-presidente. Nas ruas, protestos e confrontos. Futuro do país é incerto
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Lula da Silva assinou esta quinta-feira a tomada de posse como ministro da Casa Civil de Dilma e, quase ao mesmo tempo, um juiz decretava a suspensão da posse. O Governo recorreu. Ao fim do dia (já madrugada em Lisboa), uma segunda juíza também decretava que a posse estava suspensa. Quase ao mesmo tempo, o tribunal de recurso dava razão ao advogado do Estado e revogava a primeira decisão.

Foi o presidente do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, Cândido Ribeiro, quem aceitou as alegações formuladas pela Advocacia-Geral da União, e contrariou a suspensão da nomeação de Lula decretada ao início da tarde pelo juiz federal Itagiba Catta Preta Neto. E complicou ainda mais um processo que agora se tem de desembrulhar nos tribunais.

Continua no entanto em vigor a decisão da juíza Regina Coele Formisano, titular do sexto juízo federal do Rio de Janeiro, que aceitou outro pedido apresentado para anular sua nomeação. O que faz com que Lula continue sem poder praticar atos governativos. E ainda há mais dez ações populares a correr nos tribunais (ler mais abaixo).

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Durante o dia de ontem, as duas referidas ações populares movidas por cidadãos e aceites por juízes federais suspenderam a posse de Lula da Silva, do PT, como ministro da Casa Civil do governo de Dilma Rousseff. Durante a cerimónia em Brasília, a presidente atacou o poder judicial, nomeadamente Sérgio Moro, magistrado responsável pela quebra do sigilo dos registos áudio do ex-presidente na véspera.

Os procuradores da Operação Lava-Jato, por sua vez, defenderam a atitude do colega, em discurso à frente de populares em Curitiba. Na posse de Lula, houve tumultos. Na Câmara dos Deputados também. E em 18 dos 26 estados brasileiros registaram-se protestos e confrontos.

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O nome do juiz federal Itagiba Catta Preta Neto entrou de rompante na novela da nomeação de Lula para "primeiro-ministro" do governo Dilma, ao dar deferimento ao equivalente a uma providência cautelar e suspender a posse. Para justificar a decisão, o magistrado do Distrito Federal, que não esconde ser contrário ao governo e apoiante de Aécio Neves, do PSDB, nas eleições de 2014, aludiu ao telefonema entre Dilma e Lula tornado público na véspera e disse que "não é admissível a tentativa de intervenção do ex-presidente e, talvez, da atual no poder judicial presenciadas pelo país inteiro".

O governo, através da Advocacia Geral da União, órgão liderado desde há duas semanas por José Eduardo Cardozo - ex-ministro da justiça e fiel aliado da presidente - recorreu. E viu o presidente do Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região, Cândido Ribeiro, dar-lhe razão.

"Lula é ministro, o cargo está investido, mas não pode tomar atos", disse Cardozo ainda antes de conhecer esta decisão. "Não foi anulada a investidura no cargo, mas houve suspensão dos efeitos dessa investidura".

Entretanto, a juíza Coeli Formisano deferiu a ação popular proposta pelo cidadão Thiago Schettino Godim Coutinho, escrevendo mesmo que "não se afigura razoável que a presidente da República deste país tente obstruir o curso da Justiça em qualquer grau de jurisdição".

O Supremo Tribunal Federal, entretanto, também recebeu 10 ações contra a posse de Lula. Por sorteio, Gilmar Mendes, juiz da corte mais hostil ao ex-presidente de acordo com as suas declarações públicas, vai analisar sete delas.

Segundo a lei brasileira, "qualquer cidadão eleitoralmente ativo pode apresentar uma ação popular neste sentido", disse ao DN o juiz federal Eduardo Costa. "É uma lei com origem romana, comum em países latinos democráticos, que pretende que os cidadãos controlem os atos dos seus representantes", prossegue. Segundo Costa, "qualquer um dos mais de 1500 juízes federais brasileiros, mesmo os de primeira instância, tem poderes para julgar uma ação desse tipo e suspender os efeitos, no caso, de uma posse".

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Ainda na batalha nos tribunais, os advogados de Lula anunciaram que vão processar o juiz Moro por considerarem ilegais as escutas ao petista e aos seus interlocutores, parte deles com foro privilegiado por ocuparem cargos de Estado.

Antes, Dilma reclamara na cerimónia de posse dos novos ministros - além da entrada de Lula houve mais três alterações no executivo - contra as escutas telefónicas. "Os golpes começam assim", alertou a presidente.

Dilma deu a sua versão para o telefonema a Lula às 13.32 de quarta-feira (hora de Brasília), em que, segundo a interpretação da polícia, procurava obstruir a justiça, explicando que ia entregar o termo de posse ao antecessor apenas para o caso dele não poder comparecer por motivos pessoais à cerimónia de ontem. "O teor da conversa é absolutamente republicano", defendeu-se.

E depois atacou: "Não há justiça quando delações são tornadas públicas de forma seletiva para execração de alguns investigados e quando depoimentos são transformados em fatos espetaculares. Não há justiça quando leis são desrespeitadas e a Constituição aviltada. Não há justiça para os cidadãos quando as garantias constitucionais da própria presidente são violadas".

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Do ponto de vista político, a ausência do vice-presidente Michel Temer foi notada. O líder do PMDB estava contrariado com a posse para a pasta da Aviação Civil de Mauro Lopes, do seu partido, dias depois de os peemedebistas terem combinado não aceitar mais cargos no governo. Da posição do PMDB depende a rejeição ou não do impeachment de Dilma.

Na cerimónia houve tumulto quando um deputado da oposição, um polícia na reserva conhecido como Major Olímpio, do Solidariedade, gritou "vergonha, vergonha". Reagiram os presentes com palavras de ordem como "não vai ter golpe" e "o povo não é bobo, abaixo a Rede Globo", emissora que divulgou as escutas a Lula.

No sul do país, em Curitiba, o coordenador da Lava-Jato, Deltan Dallagnol, reagiu ao discurso de Dilma através de nota - lida perante populares que o aplaudiram no final - a apoiar Sérgio Moro. "O Ministério Público e a Justiça não se amedrontarão", afirmou o procurador.

Os protestos que se iniciaram na véspera após a divulgação do conteúdo do telefonema entre Dilma e Lula continuaram pelo dia de ontem em 18 dos 26 estados brasileiros, sendo que em dez houve registo de confrontos. Os mais graves em frente ao Planalto, em Brasília, e na Avenida Paulista, em São Paulo, entre apoiantes do PT e oposicionistas.

João Almeida Moreira está em São Paulo

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