Justiça climática é responsabilizar quem polui
Tem lugar hoje e amanhã o 7.º Encontro Nacional pela Justiça Climática, em Lisboa, em que participam ativistas e organizações ambientais e sociais. O principal promotor da iniciativa é o coletivo Climáximo, que nasceu em finais de 2014 para sair à rua em defesa da "justiça climática": promoção de energias limpas e responsabilização dos atores das alterações climáticas. Distingue-os as ações diretas e de "disrupção e desobediência civil".
O Climáximo está sediado em Lisboa, onde decorrem a maioria das ações, mas organiza protestos em todo o país. Afirma-se como "um coletivo aberto, horizontal e anticapitalista", sem filiação partidária. Não tem um órgão diretivo, rodam as explicações públicas entre os seus 50 membros mais ativos. São essencialmente jovens, muitos com formação na área ambiental, mas estas características não são exclusivas.
"Somos um conjunto bastante heterogéneo, desde jovens, jovens adultos a trabalhar, pais, a seniores com mais de 50 anos; estudantes, trabalhadores, reformados e desempregados", explica Mariana Gomes, uma das ativistas.
Tem 20 anos, é estudante de Direito, entrou para o coletivo em 2019 devido à sua organização e ambição. "Agir de acordo com a urgência climática. Vi que havia mais pessoas a pensar como eu, que as minhas ideias não eram radicais e faziam sentido." Pretende trabalhar na área dos direitos humanos e ambientais.
Entre as ações do Climáximo contam-se o bloqueio de ruas, nomeadamente junto ao Banco de Portugal; a ocupação na refinaria da Galp de Sines ou espalhar notas sujas de petróleo no Ministério da Ambiente. Nesta semana questionaram o governo e a Endesa, detentora de 43,75% do consórcio que gere a central a carvão do Pego, sobre "o plano de transição justa".
Os ativistas destacam a iniciativa "Em Chamas", a 22 de maio de 2021. Bloquearam a Rotunda do Relógio, junto ao aeroporto de Lisboa, para reivindicar menos aviões, e mais ferrovia, mediante uma transição justa, o que significa que os trabalhadores não serão afetados. Resultou na detenção de 26 ativistas, com o Climáximo a apresentar queixa por "revistas abusivas" da PSP. O segundo destaque é para o acampamento Camp-in-Gás, na Bajouca (Leiria), contra o gás fóssil, que envolveu toda a população. As empresas acabaram por desistir da pesquisa de prospeção nesta freguesia do concelho de Pombal e na Batalha.
Primeiros tempos
João Camargo , 38 anos, engenheiro ambiental, investigador do ISCTE-InUL (Instituto Universitário de Lisboa), foi um dos seis fundadores do Climáximo. Vinha da Liga para a Proteção da Natureza, sentia que, perante o grande problema da crise climática, "havia um enorme buraco na organização à volta do tema", em Portugal e no estrangeiro.
"Todas as organizações que abordavam este problema faziam-no de forma frágil, pouco empenhada e com uma estratégia totalmente despreparada para a dimensão do problema. E não eram propriamente organizações sociais, tinham bom nível técnico, mas não construíam um movimento, não mobilizavam e organizavam as pessoas para lidar com este problema", diz João Camargo.
Isto nos finais de 2014/início de 2015, quando foram para o terreno. O ativista sublinha que "houve um salto gigantesco". A justiça climática "deixou de ser um nicho do movimento ambientalista para ser um tema que tem mobilizado milhões de pessoas em todo o mundo".
Diogo Silva, 29 anos, faz a ponte entre o coletivo e os jornalistas. Economista, a sua entrada para o Climáximo, em 2019, coincidiu com uma mudança na carreira. O objetivo foi "ganhar tempo" para o ativismo em defesa do ambiente. Tornou-se freelancer em atividades alinhadas com o ambiente e a sustentabilidade. Foi uma intervenção de João Camargo que o levou a juntar-se ao movimento, onde sente que se pode fazer mais do que na intervenção partidária. "A política não se esgota no parlamento nem nas representações oficiais. A política nas ruas é necessária, precisamos de mais ativismo e que não esteja ligado a uma agenda partidária. É melhor que sejamos nós a influenciar a agenda política do que ao contrário."
O presidente da associação ambientalista Zero, o engenheiro ambiental Francisco Ferreira, reconhece as diferenças. "O Climáximo é uma organização mais informal, não é institucional como nós, tem muita dinâmica, tem ativistas mais jovens e que têm promovido várias ações sobre o clima." Acrescenta que são complementares no trabalho que têm desenvolvido. "Nós, mais institucionais; eles, mais na intervenção direta. O importante é que consigamos trabalhar juntos e planear estratégias para mobilizar a sociedade."
É neste sentido que se vai desenrolar o 7.º Encontro Nacional pela Justiça Climática, coorganizado por 13 associações e com apoio de outras 17. Não estão apenas ligadas ao ambiente, como é o caso da Greve Climática pelo Ambiente e Zero, há também ativistas de cariz social, nomeadamente o SOS Racismo e a UMAR. Encontram-se em debate durante todo o dia de sábado, no Liceu Camões. A sessão de abertura é hoje a partir das 18h00, no Rato, com iniciativas culturais.
Justiça climática
Lutar contra as injustiças. O norte global é mais responsável pelas emissões de gases de efeito estufa; o sul é o mais afetado. Os mais pobres são mais vulneráveis. Toda a humanidade é afetada pelas alterações climáticas e a maioria "das emissões provieram de 90 empresas".
Urgência climática
Há um prazo para vencer a luta contra o aquecimento global. É preciso "reduzir drasticamente as emissões de gases de efeito estufa" durante os próximos 20 anos e manter o aquecimento terrestre abaixo de 2° C.
Ação direta
Ações políticas que ou confrontam os responsáveis por "um crime ambiental" ou testemunham um problema ambiental. Envolvem um impacto direto em quem "cometeu o crime", por exemplo, bloquear/ocupar um local.
Extrativismo
A iedeologia que sustenta que "tudo o que existe neste planeta pode ser extraído para satisfazer as nossas necessidades, vontades e até caprichos de curto prazo." Considera os recursos naturais como coisas a ser extraídas e exploradas pelos humanos.
Democracia energética
Utilização de fontes de energia limpas e sustentáveis, públicas e geridas pela comunidade.
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