Políticos locais dificultam distribuição de comida a pessoas necessitadas
A Junta de Freguesia de Santa Maria Maior, em Lisboa, retirou as instalações que tinha cedido à Refood em 2015. A junta rescindiu o protocolo com a organização que alimenta 244 pessoas por dia na zona, o que deixou a Refood numa "situação muito difícil", segundo o fundador.
A Refood distribui a comida que sobra de restaurantes, cafés e supermercados por quem precisa dela nas ruas. O espaço cedido e retirado pela junta serviria para apoiar o trabalho da organização, numa das zonas mais apoiadas pela Refood no país. O núcleo de Santa Maria Maior recolhe alimentos de 843 estabelecimentos da zona e distribuiu a comida na baixa lisboeta todos os dias.
"O protocolo está em rescisão, era só o que dizia a comunicação oficial que a junta enviou a 25 de janeiro", contou Hunter Halder, fundador da Refood, ao DN. A comunicação chegou numa carta registada, sem nenhuma justificação do porquê da mudança de decisão por parte da junta, e informava que a Refood teria de abandonar as instalações até dia 30 de abril.
O fundador da organização tentou ainda pedir esclarecimentos mas sem sucesso. "Mandei um e-mail a perguntar o fundamento e pedi uma reunião com o presidente da junta que não foi concedida", afirma Hunter. A resposta chegou dias depois, também por e-mail, e dizia apenas que houve uma "mudança de estratégia".
Esta foi apenas uma das respostas que a Refood recebeu mas, segundo o Hunter, eram todas "vagas e abertas". Hunter descobriu, ao ler uma entrevista do presidente da Junta de Freguesia que o trabalho da Refood não "correspondeu às expectativas". Resta-lhe saber quais eram as expectativas e onde falhou. "Eles dão várias razões mas não dão pormenores".
O presidente da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior, Miguel Coelho, explicou ao DN que rescindiu o protocolo pois "tinha um projeto melhor para aquele espaço" e porque "o serviço da Refood não era satisfatório".
"Há vários pedidos de espaço físico gratuito e a junta escolhe o que melhor beneficiar os moradores", explicou. O novo projeto também vai ser virado para o apoio alimentar mas estará a cargo da junta. "Será uma cozinha a serviço da comunidade" para alargar o apoio que a junta tem dado aos moradores, que são "a prioridade da junta".
Miguel Coelho acrescentou que a rescisão do protocolo foi feita dentro da legalidade e com a devida antecedência. "Havia uma cláusula de rescisão visível e ninguém apontou uma pistola a ninguém para assinar o protocolo", explicou o presidente, que acrescentou que não pretende "alimentar polémicas".
O protocolo da Refood com a junta de Freguesia de Santa Maria Maior foi assinado a 10 de março de 2015 e declarava que a junta iria ceder um espaço na Rua do Poço do Borratém de cerca de 80 metros quadrados, que viria a ser a sede de um dos núcleos da organização.
Nos meses seguintes, a Refood viria a aumentar a equipa de voluntários, a estabelecer contactos e a realizar obras no espaço cedido. Em janeiro deste ano, quando iam começar a distribuição de comida na zona, a junta informou que iria rescindir o protocolo.
Hunter Halder esclareceu que as obras, financiadas por um parceiro da organização, consistiram na colocação de um chão e numa pintura do local. Hunter mostrou-se desapontado com a junta "não pelo dinheiro gasto nas obras, mas sim pela comunidade" sair prejudicada. "O nosso trabalho tem como base a boa vontade da comunidade, e está visto que a junta não tem boa vontade", afirmou o representante da Refood.
Mesmo assim, Hunter garante que a organização não deixou faltar nem por um dia os alimentos às 244 pessoas da zona. Desocuparam o espaço no prazo imposto e mudaram-se para um quiosque no Martim Moniz. Estão numa "situação muito difícil" pois este espaço é quase dez vezes menor que o outro, mas têm conseguido tratar da comida e distribuí-la.
Miguel Coelho afirmou que a Refood não podia realizar obras no local sem autorização da junta, mas que se apresentar os recibos, ele próprio levará o processo "ao executivos da junta para, a título excecional, ressarcir a Refood", para mostrar que a junta "também tem boa vontade".