"Juízes refletirão convições éticas e ideológicas"
Qual a importância das decisões do Supremo Tribunal para o ordenamento jurídico dos EUA e de que modo define orientações que moldar decisões jurídicas futuras?
Provavelmente um dos instrumentos mais poderosos do Supremo Tribunal é o da chamada revisão judicial que emergiu nas primeiras décadas do século XIX. Dita este instrumento que aquele órgão pode considerar inconstitucional qualquer decisão, seja ela estadual ou federal, desde que o resultado que dela decorre, transcenda os poderes constitucionais dos agentes envolvidos. Acentuo este aspeto: responsabilidade estadual ou de qualquer agência federal envolvida no processo. Isso significa que as históricas tensões e difíceis equilíbrios entre as instituições locais e centrais podem ser acentuadas quando temas mais fraturantes estiverem em causa. Se pensarmos no ordenamento como algo de dinâmico, algo que decorre das interpretações concretas face ao que a lei pode estipular face a determinado tópico, estou certo que se avizinham revisões de enquadramentos legais, em particular, face a temas fraturantes. Aliás, essas revisões dependerão ainda do eventual impacto que organizações da sociedade civil possam ter nos debates que aí vem. Não costumam chegar até nós ecos das agendas evangélicas; no entanto, não tenho dúvidas que o dinamismo destes setores não passará despercebido junto do Supremo.
Uma decisão jurídica tem, necessariamente, leitura política?
Talvez quem tenha razão seja Woody Allen quando põe uma sua personagem a dizer que todos os problemas da nossa vida são problemas de semântica. Veja a questão do debate em torno da interrupção voluntária da gravidez, para uns, aborto, para outros, direito à vida. Ora, é evidente a importância política que irá assumir esta e eventuais outras nomeações. No entanto, importa ter em conta que isso não é algo de inédito, nem tão pouco de recente, na História norte-americana. Vejam-se as transformações decorrentes da passagem do predomínio político dos Federalistas, sob a presidência de John Adams, para o dos Republicanos, sob a presidência de Thomas Jefferson, quando este foi eleito, para o seu primeiro mandato, em 1801. Jefferson de imediato tentou anular a nomeação de William Marbury, a última, feita à última hora, por Adams, para assim assegurar o predomínio dos federalistas no sistema judicial. Foram 42 os juízes nomeados por Adams, na sequência de uma lei que lhe concedia esses poderes, e que ficaram conhecidos como "os juízes da meia-noite", devido exatamente à celeridade com que essas nomeações ocorreram. O ou os juízes que podem vir a ser nomeados pelo Presidente Trump, não serão propriamente "juízes da meia-noite", mas não deixarão de, nas interpretações de casos concretos, refletir convicções éticas e ideológicas, duas dimensões que, nos EUA, amiúde andam radicalmente a par. Ou não tivesse o país, nas suas origens, raízes puritanas.
É possível pensar que os escolhidos decidam em sentido contrário àquela que seria de esperar atendendo ao espaço político na origem da sua escolha?
Embora as convicções éticas não sejam indissociáveis das políticas, existe sempre um saudável espaço de ambiguidade que é o resultante do exercício da consciência individual. Assim, uma leitura que se limite a enquadrar os juízes segundo as suas persuasões políticas, poderá será demasiado redutora. Reservemos espaço para surpresas...
Que temas poderão originar clivagens no Supremo no quadro da presidência Trump?
Temas como o casamento entre pessoas do mesmo sexo; o acesso a armas de fogo e as leituras divergentes da Segunda Emenda neste domínio; a interferência de agências federais no âmbito da liberdade individual, e as diferentes perspetivas em torno da Quarta Emenda neste âmbito; a interrupção voluntária da gravidez. E ainda os direitos das comunidades transexuais ou a articulação do histórico sistema de quotas com os novos fluxos migratórios. E as políticas ambientais.
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