"Juízes deviam fazer quarentena antes de mudar para a política"

Michael Mohallem é professor do Instituto de Direito da PUC, do Rio de Janeiro.
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Dois dos três últimos presidentes acabaram presos e o atual teme sê-lo: o país está demasiado judicializado ou é a política que está muito próxima, de facto, do crime?
Um pouco das duas coisas. Muitos assuntos que noutros países seriam tipicamente da política, aqui podem ser judicializados: por exemplo, qualquer partido no Congresso, e eles são muitos, pode interpelar os tribunais questionando um ato do presidente numa dada votação parlamentar, ou seja, as instâncias superiores são demasiadas vezes chamadas a intervir. Mas, o outro ponto da pergunta também é verdadeiro, há muitos crimes cometidos por políticos e empresários próximos deles, não apenas por uma questão de caráter mas pela corrupção sistémica do país.

Sergio Moro, juiz da Lava Jato, e Deltan Dellagnol, chefe da task force do ministério público na mesma operação, pularam da magistratura para a política, isso é nocivo ou é natural?
Não é ilegal - mas é um problema. Sem uma quarentena entre a atividade na magistratura e a atividade na política, um instrumento que evitaria a possível contaminação, é um problema porque -é natural que a sociedade se pergunte se a atuação desses juízes ou promotores foi condicionada pelo interesse da disputa eleitoral, foi estratégica para garantir projeção mediática vidando a entrada na política.

E o juiz do Supremo Alexandre de Moraes tem intervindo demais, como o acusam bolsonaristas, ou cumprido o seu papel exemplarmente, conforme defendem os apoiantes de Lula?
Ele assumiu a linha da frente na justiça eleitoral, por ser o relator de casos sobre fake news e ataques à democracia do campo de Bolsonaro, e pareceu uma das poucas autoridades interessadas em defender a Constituição - nesse aspeto, a sua atuação foi muito positiva. Noutros momentos, pode ter havido exageros. Pesa a favor dele, entretanto, um amplo apoio dos seus pares no Supremo em todas as decisões, e esse é um indicador muito mais importante do que o, naturalmente enviesado, repúdio de bolsonaristas ou apoio de lulistas.

Bolsonaro ter escolhido um PGR fora da lista indicada pelo ministério público, ao contrário de antecessores, foi um retrocesso?
Sem dúvida. Essa tradição, mantida por Lula e Dilma Rousseff, de deixar a escolha ao critério dos próprios procuradores era positiva por, por um lado, manter a independência e por, por outro, fazer com que o escolhido fosse alguém respeitado pelos pares. Mas não é uma tradição obrigatória no Brasil, pelo menos no plano federal. No caso do atual PGR, Augusto Aras, o problema não é só ele ter vindo de fora da lista, é ele se omitir e ser subserviente. Há um elemento adicional: Bolsonaro chegou a prometer publicamente a Aras uma vaga no STF, ou seja, há aí uma falha do sistema, quando se permite que um PGR possa ser indicado pelo presidente a um cargo prestigiado.

Quais os maiores problemas da justiça no Brasil?
A lentidão e consequente prescrição, às vezes por enviesamento do sistema judicial, demasiado elitista, é um dos maiores. Por outro lado, o Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo. Há racismo institucional, negros têm tendência, segundo estudos, a ser mais presos e por mais tempo mesmo cometendo os mesmos crimes que brancos. Há a excessiva politização das cúpulas judiciais. E, para completar, a falta de transparência, o sistema judicial não se investiga e ainda se atribui indemnizações muito generosas num país com tantas carências.

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