Juan José Carricoba: "Nunca se chega a esquecer o 11 de Março"
Os atentados terroristas fizeram 191 mortos e 2050 feridos em quatro comboios na linha que liga Alcalá de Henares à estação de Atocha.
Há imagens que não lhe saem da cabeça mas prefere pensar na solidariedade revelada pelas pessoas. Para ele, foram os verdadeiros heróis do 11-M. "Coisas assim fazem que ainda acredite nas pessoas".
Como recupera um profissional do SAMUR de uma tragédia como os atentados do 11 de Março de 2004?
Temos que ver a parte positiva, que foi a solidariedade entre as pessoas e o trabalho dos colegas. Todos demos o máximo de cada um de nós. Mesmo num contexto tão duro guardo boas recordações da ajuda dos cidadãos.
Precisaram de ajuda psicológica para prosseguir em frente?
Nomeadamente as pessoas que nos ajudaram, algumas durante vários anos. Nós profissionais não estamos acostumados a tragédias de tal dimensão, mas vivemos todos os dias pequenas tragédias e estamos mais bem preparados para superar momentos difíceis como o 11-M.
Há imagens que não saem da cabeça?
Sim, claro, de pacientes. Nós fomos a primeira unidade a chegar a Téllez e fiquei impressionado ao ver o teto do vagão de comboio aberto como uma lata. E também tenho fixadas imagens da solidariedade das pessoas. O meu colega pediu mantas para cobrir as pessoas e retirar os feridos: choviam mantas do prédio que tínhamos à nossa frente. As pessoas chegavam ao pé de nós com água, algodão...
Recebeu o alerta quando estava a arrumar as coisas para ir para casa...
Sim, tínhamos trabalhado na tarde e na noite anterior e o nosso serviço acabava às 08.00 da manhã. Pouco antes fomos avisados da explosão de Atocha e fomos para lá. Mas as ruas estavam congestionadas e procurámos um atalho. Foi então que a polícia pediu para irmos para a zona de Téllez. E ainda bem, éramos duas unidades com cinco pessoas e durante 40 minutos fomos os únicos a estar nesse lugar. O SAMUR está acostumado a atentados da ETA, sinistros com vítimas, mas não a um atentado com quatro explosões e com muitas vítimas. Fomos ultrapassados.
Quando perceberam a verdadeira dimensão do que tinha acontecido?
Eu, nesse momento. No caminho estávamos a ouvir o que estava a acontecer. Sabíamos que era um atentado mas diferente dos anteriores da ETA, que tinham um objetivo militar ou policial. Neste caso as vítimas eram civis que iam trabalhar. Não consegues perceber o porquê.
Qual foi o seu trabalho no 11-M?
Eu estava numa unidade e o médico e a enfermeira ficaram na ambulância a fazer as manobras de salvamento. Um colega da outra ambulância e eu fizemos a classificação dos feridos. Decidimos quem transferir para as ambulâncias a partir do comboio, que estava a 150 metros. Tivemos de classificar os feridos entre leves e graves e a ordem de transferência. Muitas pessoas ajudaram a transportar os feridos. Foi duro, havia pessoas vivas mas sabíamos que não iam sobreviver e não podíamos utilizar os nossos recursos neles. Nas nossas mãos estava a classificação de quem tinha possibilidades de viver e quem não tinha. No nosso dia-a-dia normal é muito diferente, podemos tratar de todos os feridos e os mais graves são os primeiros a ser atendidos.
Faz ideia de quantas pessoas conseguiram salvar?
Não, nem quis saber, porque seria muito duro. Foi o segundo foco com mais vítimas. Foi o único comboio que explodiu com as portas fechadas e o impacto foi maior. Os bombeiros ajudaram-nos muito, também a polícia. Com o trabalho de todos conseguimos transportar muitos feridos para as ambulâncias, pelos menos 80 pessoas.
O que aprendeu o SAMUR, do ponto de vista logístico?
Aprendemos a trabalhar com muitos pacientes ao mesmo tempo, a ter uma organização interna melhor. Tudo correu muito bem porque 100% das pessoas do quadro trabalharam. Muitos colegas estavam em casa e foram para o local. Também ajudou o facto de estarem dois turnos a trabalhar, um deles quase de saída. Após o 11-M fizemos grupos de trabalho e projetos: agora estamos mais preparados para este tipo de tragédias. E é preciso lembrar que as pessoas foram muito solidárias e que alguns pacientes foram pelos próprios meios ao hospital para deixar livres as ambulâncias. Coisas assim fazem que ainda acredite nas pessoas.
Como foram os dias posteriores?
Nós trabalhámos 17 horas antes e 17 horas depois dos atentados. Depois de tratar os feridos ajudámos a levantar os mortos e a explicar tudo. Durante vários dias estivemos em alerta. O desânimo chega depois porque ficas com a dor, o número de mortos, e pensas sempre que podias ter feito mais. E contar tudo à família e aos amigos não foi fácil. Os dias passam e tentas não pensar muito nisso, mas na verdade nunca chegas a conseguir esquecer.
Em Madrid