Num inquérito da Universidade Portucalense (UPT), que é uma fase preliminar de um estudo mais profundo sobre o funcionamento da democracia e a confiança dos jovens nos órgãos de soberania, em Portugal e na União Europeia, os temas que surgem no topo das preocupações de universitários com idades compreendidas entre os 18 e os 25 anos são as alterações climáticas e a estabilidade económica. Mas o que sobressai de conversas com duas das inquiridas é a falta de atenção e uma grande distância física sentidas em relação aos políticos. Senhoras e senhores, está aí à porta a XIV Legislatura da República: ouçam as mulheres e os homens que são já o presente e o futuro da cidadania - e do universo eleitoral.."Não é comum querer votar. Há muitos colegas meus que têm hipótese de votar e não vão e isso enfurece-me, porque eu desde os 15 anos que sonho em poder votar, mas só completo 18 anos em novembro. E eles não vão", conta ao DN Ana Barbosa, estudante do 1.º ano de Direito da Universidade Portucalense. "Quando começo a falar de política, parece que estou a falar de um ovni. Temos de admitir que não há interesse [dos jovens]. Mas vem da base familiar, e, por muito que no início não gostasse, acabei por perceber a importância de estar atenta, tal como os meus pais me educaram", acrescenta Ana, cujas respostas estão entre as 380 do inquérito efetuado para aferir a perceção sobre a democracia e os órgãos de soberania nacionais e europeus..E que pretende ser a primeira etapa de um estudo de fundo sobre "A democracia" em Portugal e na União Europeia, comparando o sistema político português ao de outros países (Turquia, Polónia e Hungria estão entre o lote de que sairão dois), conforme revelou o professor e investigador da UPT André Pereira Matos, que, com a colega Dora Alves, coordenou a auscultação.."Se em casa não houver interesse, a política portuguesa não chama o jovem", analisa Ana de (ainda) 17 anos, que foi para Direito já a pensar em entrar na política. "Estudo na Portucalense e em frente está o Hospital de São João [Porto] e os partidos estiveram a entregar panfletos [na campanha para as legislativas de 6 de outubro]. Estamos numa era digital e continuam a pensar que nós nos poderemos interessar por ideias através de panfletos? Não resulta connosco. Apesar de haver muito investimento na educação, os jovens não interessam, são esquecidos pelos políticos", dispara Ana.."Os políticos deviam estar mais nas ruas. Sentimos uma grande distância física. Na campanha andaram a anunciar as medidas, mas depois não são eles que andam a aferir da sua credibilidade. Deviam sair mais do seu estatuto e procurar falar mais com os jovens, e não só. Reclamamos mais comunicação física. As redes sociais permitem-nos perceber o que vai na cabeça dos políticos, mas o contacto direto não se substitui e ainda é muito importante. É a minha opinião, mas é um pouco geral, comunicam muito através dos media e não há muito contacto físico", corrobora a colega de turma Patrícia Félix, de 19 anos cumpridos em julho e que, ao contrário de Ana, já votou no dia 6 de outubro pela segunda vez - a primeira vez foi nas europeias de maio passado..Jovens desligados, desinteressados, que pensam que a política é um ovni e a reportagem do DN depara-se com duas alunas com sentido crítico e consciência política? "Escolhi-as de forma completamente aleatória. Naquela turma costumam estar 120 alunos. Perguntei se havia algum voluntário para falar de questões políticas. Ninguém queria, eu disse que não custava nada. Elas, muito envergonhadas, disseram: 'Se não se importar, falamos nós'", confessa André Matos Pereira..Ana Barbosa diz que pertence à "classe média" e que os pais "concluíram o ensino secundário" - "o meu pai não tenho a certeza [risos]". Patrícia provém da mesma classe - os pais são ambos enfermeiros. E nenhuma tem políticos na família, embora haja uma ou outra ligação indireta avulsa a detentores de cargos públicos.."Conheço o José Luís Carneiro, que é amigo de família. Ele é de Baião como eu. Nunca tive essa proximidade, porque ele e o meu pai é que são amigos de infância", revela Ana sobre o secretário de Estado das Comunidades Portuguesas e ex-presidente da autarquia baianense, além de ter sido dirigente distrital do Partido Socialista. "E conheço a presidente da Câmara Municipal do Marco de Canavezes, Cristina Vieira [também do PS]. Participei na campanha dela nas últimas eleições, mesmo não podendo votar. Estive presente em alguns dos comícios. E no dia da vitória, claro", contextualiza.."Não há qualquer ligação política. A única ligação é ter o dever de votar e educar-me o melhor possível como cidadã. Os meus pais incentivam-me a ir votar. Eu fui para Direito para defender as leis. Quero advocacia, mas estou aberta a outras coisas - posso começar a interessar-me e a imaginar-me nesse meio [político]. [Se ir para uma classe política tão desgastada assusta?] Só assusta a quem tem medo de dar a sua voz. Não tenho medo, quando acredito nalguma coisa, vou até ao fim", diz, com alguma precaução, Patrícia. "Não tenho um partido ainda definido. Penso que sou mais ligada à esquerda. Quando digo que sou mais de esquerda, sou mais pela igualdade social. Todos têm direitos e oportunidades iguais. Mas concordo com o que a Beatriz [é assim que trata a colega, Ana Beatriz Barbosa] disse, na medida em que podemos ser sujeitas a retaliações", adianta.."Ainda não tenho uma ideologia política bem vincada, até porque não posso votar, mas posso confidenciar que as minhas ideias são mais para a esquerda. Estou a tirar o meu curso de Direito para mais tarde exercer política. Ainda não me filiei para não sofrer retaliações em termos de oportunidades profissionais. Vou fazer 18 anos e pensar nos prós e contras", assume Ana Barbosa. "Os meus pais apoiam-me totalmente na minha carreira política e não me pedem nada. A minha família é que me diz: "Não quero que sejas como todos os outros." Sempre que falamos de política, está sempre associada a imagem de corrupção", enquadra a jovem..Democracia a falhar por falta de proximidade."Este inquérito preliminar é precisamente para nos dar alguns contributos sobre as questões que os jovens colocam e que não podem ser ignoradas no estudo. É uma atividade exploratória para a construção e a maturação do projeto, que numa fase posterior, para termos representatividade nacional, deverá chegar a pelo menos 1500 respostas nacionais - será estendido a outras universidades, na geração de entre os 18 e os 25 anos, para apanhar os 1.º e 2.º ciclos universitários. Aqueles que votaram não muito mais do que uma vez", explica André Matos Pereira.."Os jovens reclamam um maior acompanhamento presencial e físico dos políticos e ocupantes de cargos políticos públicos. Daí, a importância do trabalho do Presidente da República nesse sentido. Para os jovens está a funcionar e com um resultado tão positivo. Mas a democracia pode estar a falhar por falta de proximidade aos cidadãos", analisa. "A avaliação de outras franjas etárias desse desempenho e proximidade não seria tão benevolente e benéfica. Os mais velhos poderão estar dentro de uma posição democrática mais afastada e isolada do Estado", complementa.."Evitar a alienação dos jovens na vida política - essa é a grande preocupação e o objetivo deste projeto. Detetam-se fatores como o individualismo, que a literatura identifica. Muitos cidadãos entendem que a sua participação e envolvimento (manifestações ou participação em organizações de cidadãos ou políticas) não chegam aos decisores. Os jovens aqui não se diferenciam desta perceção", alinha o professor e investigador.."O curioso é que cerca de 80% tende a concordar ou concorda totalmente que tem interesse pelos assuntos políticos, mas depois só 20% é que concorda ou tende a concordar que participa ativamente na política (juventudes partidárias, associações políticas e manifestações públicas)", estabelece o académico..O drama da violência e dos refugiados."O principal problema que me preocupa é a igualdade de género. Faz-se muitas coisas, mas penso que se faz mais para mostrar [serviço]. Penso que nas empresas ainda há muita desigualdade de género", começa por dizer Ana Barbosa sobre as questões de fundo que a incomodam e sobressaltam. "Está entranhado na nossa sociedade, o homem tem de ganhar mais do que a mulher e a mulher não deve ocupar os cargos de chefia. E que os homens estão fadados apenas para determinadas tarefas. Na minha geração, vejo que isso está a mudar - mas isso também vem de casa", prossegue..E entra num terreno minado, perigoso e, até, desconhecido. "A violência entre namorados é mais frequente do que aquilo que os adultos pensam. Há prática de violência física dos homens sobre as mulheres. Mas há a violência psicológica que é exercida por muitas mulheres jovens sobre os namorados, de que ninguém fala. Numa percentagem muito inferior ao dos homens violentos e ciumentos e controladores. Porque querem ser os machos e quem comanda a relação e quem dita as regras da relação", dispara Ana..No topo das consumições de Patrícia está outro tema delicado. "O que me preocupa é a questão dos refugiados. Não vejo maldade nas pessoas habitarem o nosso país por questões de segurança. Não vejo problema nenhum, porque se não formos nós, quem o fará? Revolta-me muito que existam pessoas que não têm a preocupação em dar a mão às outras. A solidariedade é um valor muito importante e que muita gente não tem presente", explica a jovem de 19 anos. Mas admite que "Portugal é um país solidário". "Tenho orgulho em dizer que o é. A maioria da população portuguesa tem a preocupação em cuidar do outro", sublinha..Confiança na democracia e UE.Sobre as questões do inquérito - quatro grandes temas: confiança na democracia; confiança nos órgãos de soberania; confiança na União Europeia (UE); e principais políticas em que a UE deveria apostar - surgem respostas representativas dos resultados gerais: o género feminino confia mais do que o masculino - elas "confiam plenamente" (4%) ou "tendem a confiar" (40%) mais do que eles (3% e 38%, respetivamente) no governo e ainda mais no Presidente da República (elas: 27% confiam plenamente e 54% tendem a confiar contra, respetivamente, 28% e 51%.."Quase de certeza que confiava em Portugal, apesar de nos dias de hoje as grandes sociedades e democracias estarem em risco, com a ascendência dos partidos de extrema-direita", atira Ana Barbosa. "A democracia está bem firme cá em Portugal, as ameaças ainda são muito pequenas. Espero que esteja firme por largos anos, porque de outro modo incorremos na iminência da falta de liberdade. Os nossos hábitos estão assentes na democracia", defende.."Na União Europeia, confio totalmente. Hoje em dia, cada vez mais, ainda há muito pensamento eurocético e dúvidas em relação à UE. Eu discordo totalmente, se não tivéssemos entrado na UE, e eu nasci em 2001, a qualidade de vida seria bem pior. Mas tem prós e contras. É muito fácil para nós viajar, não ter os problemas do câmbio. Bem, já com o Brexit... teremos de usar passaporte. Há o Cartão Europeu de Saúde e inúmeros projetos comuns, como o Erasmus, de que pretendo usufruir", argumenta Ana..Patrícia é bem mais pragmática. "Tenho confiança na democracia. Não concordo plenamente com tudo o que se faz, mas tendo a concordar. O mundo está em constante mudança. Em relação à instituição governo, nem concordo nem discordo. Depende. Depende do que eu vejo, das medidas que toma. Primeiro vem o dizer, mas depois tem de vir o fazer. E o dizer nem sempre corresponde ao dizer", aponta. "Não sou pessimista. Acredito muito que quando as coisas estão mal, as pessoas mudam. As pessoas que ocupam cargos de poder têm as suas oportunidades. Se fazem bem, continuam; se não aproveitam, saem", acredita..Já em relação à Europa, é atenta e exigente. "Na União Europeia, confio. Até porque não gerou muitos conflitos connosco. Confio, mas não cegamente. Penso que temos boas alianças. Com um presidente como o Trump: não conseguiria viver sob a sua liderança", atira a universitária..prioridades Infogram.Alterações climáticas e estabilidade económica.No inquérito citado neste artigo, havia a seguinte pergunta: "Quais devem ser as prioridades nas políticas da UE? (Escolher um máximo de 2)." E as respostas foram claras. As alterações climáticas são o tema para o qual os jovens reclamam maior atenção e empenho (61,7%), seguido da estabilidade económica (42,3%). Curiosamente, ou talvez não, uma vez que o global é local, terrorismo (25,9%) e refugiados (21,5%) seguem-se nas preferências dos jovens quanto a prioridades a seguir pela União Europeia..André Matos Pereira dá a sua visão baseada na experiência de professor e investigador doutorado em Relações Internacionais e que se debruça com intensidade sobre os estudos da democracia. "Primeiro, o facto das prioridades para a União Europeia. Não estava à espera que fosse tão significativa a escolha das alterações climáticas. É curioso, porque ao longo dos últimos 15/20 anos há todo um esforço das Organizações não Governamentais e dos ecologistas para implementar uma consciencialização para as questões ambientais e climáticas. E, curiosamente, quando chegamos a jovens de 18/20 e poucos anos, dizem-nos que a principal preocupação da União deve ser as alterações climáticas. Há dez anos, numa união monetária e europeia, seria a economia", traduz o professor de Ana e coordenador do grupo de investigação Democracy and Governance for the 21st Century, inserido no Instituto Jurídico Portucalense, da UPT.."Também há preocupação sobre as questões do emprego e da economia, claro. Juntamente com a preocupação com o terrorismo. Nunca tivemos um atentado terrorista em Portugal e não esperava que fosse uma preocupação de topo para os jovens portugueses", avança. E revela que no estudo já foi possível perceber uma "inclinação dos jovens para a necessidade de reforço da política externa de segurança e defesa".