Jovens chegam cada vez mais tarde aos centros educativos e com crimes mais graves

Em três anos houve uma redução de 50% de jovens internados. São 136, com idade média de 16 anos. Comissão fiscalizadora dos centros fala em falha de articulação entre Segurança Social e Justiça
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"Os jovens estão a chegar mais tarde aos centros educativos, com uma prática de crimes mais graves, o que determina uma intervenção mais tardia e (...) menos eficaz." A conclusão é da Comissão de Acompanhamento e Fiscalização dos Centros Educativos (CAFCE), presidida por Maria do Carmo Peralta, muito crítica com o sistema de proteção de menores.

O reflexo da tardia institucionalização é a acentuada descida do número de jovens que cometeram crimes - que vão do roubo ao tráfico de droga - nas seis prisões juvenis existentes em Portugal. Atualmente estão internados 136 (16 são raparigas), o que significa uma descida superior a 50% nos últimos três anos, e a média etária destes jovens é de 16 anos. Os centros têm capacidade para 200 miúdos e em 2014 a comissão alertava para uma situação de "sobrelotação".

Os dados constam do último relatório (2015-2017) da CAFCE, já entregue na Assembleia da República. Também as Estatísticas da Justiça, publicadas no início do mês, confirmam a mesma tendência de redução dos jovens delinquentes internados. referindo uma diminuição de 38,9% em seis anos (de 226 em 2010 para 138 no ano passado).

Num tom muito crítico do sistema, a comissão questiona as razões para uma tão acentuada diminuição de internados em seis centros educativos, sublinhando que o decréscimo da delinquência juvenil no ano passado (menos 22,7% segundo o Relatório Anual de Segurança Interna) não explica essa quebra. A CAFCE também põe a hipótese de alguns desses rapazes e raparigas terem sido confiados ao sistema de promoção e proteção de menores (centros de acolhimento tutelados pela Segurança Social) depois de retirados às famílias, baseando-se no facto de ter havido um aumento do número de crianças e jovens entre os 12 e os 17 anos acolhidos pelo Estado.

Dos 136 internados, 52 vieram de instituições de acolhimento da Segurança Social, e das 16 raparigas, 13 vêm dessas instituições, refere o relatório. Significa que metade dos jovens a cumprir pena em centros educativos já estavam confiados à guarda do Estado. Nesse contexto, a CAFCE considera "urgente uma reflexão articulada entre os setores responsáveis pela intervenção - Justiça e Segurança Social".

"Não acho positiva essa redução de jovens nos centros educativos, pelo contrário. Não tenho estatísticas que permitam avaliar com total certeza porque é que isso acontece. Mas é um buraco negro", comentou ao DN Maria do Carmo Peralta, que critica ainda a idade com que vão para o sistema. "Quando estes jovens vão para os centros educativos já é muito tarde, pois apresentam um percurso criminal desde os 9 ou 10 anos, por vezes."

Visão diferente tem o juiz de família e menores António Fialho, da comarca do Barreiro, que integrou o grupo de revisão da Lei Tutelar Educativa (o regime de sanções aplicável a delinquentes menores). O juiz entende que a tendência de descida dos internamentos estará associada "à prática de factos criminosos menos graves que não justificam a aplicação dessa medida, que é a mais pesada".

Na sua comarca, por exemplo, "o número de inquéritos é semelhante, mas as propostas de internamento baixaram drasticamente desde 2013". E, segundo já foi informado, o mesmo aconteceu na comarca de Setúbal. Já na Madeira têm apenas sete pedidos de internamento.

"Quando estive no grupo de revisão da lei, alguns colegas de comarcas do interior reportaram que não tinham sequer processos tutelares educativos."O número de pedidos de internamento de jovens concentrava-se, há um ano, nos grandes centros urbanos de Lisboa, Sintra e Porto, referiu.

O relatório da CAFCE critica também o facto de o desenvolvimento do projeto educativo da esmagadora maioria dos jovens ocorrer em "meio fechado", apesar de apenas 19 cumprirem medidas em regime fechado (24 estão em regime aberto e 93 em semiaberto). "O problema maior é que os centros educativos não são virados para o exterior e assim o desenvolvimento dos jovens não se faz em comunidade como dita a lei", sublinha Maria do Carmo Peralta. "O regime fechado devia ser eliminado, é apenas clausura."

Ricardo Martinez, 64 anos, dirigente da Associação de Educação e Inserção de Jovens "Questão de Equilíbrio" (desde 1994), tem educado "centenas e centenas de jovens enviados pelos tribunais em processos de promoção e proteção de menores". Têm miúdos dos 14 até aos 17 anos e um lar de autonomia para os mais velhos, até aos 22 anos. A associação tem recebido jovens que também já estiveram em centros educativos. "Criei um modelo baseado em atividades de risco e pedagogia de intervenção que começa pela escalada, pelo aprender do valor da vida, e, no terceiro patamar, no trabalho com os outros e em desportos como mergulho e equitação."

Ricardo Martinez deixou há três anos a Comissão de Acompanhamento e Fiscalização dos Centros Educativos e tirou algumas conclusões: "As medidas deviam ser mais duras e durar menos tempo, os miúdos vão poucas vezes ao psicólogo e os técnicos não passam o tempo suficiente com eles pois estão encarregados de tarefas burocráticas."

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