José Sá Fernandes: "Gonçalo é muito mais do que Lisboa, o seu pensamento é universal"
O laureado do ano passado, José Sá Fernandes, só tem palavras eloquentes para descrever a importância do homem que deu nome ao prémio com que foi distinguido. De Gonçalo Ribeiro Telles, que faria hoje 100 anos, e de quem se diz "discípulo e amigo", o ex-vereador da Câmara de Lisboa afirma: "O Gonçalo era muito mais do que a cidade, o pensamento é universal e tem uma importância extraordinária". Basta dizer, recorda, que "ganhou o Pulitzer da arquitetura paisagista", no caso o Prémio Sir Geofrey Jellicoe, em 2013.
A Câmara de Lisboa homenageia-o hoje, nos Paços do Concelhio, ao atribuir o Prémio Ambiente e Paisagem Gonçalo Ribeiro Telles, a dois dos seus braços direitos, Fernando Santos Pessoa e Alexandre Cancela D´Abreu. Este prémio, criado em 2019, é uma iniciativa conjunta do Instituto Superior de Agronomia da Universidade de Lisboa, da Ordem dos Engenheiros, da Causa Real e da Associação Portuguesa dos Arquitetos Paisagistas e visa distinguir anualmente personalidades que se tenham destacado nas áreas do ambiente e da paisagem, e com percursos de vida ligados ao serviço cívico.
"O país terá sempre para uma enorme dívida de gratidão para com Gonçalo Ribeiro Telles. Figura de referência da defesa da paisagem e da intervenção no território, foi em grande medida fundador das políticas do ambiente em Portugal. Tendo sido membro de vários governos do regime democrático, Gonçalo Ribeiro Telles está na origem de muita da legislação produzida e cujas marcas ainda podemos encontrar, desde a criação dos parques e reservas naturais do nosso país à instituição da reserva agrícola e ecológica nacional", afirma o presidente da Câmara de Lisboa, que será o anfitrião da cerimónia.
Carlos Moedas recorda entre as inúmeras obras o "extraordinário jardim da Fundação Calouste Gulbenkian". "Ribeiro Telles era um homem de convicções e que tinha sempre a coragem de dizer o que pensava. Iniciou a sua vida profissional nos serviços da Câmara Municipal de Lisboa. Teve vários projetos muito marcantes na cidade."
Carlos Moedas entende que "este legado não se vai perder. Tanto a nível público como através dos profissionais seus seguidores. Na Câmara Municipal imaginamos como ficaria feliz por saber que Lisboa foi agora escolhida a nível europeu como uma das 100 cidades que terá de caminhar para ser neutral do ponto de vista carbónico em 2030".
José Sá Fernandes sublinha essa visão global de Ribeiro Telles sobre o ordenamento do território e a sua visão ecológica. "Tem uma escola que deu os seus frutos e seguidores". O ex-vereador da CML, que diz ter sido "empurrado para a política" pelo arquiteto, lembra a aposta nos corredores verdes. "Oh Zé se nós conseguirmos fazer aquele parque é irreversível porque as pessoas apoderam-se do sítio" - Sá Fernandes recorda assim o modo como o arquiteto pensava a cidade virada para as pessoas. "Não há um bocado na cidade que não tenha a marca dele", assegura. A ligação do Parque Eduardo VII a Monsanto foi um dos sonhos que conseguiu concretizar. "E com replicações a nível nacional", diz. Tal como as hortas urbanas, cujos os mil talhões lançados "foram um sucesso".
Uma visão que, José Sá Fernandes, diz que levou Lisboa a ganhar o galardão Capital Verde Europeia em 2020, ano em que morreu o arquiteto.
Sobre o perfil humano de Gonçalo Ribeiro Telles, o ex-vereador e agora a liderar o grupo de trabalho para a Jornada Mundial da Juventude, garante: "Tinha o condão de ter colegas e discípulos e torná-los seus amigos. Foi com grande orgulho meu amigo, mestre e conselheiro".
O antigo presidente da Câmara de Lisboa João Soares manifesta-se ao DN "um entusiasta" do homem que conheceu antes do 25 de Abril e que era amigo dos seus pais. Recorda que foi um combatente contra a ditadura, na sua versão monárquica e liberal, que o fez ter vários cargos durante os governos da provisórios. Aliado de Sá Carneiro na construção da Aliança Democrática, integrou o governo de Pinto Balsemão como ministro de Estado e da Qualidade de Vida. Desta altura, João Soares destaca a criação das Reserva Agrícola Nacional e da Reserva Ecológica Nacional.
"Quando assumi a presidência da Câmara puxei por Ribeiro Telles, que passou a ter um gabinete na Rua do Comércio, onde eu ia com frequência e todos os projetos da cidade passavam pelo crivo dele, até a limpeza do Casal Ventoso", afirma o socialista João Soares. O ex-autarca manifesta particular "orgulho" na "obra-prima" que o arquiteto projetou durante o seu mandato, o Jardim Amália Rodrigues no topo do Parque Eduardo VII (pago pelo El Corte Inglés). "Foi um homem que deu um contributo muito importante para o perfil de Lisboa e também no plano nacional".
Como percursos dos movimentos ambientalistas, Francisco Ferreira, da Zero - Associação Sistema Terrestre Sustentável, recorda as longas conversas que com ele foram travadas e "muito inspiradas pela sua visão". O ambientalista assume mesmo que foi "uma das figuras mais influentes do movimento ambientalista na década de 80/90" e que marcaram o nascimento de associações como a Quercus e a Geota.
A atividade política de Ribeiro Telles é muito vasta e começou com a sua intervenção pública como membro da Juventude Agrária Católica. Em 1958 manifestou o apoio à candidatura presidencial de Humberto Delgado, tendo antes fundado com Francisco Sousa Tavares, em 57, o Movimento dos Monárquicos Portugueses.
Foi membro dos governos provisórios após o 25 de Abril e, em 1979, aliou-se a Sá Carneiro para a formação da AD , coligação através da qual foi eleito deputado. Foi ministro no governo de Pinto Balsemão. Em 1993 fundou o Movimento Partido da Terra, cuja presidência abandonou em 2007.