José Ricardo Paula: "Portugal tem de fazer mais na proteção da nossa costa"

Investigador do MARE - Centro de Ciências do Mar e do Ambiente venceu prémio de 300 mil euros atribuído pela Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento. Objetivo é estudar o papel dos peixes-limpadores na proteção e reforço da biodiversidade marinha.
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José Ricardo Paula é o vencedor do FLAD Science Award Atlantic 2023. O investigador do MARE - Centro de Ciências do Mar e do Ambiente vai receber 300 mil euros, verba que vai permitir aprofundar, ao longo de três anos, o estudo sobre o papel dos mutualismos de limpeza na conservação da biodiversidade do Oceano Atlântico.

"Este financiamento tem uma vantagem muito grande face aos tradicionais projetos de investigação financiados pela Fundação para a Ciência e Tecnologia, que é dar-me muito mais liberdade para arriscar", explica ao DN o galardoado.

Aos 33 anos, o jovem cientista acumula já um sólido percurso de estudo da evolução e ecologia comportamental, tendo desde cedo procurado aprofundar o conhecimento académico além-fronteiras: esteve na Suécia, na Austrália, na Polinésia Francesa e em Hong Kong, antes de regressar a Portugal onde é hoje, além de investigador, o presidente da Sociedade Portuguesa de Etologia. "O meu interesse sobre esta área existe desde criança, quando recebi um livro sobre o mar e desenvolvi um interesse muito específico sobre aquilo a que chamamos mutualismos de limpeza", conta.

Estes mutualismos a que se refere, e que estão no centro do projeto que vai desenvolver nos próximos três anos em parceria com o Instituto de Biologia Marinha do Havai, são "interações entre peixes no recife, onde há um peixe que se chama peixe-limpador que procura parasitas na boca de outros peixes e as limpa". No fundo, simplifica José Ricardo Paula, estas espécies são "o dentista dos peixes" e o que a ciência quer compreender é se a sua existência permite preservar a biodiversidade nos locais onde habita.

AtlanticDiversa é o nome do projeto que José Ricardo Paula e Elizabeth Madin, da Universidade do Havai, vão desenvolver com o prémio atribuído pela Fundação Luso-Americana Para o Desenvolvimento. Para isso, os investigadores vão recorrer a uma base de dados de "ciência cidadã" para a qual têm contribuído, nos últimos 20 anos, pessoas de 55 países que recolheram amostragens para avaliar a biodiversidade nos recifes em várias zonas do mundo. O especialista do MARE explica que este será o ponto de partida para verificar "se nos sítios onde existem espécies de peixes limpadores existe ou não mais biodiversidade". A fase seguinte passa por "ir ao campo e verificar" os resultados prévios. "O que vamos fazer é remover os peixes limpadores em certas localizações e em outras garantir que eles lá estão. Depois vamos comparar os dados", acrescenta. Estas experiências vão ser realizadas no Algarve, nos Açores, em Cabo Verde, na Ilha do Coração e na Florida.

Se, como parecem indicar os dados preliminares e ainda por confirmar in loco, estes animais forem capazes de proteger e estimular a biodiversidade, será ainda preciso perceber a sua resiliência "aos fatores de stress que estamos a inserir nos oceanos", nomeadamente por via das alterações climáticas - questões como o aquecimento das águas podem ter impacto na sua ação. É aqui que entra uma das componentes tecnológicas do projeto de investigação, que tem no laboratório em Cascais "salas de modulação comportamental" que, com computadores aquáticos, permite "prever se estas espécies estão ou não preparadas para lidar com estes problemas".

Caso vejam confirmado um papel importante dos peixes limpadores na biodiversidade, os investigadores querem juntar a produção de novo conhecimento à educação ambiental. José Ricardo Paula explica que o objetivo será colocar, nas "estações de limpeza" onde se concentram estas espécies, câmaras subaquáticas que permitam monitorizar em permanência o número de indivíduos presentes em cada estação. "A câmara terá um sistema de computador acoplado e um algoritmo de inteligência artificial para fazer essa identificação em tempo real", concretiza. Estas imagens serão transmitidas em streaming para a internet, onde poderão ser vistas por qualquer pessoa.

Mas qual é, afinal, a potencial aplicação prática de toda esta investigação? José Ricardo Paula esclarece que os resultados do estudo vão ser importantes para criar ou reforçar "programas de conservação", mas também para que Portugal consiga cumprir o objetivo que se comprometeu a atingir até 2030: garantir que 30% do seu território marítimo integra áreas protegidas.

"Só espero conseguir contribuir com o meu trabalho para a conservação marinha. Portugal tem de fazer mais na proteção da nossa costa", remata o investigador que lidera uma equipa de nove cientistas.

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