José Ribeiro e Castro: "Vencer a maioria de esquerda só com uma AD... Foi a liderança do PSD que provocou este desastre"

Foi candidato às legislativas pelo CDS, partido que já liderou. Aponta baterias à oposição interna, mas afiança que a família política não acabou e que "há um recomeço para fazer". Deita as culpas em Rui Rio por não se ter alcançado uma maioria de direita nas legislativas e lança: "As autárquicas confundiram o PSD, foram atrás da vitória de Moedas."
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Já foi deputado da Assembleia da República, deputado ao Parlamento Europeu e líder partidário. Viu nascer o CDS, de onde nunca saiu. Nestas eleições voltou a ser candidato, mas o partido não elegeu nenhum deputado pela primeira vez desde 1975. Numa altura em que se discute o futuro do CDS, se o partido tem condições para continuar ou se o caminho é a extinção, o nosso convidado é José Ribeiro e Castro, 68 anos, conservador, democrata-cristão e ator nas últimas cinco décadas da política.

O senhor era o número dois da lista por Lisboa do CDS. O que é que o levou a voltar ao palco e a dar a cara pelo partido de forma tão presente outra vez?
Foi o sentido de emergência, a situação difícil em que estava o partido e não pude resistir às solicitações e pressões que foram feitas sobre mim. Fui convidado algumas vezes para encabeçar listas, mas recusei para aí cinco vezes. Depois dormi sobre o assunto e, no dia seguinte, disse que aceitava ser número dois por Lisboa, fui eu que escolhi esse lugar que me pareceu adequado. O presidente por acaso até me disse que então trocávamos e que ia ele ao número dois, mas eu disse-lhe que era o que mais faltava. Ele é que é o presidente do partido e, portanto, o sinal que eu quis dar foi estar presente num combate muito importante e decisivo para o CDS - infelizmente, como se veio a ver, da pior forma - e de contribuir para a eleição do presidente do partido em Lisboa, foi isso que desejei. Obviamente, desejávamos mais resultados, o partido procurava subir face à votação que teve em 2019, como é natural, e que em Lisboa elegesse pelo menos os dois. Mas os eleitores não quiseram assim, portanto, aceitamos democraticamente os resultados das eleições.

Mas ficou surpreendido, honestamente, na noite de domingo? Pela sua experiência e pela campanha que fez já antevia que iria ser assim?
A campanha correu bem, dentro das dificuldades e adversidades, correu bem. Os sinais que tínhamos e a reação das pessoas eram animadores. Devo dizer que é preciso ter nervos de aço para fazer uma campanha nas circunstâncias em que esta foi feita, sobretudo com um chuveiro de sondagens sempre desfavorável todos os dias. Esse é o primeiro cumprimento que quero fazer a Francisco Rodrigues dos Santos. Foi a bravura, a coragem e o ânimo, que manteve sempre até ao último minuto da campanha, que terminou de uma forma particularmente vibrante, num comício à porta da sede do CDS, portanto, no Largo Adelino Amaro da Costa, no Caldas. E, nesse aspeto, foi um desafio vencido e uma forma ousada de terminar a campanha, e nós confiávamos que as sondagens se enganassem. Por acaso, já na última eleição não se tinham enganado muito, mas acho que as sondagens foram desastrosas de uma forma geral, mas acertaram nos pequenos partidos, nos grandes é que falharam estrondosamente.

Foi crítico dos críticos de Rodrigues dos Santos. A derrota é de todos ou é principalmente desta direção?
É uma derrota do partido e antiga. Este processo não começou ontem. O nosso povo tem um ditado que é "para baixo todos os santos ajudam" e, portanto, o CDS entrou em declínio e em quebra e não foi possível inverter essa rota de 2019 para cá. Em boa parte, é verdade, pelo forte desgaste da, se lhe quiserem chamar, intifada, de que a direção foi objeto. Isso prejudicou a capacidade de afirmação de um líder novo e houve uma agitação muito intensa em cima das eleições. E temos de compreender o eleitorado porque olha para um partido que se comporta como um saco de gatos e não gosta. Nós não gostamos e o eleitor ainda menos. E quando há no terreno outras alternativas que representam energia e etc., isso reflete-se. As sondagens traduziam essas perspetivas más já na altura em que eu aceitei. Ainda assim, o partido e Francisco Rodrigues dos Santos, conseguiram fazer listas muito boas, quer com pessoas do partido quer com independentes, como a reitora da Universidade de Évora.

O senhor foi vítima de um processo semelhante ao que viveu Rodrigues dos Santos. Ou seja, foi eleito presidente do partido, mas nunca foi reconhecido pela oposição interna. O CDS tem dimensão para tantas guerras internas?
Isso é muito mau e recordo-me de que nessa altura acabei por perder por um processo não estatutário, mas essa foi a última discussão. Teria mais um ano de mandato, mas houve uma rutura desse mandato e eleições diretas e depois congresso. Esse processo foi bastante intenso e teve também um momento muito violento e agressivo que levou, aliás, à saída de Maria José Nogueira Pinto, que foi o conselho nacional em Óbidos. E isso teve efeitos, como é óbvio, mesmo quando o grupo ganha acaba por receber as consequências do desgaste infligido à imagem do partido. Recordo-me de que, depois disto, tivemos eleições regionais na Madeira que correram muito mal, e eleições intercalares autárquicas em Lisboa em que, pela primeira vez, o CDS não elegeu nenhum vereador. Era uma lista encabeçada pelo Telmo Correia e teríamos hipótese com Maria José Nogueira Pinto de conquistar três lugares. O PSD abriu crise nessa altura e, portanto, tínhamos aí um espaço de crescimento. Mas, com este desgaste, obviamente que o partido sofre muito com isso e leva algum tempo a que a poeira assente e volte a ter capacidade de afirmação, como depois veio a acontecer. Mais ninguém fez às direções, nomeadamente lideradas por Paulo Portas, o que foi feito. Isso é bastante negativo e creio que o partido não é só Francisco Rodrigues dos Santos - que apresentou com muita dignidade a sua demissão na noite eleitoral -, mas o partido sofre muito com isso e os militantes também se desgastam e vão-se embora e depois é muito difícil que voltem.

Como é que lê a disponibilidade reiterada de Nuno Melo para ser candidato à liderança?
É cedo para podermos comentar. Não quero usar uma frase de António José Seguro - "qual é a pressa?" -, mas nesta altura, infelizmente, não temos pressa, temos tempo e é importante deixar assentar a poeira, acalmar as emoções e refletir objetivamente sobre a situação. O congresso deverá ser no princípio de abril [na próxima sexta-feira, 11, o conselho nacional deverá aprovar as datas de 9 e 10], mas quem quiser apresentar-se para liderar o partido merece ser saudado, e terá de apresentar as suas ideias e projetos e só aí é que poderá ser comentado.

Mas é bom haver candidatos?
É necessário haver candidatos. Nesta altura, o partido não tem presidente e para continuar terá de eleger um presidente ou uma presidente. Terá de ter uma liderança que tem de refletir a situação em que o país está. Não gosto da palavra refundação, sempre me pareceu mais afundação do que refundação. É mais um recomeço, um pouco de regresso às vésperas do congresso do Palácio de Cristal, que foi o primeiro do partido, célebre pela forma como foi boicotado. Agora não haverá esse risco, pelo menos do exterior não será boicotado.

Mas há esse risco do interior?
Não. Francisco Rodrigues dos Santos diz que não fará a ninguém o que lhe fizeram a ele.

A questão é se a eventual implosão do CDS não vem de dentro para fora e não de fora para dentro.
O CDS tem sido, muitas vezes, fonte de más notícias, portanto aquilo a que chamo a brigada das picaretas. Isso é muito negativo. Uma coisa é as pessoas manifestarem divergências, terem propostas alternativas, criticarem aqui ou ali, isso é um direito de cada um e está muito certo se for para afirmar coisas objetivas. Outra coisa é o engajamento sistemático no impedimento de funcionamento do partido, da afirmação da sua direção, isso é que é negativo, isso é o que causa mal. Em todos os partidos a pluralidade interna até pode ser um benefício, as pessoas podem manifestar divergências de forma respeitosa, o que até engrandece, e o debate nunca fez mal a ninguém. O que faz mal é a guerrilha, a intifada, isso é que é negativo. Isso acabou da pior maneira, batendo no fundo, agora é preciso recomeçar, é preciso definir e afirmar a identidade que se quer prosseguir, o projeto, as metas, e programar o calendário eleitoral. Nós temos um calendário eleitoral relativamente longo. As primeiras eleições serão as europeias em 2024, depois as autárquicas em 2025 e depois, o que é uma novidade, legislativas e presidenciais que podem ser na mesma data porque calham ambas em janeiro de 2026, se não houver um ajuste de calendário. Mas creio que nunca aconteceu haver legislativas e presidenciais ao mesmo tempo. É uma viagem longa, sem presença no parlamento. Se é difícil a um líder o partido estar e ele não estar é ainda mais difícil a um partido não estar de todo. Para mim é muito importante nesta altura, e gostaria de ouvir o que é que os presidentes de câmara do CDS, portanto de Velas nos Açores, de Santana na Madeira, os três de Aveiro [Vale de Cambra, Oliveira do Hospital e Albergaria-a-Velha] e de Ponte de Lima, têm a dizer sobre o CDS. São os postos mais importantes do CDS, são esses presidentes de câmara que têm uma responsabilidade executiva apenas em nome do partido, conhecem bem o eleitorado e sabem refletir o que são os sentimentos e a sua visão para o futuro. Até porque o CDS, em qualquer caso, tem como tarefa principal, a meu ver, a sua reimplantação.

Defende essa reimplantação, mas há quem pense o contrário. Lobo Xavier considera que o partido deve ser extinto e ser criada uma associação de pensamento político, sem tradução enquanto força partidária. Faz sentido para si?
Se não for possível fazer mais. Faz sentido para não deixar à deriva a marca CDS para não ser apoderada por alguém que a maltrate. Não podemos esquecer o que aconteceu ao PRD de Ramalho Eanes que depois foi apossado por um partido de extrema-direita, o PNR, que hoje se chama Ergue-te. Portanto, isso é importante se não houver condições de desenvolver um programa partidário sério e consistente, então, isso é melhor. Mas creio que pode ser possível continuar, portanto, quem faz uma associação de pensamento político que tenha vontade de intervir na política, isso é um partido político. É evidente que o CDS tem tido muitos debates sobre a sua identidade, é o quê ou que é que não é, enfim, tem de esclarecer isso de uma vez por todas. Isso é o que arrasta e atrai as pessoas, as pessoas aderem, aquelas que valem mais a pena, porque logicamente não vão atrás de cargos ou postos. Quando o CDS foi fundado foi assim. Ninguém ia para o CDS para ganhar o que quer que fosse, até íamos para perder. Era um tempo muito difícil, portanto, havia uma grande identificação com o ideário do partido e isso é fundamental. Se for possível juntar um conjunto e um projeto acho que isso faz falta, porque o pensamento personalista, democrata-cristão, conservador moderado, faz falta à sociedade portuguesa.

É um espaço político e ideológico que o CDS tem após as eleições?
Sim, esse espaço existe, é preciso é ocupá-lo. O CDS desguarneceu, creio que perdeu muito eleitorado para a abstenção. As pessoas descontentam-se, afastam-se e depois, quando muito, vão dar um voto a outro lado. Nesta eleição, creio que também fomos vítimas do voto útil no PSD e isso sentíamos na rua, nomeadamente naqueles distritos em que não elegemos ninguém, mas isso contagia sempre os outros. O CDS de há uns anos para cá foi desguarnecendo o seu território.

O facto de não ter ido em coligação com o PSD foi também uma forma de prejudicar o CDS?
Sim, e considero esse o erro catastrófico desta eleição.

E é um erro do PSD ou do CDS?
Um erro do PSD, nosso não podemos dizer. O CDS sempre defendeu isso e tinha definido como objetivo - e, a meu ver, correto e até escrevi algumas vezes sobre isso - que para esta crise fazer sentido era preciso vencer a maioria de esquerda. E isto só seria possível com uma AD, por isso, se Sá Carneiro fosse vivo, no dia 28 de outubro estava a convocar a AD, não tenho dúvidas nenhumas. Uma clássica com o CDS, o PPM, eventualmente aberto à Iniciativa Liberal se o quisessem fazer e não repetissem a nível nacional o que fizeram nas eleições locais em Lisboa. Creio que, se fosse assim, se calhar tínhamos ganhado as eleições. O resultado é mau porque é um erro gravíssimo à direita, a nível de estratégia, e não é um erro de Rui Rio, é de todo o PSD. Penso que as eleições autárquicas confundiram os espíritos e houve muita gente a correr atrás da vitória de Carlos Moedas, que não foi só de Carlos Moedas, porque houve várias câmaras que ganhámos com coligações do PSD e do CDS. E essas vitórias não foram do PSD, foram do PSD e do CDS. Sem o CDS essas vitórias não teriam sido obtidas e, aliás, é o único vencedor da noite autárquica, ou seja, as câmaras de PSD e CDS é que são o verdadeiro vencedor porque o PSD perdeu câmaras. Perderam todos câmaras, menos o CDS que as manteve e as coligações PSD-CDS aumentaram, assim como os independentes também aumentaram. Portanto, o que fazia sentido era continuar com este sinal, mas rompeu-se com este sinal e com isto entrámos no campeonato de golos na própria baliza, foi isso que aconteceu. Aliás, dizia que isto parecia um campeonato de golos na própria baliza e vai ganhar quem meter menos golos na própria baliza, e foi António Costa e ganhou.

Que lugar o CDS ainda tem hoje?
O que é um democrata-cristão em Portugal? É um conservador católico. E nós representamos isso e isso tem o seu lugar e nada tem que ver com o Chega nem com a Iniciativa Liberal.

A Igreja Católica foi perdendo influência. Essa mudança também leva ao declínio do CDS?
Está a fazer uma reflexão que nós teremos de fazer entre nós, na tal associação cívica de pensamento, para ver se tem atualidade. É um enorme desafio. Temos uma matriz que é personalista e costumo dizer que sou CCCP, é como me defino: católico, centrista, conservador, personalista e português. O P tem dupla valência e acho também que os valores do portuguesismo, do amor à nossa história, à nossa língua, à nossa identidade, à nossa gente, é também uma componente muito característica do CDS, sempre foi.

A verdade é que isso hoje vale um e qualquer coisa por cento. Acabámos de saber isso, portanto, que caminho tem o CDS?

Sim, mas também já valeu 16%, portanto, tem altos e baixos, é uma reflexão que tem de ser feita. O CDS foi muito desgastado e também acho que os partidos, por vezes, são ideias brilhantes e paupérrimas realidades. E o CDS também mostrou ultimamente paupérrimas realidades pelas suas lutas, pelas suas brigas, e isso obviamente pesa. Agora, resolvido isso, é preciso alguma calma, alguma acalmação, alguma paz e objetividade para olhar para um ciclo de quatro anos e ver o que é preciso fazer. Creio que este património doutrinário, que é o que define o CDS, tem estrada para andar e para percorrer. Agora, se seremos ou não capazes disso, é preciso que não seja apenas uma pessoa a acreditar nisso. É preciso que pessoas com influência na sociedade portuguesa pensem isso e estejam dispostas a dar o corpo ao manifesto. O CDS foi fundado por gente muito nova, mas com muito peso na sociedade portuguesa, como Vítor Sá Machado, Diogo Freitas do Amaral, Adelino Amaro da Costa, Laura Pinheiro, Emídio Pinheiro, Silveira Martins, João Porto, Eugénio Anacoreta, enfim, gente de muito peso e influência na sociedade portuguesa, e depois alguns jovens como eu que tinha 20 anos na altura.

Hoje, quando olhamos para a direita, parece claro que precisa de se reorganizar e reconstruir. Esse trabalho, na sua opinião, deve ser feito com um programa político conjunto - se é que isso é possível - ou deve ir cada um por si?
Creio que o PSD está a ter problemas desses e eles também vão aparecer. É muito complicado, e isso vai-se sentindo, que parte da direita portuguesa vote num partido que diz que é de esquerda ou centro-esquerda. Isso é uma coisa que as pessoas que viveram 1974 e 1975 ainda conseguem compreender, mas cada vez menos as gerações mais novas entendem isso. E que seja social-democrata, que faz parte da Internacional Socialista e toda a gente sabe isso, portanto, há aqui uma coisa que tem explicação pela revolução portuguesa, mas que tem problemas de identidade. E é preciso ver porque, por exemplo, para aqueles que disputavam muito no CDS a questão - houve sempre um debate e eu fiz esse debate - se o CDS devia afirmar-se como um partido dos conservadores, democratas-cristãos e liberais ou um partido democrata-cristão que era aberto a tendências. Isto porque acho que um partido precisa de uma identidade.

Prefere cada um por si do que um programa conjunto?
Não. Tem de ter uma identidade porque, ainda por cima, nós competíamos com o catch-all party que é o PSD. Esse modelo o PSD engole, portanto, só competem com o PSD partidos que têm outra razão de ser e que têm de mostrar uma mais-valia para terem essa outra razão de ser e um outro modelo. E foi assim que o CDS cresceu, chegou aos 16% e poderia ter chegado aos 20% se tivesse ido a votos nessa altura neste modelo. E depois tinha relações de complementaridade e de aliança com o PSD. Nesta altura, os partidos que à direita se afirmaram são partidos fortissimamente identitários, o que confirma esta tese. São partidos que têm capacidade de afirmação num território que estava ocupado por outros. Portanto, nesta altura em que estamos, digamos, no início da estrada, é preciso definir um pensamento. Vivemos numa sociedade aberta, mas as pessoas de todos os partidos não têm de vir para dentro de um, cada um tem de afirmar a sua identidade e dar o seu contributo.

E no caso do Chega, entra nessa frente de direita, deve ficar isolado e falar apenas para o seu eleitorado? Como vê o futuro do Chega?
O Chega é que decide o que quer fazer e tem uma afirmação muito agressiva. Às vezes não se percebe se é de extrema-direita ou se é apenas radical. Portanto, naquela escala de ciência política que vai de um a dez, em que um é extrema-esquerda e dez é extrema-direita, não se percebe bem se é nove ou dez. Oito não é, toca a algumas pessoas oito, digamos conservador forte. Portanto, há aí um posicionamento político que é o que escolheram e, provavelmente, não vão ter razão para mudar, porque cresceram assim, mas não têm grande utilidade. Ouvir um líder político dizer "agora vou atrás de ti, António Costa" não é propriamente um debate.

A questão é se o PSD, o CDS e a Iniciativa Liberal devem fazer essa reflexão para os próximos anos em conjunto, no sentido de se apresentarem daqui a quatro anos como uma grande frente, que o José Ribeiro e Castro acaba de dizer que falhou nestas eleições, ou se cada um deve primeiro definir o seu caminho e, no futuro, tentar encontrar uma plataforma comum e fazer uma frente contra a esquerda.


Não estamos na mesma situação. Nesta altura, o CDS tem de fazer prova de vida e de existência, e o seu primeiro desafio são as eleições autárquicas em 2025. Portanto, esta etapa de vida do partido vai exigir mais do que apenas garganta e voz - voz é importante -, mas é preciso muito de formiguinha. É um trabalho fundamental para um partido personalista e comunitário, é um trabalho que devemos tratar por tu, porque somos um partido de proximidade e de políticas de proximidade. Mas isso é fundamental para o CDS apresentar o que vale. Depois, hipótese de concertação, isso depende de como estiverem os desafios em 2026. Nesta foi uma catástrofe, se se tivesse feito uma coligação, provavelmente agora Rui Rio seria primeiro-ministro. Não só os resultados mostram que se perderam deputados que em coligação se teriam ganho - e estamos a falar, apesar de tudo, de trocos -, mas a dinâmica eleitoral seria diferente. Se como era desejável as correntes de direita, em vez de começarem a ajustar contas nos seus quintais, com a chamada que foi a crise do Orçamento, se no dia 28 tivessem chamado a AD e ela tivesse ido para o terreno, teríamos feito o percurso todo de três meses a construir propostas e a afirmar e as coisas seriam muito diferentes na campanha eleitoral. Se o próprio António Costa duvidou da sua maioria absoluta, e bem, não a teria de todo e haveria uma alternativa com capacidade de progredir. Chamo a atenção, por exemplo, para um momento do debate entre Rio e Costa. Toda a gente disse que Rio ganhou, mas depois ele não tinha base para explorar esse sucesso, porque estava em cima de uma direita fragmentada e continuou o seu jogo de fragmentação. A AD era a única forma de tamponar a fragmentação da direita. Nem a Iniciativa Liberal nem o Chega teriam capacidade de crescer como cresceram se houvesse uma alternativa poderosa em que o eleitorado de direita que queria mudar pudesse assinar. Nós não pusemos essa alavanca e, portanto, o eleitorado não teve nenhuma alavanca para puxar e foram apoiar os fenómenos novos e mais protestatórios e vigorosos. E não se pode levar a mal, foi a liderança, e em grande parte o PSD, que provocou esse desastre. Depois, entreteve-se nas diretas, foi um grande espetáculo político, as pessoas embriagaram-se com aquilo e foi um congresso festivo, "Rui Rio vais ganhar, vais ganhar, vais ganhar", pronto, e depois deu este resultado de que ninguém estava à espera.

E este resultado foi uma maioria absoluta ao PS, porquê? Além dessa falta da aliança, acha que faltaram alternativas, houve medo de a extrema-direita poder influenciar o poder? Ou foi um castigo ao Bloco e ao PCP por causa do chumbo do Orçamento e esses votos passaram diretos para o PS?
O único vencedor das eleições é António Costa. E com a frieza que deve ter tido naquele dia 27 de outubro quando chumbou o Orçamento. Ele ganha as eleições aí, a verdade é essa, ninguém diria isso, mas na noite eleitoral ao fecho das urnas e da contagem de votos é o que podemos concluir. O que ganhou foi esse dia 27 de outubro, é aí que isola e derrota a esquerda, digamos que foi preciso atravessar isto com nervos de aço e ele vacilou ao longo da campanha e oscilou bastante com as sondagens. As sondagens tiveram um efeito terrível nesta campanha. Ele próprio, se via televisão, não acreditava nas projeções que davam hipótese de maioria absoluta, mas ganhou por causa disso, da potência estratégica desse momento. O resto são fatores adjuvantes e depois, de facto, a direita - nomeadamente a direita operável, democrática, a AD - não pôs uma alternativa no terreno que lhe fizesse frente a sério. O líder da oposição, Rui Rio, até podia ter uma prestação brilhante no frente-a-frente, mas depois não tinha máquina atrás que suportasse e explorasse. Porque, por baixo, tinha o CDS a puxar por um lado, tinha a IL por outro, o Chega por outro, e o seu partido sozinho. No PSD, ninguém acreditava que fosse possível, e esse é um erro também. As pessoas ainda continuam convencidas daquele erro, a que chamo a burla autoinduzida de 2015, de que a PAF ganhou as eleições. Não ganhou coisa nenhuma, a PAF foi a mais votada, mas não ganhou as eleições, se tivesse ganho tinha ficado a governar. Esta questão de quem é mais votado ou fica à frente não tem interesse nenhum, o que interessa é saber qual é a maioria que determina o parlamento. E o PSD continua cativo desta ideia, se seguir o discurso das diretas, o que diziam Rangel e Rio é que iam ficar à frente de Costa e isso não serve para nada. O que era preciso pôr em cima da mesa é se queria maioria absoluta, e com a AD isso era possível. E se se convidasse a Iniciativa Liberal que já tinha grande afirmação na altura e que já tinha tido uma prova do erro que tinha sido não aceitar essa coligação em Lisboa, então ainda seria mais fácil. E creio que o Chega não chegaria, porque muita da irritação das pessoas que vão para o Chega é não haver alternativa e não poderem bater o pé, portanto, vão bater o pé de forma mais vigorosa num partido que é bastante vocal.

O senhor tem defendido a reforma eleitoral e com este sistema que temos, e o DN fez as contas na semana passada, só em 2019, foram para o lixo 720 mil votos (não tiveram correspondência em mandatos). Havendo agora alguma estabilidade no parlamento, este é o tempo para avançar com esta reforma e para fazer traduzir votos em mandatos?
Julgo que sim, ainda que em todos sistemas eleitorais haja votos perdidos. Então nos sistemas uninominais, que são os que dão mais poder ao eleitor, vão muitos mais, porque nesse sistema de the winner takes it all todos os outros são perdidos. Portanto, o problema não é tanto esse, o problema é termos um sistema proporcional, em que o vínculo entre o eleitor e o eleito se perdeu por completo. As pessoas não fazem a mais pequena ideia sequer dos cabeças-de-lista no seu distrito, quanto mais dos outros. Isso gera um divórcio profundíssimo relativamente ao funcionamento da democracia e depois também essas correções. Esta maioria absoluta foi obtida com 42%, nunca foi tão baixa, e isto acontece porque como há uma fragmentação do sistema partidário, há muitos mais votos para o lixo e os votos que contam baixam. Devem ter sido 85%, de que metade é 42% e picos, portanto, perderam-se 15% dos votos que não elegeram mandatos.

Mas isso não é preocupante? Alguém que não conheça o sistema, chega a Portugal e vê que o CDS teve 1% e qualquer coisa, mas o Livre e o PAN com menos votos têm um deputado e o CDS não tem nenhum. Isto só dando o CDS como exemplo. Essa realidade devia mudar? Não deveria haver um círculo nacional único, por exemplo?
É preocupante. Não, um círculo de compensação - à semelhança do que já se fez nas eleições regionais dos Açores -, é um círculo regional de compensação que combate isso e combate implicitamente o voto útil. Porque o pior é que, em muitos círculos, em que o meu partido não elege ninguém, eu não voto no meu partido porque sei que não vai servir para nada. Há um fomento do chamado voto útil muito acentuado. Mas se houver esse tipo de compensação, o meu voto conta sempre e mesmo que não conte no meu círculo conta na repescagem final.

Os próximos quatro anos serão, talvez, de menor importância para o parlamento, uma vez que temos maioria absoluta, e de maior centralidade no governo e no Presidente. Que papel espera do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, nesta conjuntura?
Qualquer dia vou escrever um artigo e vou dizer que o presidente criou um poder novo, que é o poder editor. De facto, ele é o editor da vida política nacional. Há os três poderes, havia o poder moderador da nossa monarquia constitucional, aliás, um poder bem interessante, e há o poder editor. António Costa chamou muito a atenção para o papel que o Presidente teria como garante e como fiscal na maioria absoluta. Ele é uma pessoa muito experiente, muito inteligente e muito hábil, acho que o saberá exercer. Agora, há coisas muito importantes que é pena que não se tenham discutido, como, por exemplo, a situação europeia em termos financeiros, uma situação que está preocupante por causa do endividamento público em Estados membros, que já está na média europeia acima de 100% do PIB. Isso pode significar uma alteração das políticas do BCE e um prejuízo gravíssimo para Portugal e isso, curiosamente, pouco se discutiu durante a campanha. Houve apenas um afloramento no último discurso de Francisco Assis no Pavilhão Rosa Mota, na sexta-feira, a este tipo de questão. Também espero que a execução do PRR não dê origem a escândalos. Espero que o crescimento económico acelere, esta é a prioridade das prioridades. Nem o CDS apresentava propostas muito corretas de balizar a ambição nacional, e acho que isso é preciso, não podemos continuar a ser ultrapassados. Não podemos receber fundos e não crescer na média europeia e continuarmos a dizer que somos o pelotão da frente quando, de facto, somos a lanterna vermelha.

Considera que António Costa terá a tentação de exercer um segundo mandato parecido com o segundo mandato de Soares ou um segundo mandato mais à Cavaco ou à Sócrates? Há esse risco?
Não sei prever. Ele tem alguma experiência e creio que na Câmara Municipal de Lisboa já teve as duas situações. Não sei. Estará certamente mais à vontade, mas há oposição, há o Presidente e se ele pisar o risco e abusar o Presidente chama-lhe a atenção. Não desejo mal a Portugal e, portanto, espero que as coisas corram fundamentalmente bem e que o primeiro-ministro tire da maioria absoluta o seu lado positivo. Gostaria que não aproveitasse a maioria absoluta para voltar à lei da eutanásia e passá-la, tanto mais que não a pôs no programa eleitoral. Portanto, se achou que não devia falar nisso porque pensou que poderia prejudicar a maioria absoluta, então espero que honre esse silêncio e não insista numa lei que suscita tantas questões.

Na sua opinião, o segundo mandato de Marcelo Rebelo de Sousa será mais difícil ou mais fácil do que o primeiro?
Tem sido mais difícil. Agora é mais desafiante, mas tenho confiança nas instituições e tenho confiança na inteligência e na capacidade do Presidente da República. Não vejo nada que o Presidente da República seja uma pessoa enclausurável no Palácio de Belém. Ele é uma pessoa inenclausurável e, portanto, tem uma relação muito próxima com os cidadãos e acho que estará atento. Não é o primeiro governo de António Costa, é o terceiro e, portanto, espero que as coisas não corram mal. Mas preferiria que tivesse ganhado a AD e que, nesta altura, tivéssemos um governo presidido por Rui Rio e com uma maioria à direita, isso é que seria a mudança necessária em Portugal, mas os portugueses não quiseram assim e os portugueses é que mandam.

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